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Mitologia em Português

29 de Agosto, 2019

Os amores do Rei Salomão e da Rainha de Sabá, ou um destino da Arca da Aliança

Poucas histórias parecem fascinar tanto a humanidade como a do destino final da Arca da Aliança, a tal onde estavam encerradas as duas tábuas dos Dez Mandamentos. A sua redescoberta poderia provar a veracidade dos textos bíblicos, mas pouco se sabe da sua localização após a perda do Primeiro Templo de Jerusalém, o mesmo que foi eregido pelo Rei Salomão. Existem, aqui e ali, uma e outra hipótese, mas a que apresentamos aqui hoje é intrigante quanto pouco conhecida na cultura ocidental.

Os amores do Rei Salomão e da Rainha de Sabá, ou um destino da Arca da Aliança

Segundo o Kebra Nagast, um épico etíope que poderá datar do século XIV (o texto diz tratar-se de uma suposta tradução do copta para o árabe e depois para a língua local), quando o Rei Salomão e a Rainha de Sabá se encontraram em Jerusalém - como nos diz o Antigo Testamento - aconteceu também algo que o texto bíblico não preserva - a rainha, aqui chamada Makeda, engravidou e teve um filho do monarca, a que viria a dar o nome de Menelik. Será que, então, Salomão casou com a Rainha de Sabá? Não - segundo o texto desta obra, esta gravidez aconteceu apenas porque, entre outras razões, Salomão queria engravidar o maior número possível de mulheres, de forma a propagar a crença em um deus único (e não estamos a brincar, é mesmo isso que o texto afirma).

 

Alguns anos depois, Menelik foi a Jerusalém conhecer o pai. Quando voltou à Etiópia trouxe consigo a Arca da Aliança. Não se tratou de um roubo (!), o texto deixa claro que a Arca apenas foi levada por vontade divina, em parte devido à piedade do jovem e em parte porque Salomão andava a transgredir as regras que Deus lhe tinha imposto.

 

As aventuras mencionadas no Kebra Nagast poderiam tratar-se de histórias lendárias como muitas outras, mas a Igreja de Santa Maria de Sião, na cidade etíope de Axum, supostamente ainda tem no seu interior a Arca da Aliança, a mesma que dizem que Menelik trouxe do reino de Salomão. Porém, antes que se metam num avião para a re-encontrar, convém frisar que o local não está aberto ao público, nem é possível ver o tão famoso ítem. É possível que Edward Ullendorff a tenha visto durante a Segunda Guerra Mundial e afirmado que é uma cópia sem muito valor, como detalha este artigo, mas pouco mais sabemos sobre ela. É, por isso, uma possibilidade, mas também um beco sem saída.

 

Se existem várias outras histórias apócrifas que unem em laços amorosos a Rainha de Sabá e o Rei Salomão, chegando ao ponto de existirem até livros e filmes sobre o tema (como o da imagem ali em cima), esta parece ser uma das mais antigas referências a um potencial filho de ambos. Mas, se esse é o episódio central e fulcral do Kebra Nagast, esta obra também tem menções a vários outros mitos cristãos, desde a criação do Homem no Paraíso até às muitas sequências do Antigo Testamento que previam a vinda de um Messias (e que o texto descrimina de uma forma inesperadamente directa). Tem alguns momentos puramente belos (como as frases de Salomão sobre a natureza do conhecimento humano), mas, talvez mais que tudo, é notável pela forma como re-escreve e adapta alguns mitos bíblicos a um contexto africano.

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26 de Agosto, 2019

O filme "Excalibur" (1981)

Poster do filme

Calhou, há alguns dias atrás, termos a oportunidade de rever o filme Excalibur, datado de 1981. É, como não poderia deixar de ser, baseado nos mitos do Rei Artur, em particular na versão de Thomas Malory (séc. XV), mas um elemento muito interessante do filme é a forma como pega nessas antigas lendas e, em alguns momentos, as reinventa e reaproveita de outras formas, gerando diversos subtextos que só são perceptíveis àqueles que conhecem os originais. Para dar três exemplos mais óbvios dessa característica nesta versão cinematográfica, as figuras de Artur e do Roi Pêcheur parecem confundir-se numa só, são apenas feitas alusões a Guinevere se juntar a uma ordem religiosa, e Lancelot não tem o mesmo fim.

 

Se essa característica do filme até é interessante, ao mesmo tempo leva-nos a um problema notável - em virtude da sua velocidade, a trama do filme é difícil de seguir, sendo deixados de lado diversos elementos que nos permitiriam compreender melhor a narrativa. Quem já conhece a história pode, naturalmente, compreender sem dificuldade os saltos que vão sendo dados, mas não é um filme tão fácil de seguir para o restantes... apesar de nunca deixar de ser, admita-se, um filme muitíssimo interessante, e que não podemos deixar de recomendar aos leitores!

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23 de Agosto, 2019

As "Odes" de Píndaro

"Odes" de Píndaro

De entre as obras de Píndaro que nos chegaram, a principal é uma compilação alexandrina de 45 odes de vitória (ou "epinícios"). Não são, em si mesmas, obras puramente mitológicas, mas têm diversos elementos que não poderão deixar de interessar a quem gosta dos mitos gregos.

 

O poeta faz, aqui e ali, diversas alusões breves a bastantes mitos - "as clareiras de Pélops", "o companheiro de Iolau", "o glorioso túmulo de Anfitrião", etc. - mas também reconta, de uma forma mais alongada, vários episódios mitológicos. Pelo menos um deles, o de Iamo, parece só nos ser conhecido da Sexta Ode Olímpica, mas também aqui são contados episódios como os da morte de Neoptólemo (Sétima Ode Nemeia),  a partilha da imortalidade por Castor e Polídeuces (Décima Ode Nemeia), a construção das muralhas de Tróia (Oitava Ode Olímpiaca), o mito de Belerofonte (Décima-terceira Ode Olímpica), ou até o dos Argonautas (Quarta Ode Pítica), entre muitos outros.

 

De uma certa forma, esta obra é um pequeno tesouro de mitos gregos, tal como estes existiam por volta do século V a.C., e em que podem ser encontradas, aqui e ali, várias pérolas inesperadas.

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20 de Agosto, 2019

A lenda da Abóbada da Batalha

Quando se trata de grandes espaços religiosos em Portugal, o Mosteiro da Batalha, cuja construção começou por volta de 1387, é provavelmente um dos mais famosos, e esta lenda da Abóbada da Batalha transporta-nos precisamente para esse local.

Lenda da Abóbada da Batalha

O projecto original do mosteiro foi da autoria de Afonso Domingues, mas à medida que o tempo foi passando ele mostrou-se incapaz de continuar, diz-se que por uma doença que lhe estava a causar cegueira. Assim, o seu trabalho foi continuado por David Huguet, que achava que o plano original para a Abóbada da sala do capítulo jamais iria funcionar... então, desenhando uma nova solução para o local, implementou-a e... a Abóbada caiu! Consideraram-se outras soluções, até que Afonso Domingues foi chamado novamente para fazer esta Abóbada da Batalha... e implementando-se a sua ideia original, ela não caiu quando os apoios foram retirados. Diz-se então que este arquitecto se sentou abaixo do local por três dias, certo de que a sua Abóbada não caíria, dizendo repetidamente "A Abóbada não caiu, a Abóbada não cairá!" - e, de facto, ela nunca caiu.

 

É esta a mais famosa das lendas do chamado Mosteiro de Nossa Senhora da Vitória, na Batalha, ao ponto de ter inspirado filmes e uma versão nas Lendas e Narrativas de Alexandre Herculano. Por isso, se algum dia forem visitar este mosteiro, procurem a sala em questão, olhem para esta famosa Abóbada da Batalha, e recordem-se de toda a lenda por detrás dela...

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19 de Agosto, 2019

A origem do "Panfleto"

Relativamente à origem da palavra "panfleto", se consultarmos um dicionário ele tende a informar-nos que esta vem do inglês pamphlet. O que nos leva, obrigatoriamente, à questão adicional da origem da palavra no inglês. Na verdade, ela parece vir de um texto medieval chamado Pamphilus de amore, cuja enorme popularidade contribuiu para disseminar a expressão e constituir, de uma forma mais geral, o panfleto como um pequeno texto satírico.

 

Mas de que tratava, afinal, esse Pamphilus de amore? É, naturalmente, um texto satírico, em que um jovem amante procura a afeição da sua amada recorrendo aos serviços de uma sábia idosa. Não sabemos quem o terá escrito, mas a influência das produções poéticas de Ovídio, tão comum num determinado momento da Idade Média, é aqui, sem qualquer dúvida, notável.

O sempre-popular Ovídio

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18 de Agosto, 2019

Fim da página no Facebook

Final da Página no Facebook

Decidimos acabar com a nossa página no Facebook. É uma espécie de tradição que nestas alturas se diga que "não foi uma decisão fácil", mas até o foi - nunca fomos muito dessas tecnologias, mas o facto de termos essa página implicava que tivessemos de utilizar o site em questão, para ver se alguém tinha questões, o que representava uma significativa perda de tempo. Adicionando o facto de essa empresa ter práticas que nos parecem extremamente reprováveis (por exemplo, sabiam que eles roubam dados dos vossos dispositivos, mesmo quando não estão a usar a respectiva aplicação? Ou que só têm empregados para o apoio ao cliente comercial? Ou que podem decidir, só "porque sim", bloquear todo o acesso à vossa conta?), decidimos deixar de promover a página que tínhamos por lá.

 

Mas, então, se nos quiserem continuar a seguir, o que podem fazer? Essencialmente, têm três alternativas. A primeira é virem cá visitar a página, de tempos a tempos. A alternativa é virem à nossa página e, ali em baixo, subscreverem as actualizações por e-mail, para receberem um e-mail sempre que existir uma nova publicação.

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16 de Agosto, 2019

A estranha história de Vilgardo de Ravena

Um poeta da Antiguidade

As fontes literárias que temos referem que Vilgardo de Ravena foi um dos primeiros heréticos medievais. Porém, o que o torna digno de nota é mesmo a forma como essa sua heresia nasceu - as fontes dizem que ele se aplicou tanto nos estudos literários que, numa dada altura, lhe apareceram durante a noite os espíritos de Virgílio, Horácio e Juvenal. Estes agradeceram-lhe o estudo intenso, antes de lhe asseguraram que também ele iria partilhar da mesma glória literária que eles tinham. Isto levou-o a uma curiosa heresia, em que defendia que as palavras "dos poetas", numa natural referência aos autores latinos da Antiguidade, eram sempre dignas de serem acreditadas.

 

Infelizmente, sabemos pouco mais sobre este Vilgardo de Ravena. Seria interessante saber como essa sua crença se intersectava com os ensinamentos da religião cristã, mas essa informação parece ter sido perdida ao longo dos séculos, até porque não temos conhecimento de ele ter composto qualquer obra literária.

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14 de Agosto, 2019

A Écloga de Teodulo

O combate presente na Écloga de Teodulo

A Écloga de Teodulo é um poema latino da Idade Média, curioso pela forma como funde os mitos da Antiguidade com as histórias do Antigo Testamento. É um debate entre duas figuras, a Falsidade e a Verdade, em busca da verdadeira doutrina. Face a esse objectivo, a Falsidade começa por mencionar um qualquer mito de tempos da Antiguidade, ao que a Verdade depois lhe responde apontando um episódio bíblico com a mesma ligação temática.

 

Vejamos dois pequenos exemplos, provindos desta Écloga de Teodulo. Quando a primeira figura refere o mito em que Saturno foi expulso do Olimpo, a segunda responde-lhe com a expulsão de Adão e Eva do Paraíso. A informação de que Cécrope fez o primeiro sacrifício é depois respondida com o de Caim e Abel.

 

São cerca de 350 versos, esta Écloga de Teodulo, em que as (antigas) crenças dos Gregos e Romanos são combatidas com as (novas) dos Cristãos. É apenas natural que o Cristianismo acabe por ganhar, mas na verdade trata-se de um curioso combate de intertextualidades que até dá um certo prazer de leitura.

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12 de Agosto, 2019

A lenda da Estátua do Duque de Coimbra

Encontrar uma possível lenda associada a uma Estátua do Duque de Coimbra não foi tarefa fácil. Isto porque se existem, hoje, várias estátuas de Dom Pedro, i.e. o primeiro duque da cidade e conhecido pelas suas sete partidas, nenhuma parecia ser suficientemente antiga para poder ter inspirado alguma espécie de lenda. Curiosamente, essa ausência de um memorial físico antigo acabou por provar-se a chave para todo o mistério!

 

Segundo a breve lenda, diz-se então que numa dada altura o povo quis erigir uma estátua ao Infante Dom Pedro (alegadamente no Palácio dos Estaus, em Lisboa), em virtude de ele ser muito popular e bem amado na sua época. Contudo, ele rejeitou essa estátua, pela modéstia que lhe foi inspirada pelos modelos da Antiguidade, e porque sentiu que essa homenagem não lhe deveria ser feita em vida. Assim, a Estátua do Duque de Coimbra, a que se refere esta espécie de lenda, é notável pela sua não-existência e pelos eventos que levaram a tal, mais do que por uma potencial homenagem que lhe tenha sido feita...

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12 de Agosto, 2019

"As Viagens de Gulliver" e os começos da literatura de viagem

Gulliver preso pelos Liliputianos

As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, é um daqueles livros que todos parecem conhecer - de filmes, de menções em outras obras, de sátiras na cultura popular, etc. - mas que poucos ainda parecem ler. É, essencialmente, um exemplo satírico daquilo que se costuma chamar "literatura de viagem", e que pode ser definida, de forma muito sucinta, como aquela em que alguém vai viajar e, posteriormente, conta aos seus leitores as coisas - muitas delas completamente estranhas - que foi vendo. Esse elemento é aqui levado ao extremo, com a personagem titular a passar por desventuras completamente inacreditáveis (mas com elementos moralizadores), que ele afirma, jocosamente, que foram completamente reais.

 

Mas, se até existem algumas referências a figuras e eventos da Antiguidade neste livro, em particular no momento em que Gulliver fala com alguns falecidos de esses tempos antigos, devemos é relembrar que este é talvez o mais famoso exemplo de uma tendência que começou nos primeiros séculos da nossa era, com uma obra chamada As Coisas Incríveis Além de Tule (de António Diogenes), sendo que "Tule" era uma ilha que pensava existir-se no ponto mais a norte da Europa (seria a Islândia? Não temos a certeza). Já não nos chegou de forma completa, mas foi um dos livros lidos por Fócio de Constantinopla, que ainda o resumiu na sequência 166 da sua Biblioteca.

Alguns anos mais tarde, outro exemplo particularmente famoso da literatura de viagem é a História Verdadeira, de Luciano, que já continha episódios naturalmente jocosos, e que até poderá ter vindo a inspirar a obra de Jonathan Swift. E, depois, seguiram-se muitas outras ao longo dos séculos...

 

(Se até se poderia levantar uma ressalva de que a Odisseia também é uma obra que contém viagens, há que deixar presente que esses momentos são acessórios face às aventuras de Ulisses, nunca se pretendendo documentar directamente os locais pelos quais o herói foi passando.)

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