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Mitologia em Português

30 de Junho, 2008

O eclipse da Odisseia Homérica

Há já uns dias, surgiu em diversos meios da comunicação social uma notícia com um conteúdo similar à seguinte:

 

Fenómenos astronómicos mencionados na Odisseia, o célebre poema épico atribuído a Homero, coincidem com a descrição de um eclipse solar total, indica um estudo hoje divulgado pela Academia das Ciências dos Estados Unidos.

Tendo em conta a raridade deste tipo de eclipses, a descrição do fenómeno por Homero poderá ajudar os historiadores a datar a queda de Tróia, que teria ocorrido durante os acontecimentos relatados na Ilíada e na Odisseia, segundo os autores da investigação.
A teoria do eclipse solar total tem sido discutida há séculos por historiadores, astrónomos e helenistas, mas nunca passou de uma hipótese por falta de índices astronómicos que a sustentassem.
Todavia, os autores do estudo julgam ter descoberto pistas astronómicas na obra de Homero que poderão contribuir para uma nova leitura histórica deste período - explica Marcelo Magnasco, director do laboratório de matemática e física da Universidade Rockefeller (Nova Iorque) e co-autor da investigação publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
Os cientistas procuraram em toda a Odisseia referências astronómicas específicas que pudessem ser associadas a datas precisas.
O passo seguinte foi situar cada uma dessas referências em relação a uma data de referência, a do regresso de Ulisses, quando ele mata os pretendentes que se aproveitaram da sua longa ausência para cortejar Penélope, sua mulher, de acordo com a obra.
Marcelo Magnasco e o seu colega Constantino Baikousis, do Observatório Astronómico de La Plata (Argentina), outro co-autor, identificaram quatro acontecimentos astronómicos específicos.
No dia da morte dos pretendentes, Homero descreve em várias passagens a sombra provocada pela passagem da Lua à frente do Sol, que transforma o dia em noite, assinalam os cientistas.
Seis dias depois do massacre, Homero escreve também que Vénus é visível muito alto no céu.
Vinte e nove dias antes da matança, Homero indica que as constelações das Plêiades e do Boieiro podem ser observadas simultaneamente ao pôr-do-sol.
Finalmente, 33 dias antes deste acontecimento, o poeta dá a entender que Mercúrio está numa posição elevada no céu ao amanhecer.
Astronomicamente, estes quatro fenómenos ocorrem em intervalos de tempo diferentes e nunca se repetem exactamente da mesma forma.
Os investigadores tentaram determinar uma data num intervalo de cem anos que englobasse a presumível data da queda de Tróia e correspondesse aos intervalos em que se produziram os quatro acontecimentos astronómicos mencionados na Odisseia.
A data a que chegaram foi 16 de Abril de 1178 antes de Cristo.
"Se considerarmos como exacto o acontecimento da matança dos pretendentes, o dia do eclipse, poderemos deduzir que todos os acontecimentos descritos na Odisseia são historicamente exactos", sublinha Marcelo Magnasco, que no entanto admite o carácter ainda hipotético destas conclusões.

Fonte: Barlavento Online [site desaparecido antes de 2019]

 

De um ponto de vista prático, esta parece uma notícia interessante. Contudo, há uma coisa que se parece não ter em conta, a liberdade poética de um autor. Quando alguém escreve seja o que for, tem toda a liberdade para fazer alterações à realidade que pretende imitar, seja com um intuíto prático ou com mera intenção de tornar a realidade mais bela. Tendo em mente o episódio referido acima, é bastante provável que o eclipse mencionado na "Odisseia" seja meramente ficcional - não há qualquer prova que toda a aventura narrada nessa obra seja verdade. É absurdo assumir que todo o caminho percorrido por Odisseu foi real, e se pretendemos assumir que este eclipse aconteceu realmente, também se poderia assumir a existência de, por exemplo, a ilha que era habitada pelo gado de Hélio, ou mesmo do país dos Lotófagos, o que é certamente problemático.

 

Num sentido poético, creio que é mais provável que este eclipse, narrado na "Odisseia", seja mais metafórico do que real, até por estar associado a um episódio muito importante do apogeu de toda a aventura. Contudo, é possível que eclipse tenha existido, de uma forma real, no tempo de Homero, e que todos os eventos celestes que o rodearam tenham servido de inspiração para o ambiente deste episódio. Ainda assim, uma tal hipótese levanta uma outra questão - porque se daria o autor ao trabalho de dar tantos detalhes, possivelmente reais, a um episódio ficcionado...?

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