"Da Natureza dos Animais", de Cláudio Eliano
Num sentido puramente académico, a obra Da Natureza dos Animais, de Cláudio Eliano (também conhecida por De Natura Animalium) talvez até nem tenha muito interesse, mas no geral é uma obra extremamente interessante, e passo a explicar o porquê - o autor explica, de uma forma muito simples, as várias características que, na época, eram consideradas como sendo reais, em relação a vários animais, e chega até a estabelecer paralelismos com os seres humanos. Aqui, surgem, como também é frequente em bestiários medievais, criaturas como o elefante, o gnu, o leão, o catoblepas, a Fénix, entre muitas outras, e acaba por ser muito interessante comparar essas mesmas descrições com os conhecimentos que, nos dias de hoje, temos das várias criaturas.
Por exemplo, em relação ao peixe-espada, é dito que este consegue fazer buracos nos cascos dos navios. O elefante e o leão conseguem, de acordo com o autor, entender respectivamente a língua das Índias e o Persa Antigo. O cisne canta uma maravilhosa canção antes de morrer. Uma determinada espécie de pássaro ama tudo o que é grego. Seguem-se, então, alguns outros momentos que acho importante referir:
Prefiro mencionar o que vi, e que os outros recordam como ter acontecido em Roma (Livro II)
Assim se compreende que, mais que ficção, o autor pretendia reportar a realidade, seja por observação directa ou através do que outros (alegadamente) tinham visto.
Na minha opinião, isto não é nenhum conto de fadas; porque relataria Alexandre de Myndus tais maravilhas se não tem nada a ganhar com elas? (Livro III)
A crítica mencionada acima repete-se; mais uma vez, o autor confia em si mesmo e nos outros, por acreditar que estes nada têm a ganhar com uma possível mentira, em relação às bestas e costumos que reportam. De notar que este fragmento específico se refere a uma história contada pelo autor, em que uma determinada espécie de pássaros emigra para o norte, quando está a ponto de morrer, e passa a viver numa nova ilha, sob a forma de seres humanos.
Em relação à Hidra de Lerna, e à Quimera, estas [criaturas] foram relegadas para o estatuto de mitos. (Livro IX)
Por aqui se compreende que, apesar de muitos outros aspectos da religião grega serem levados a sério (veja-se o exemplo mencionado abaixo), outros eram já considerados como simples ficção.
Basilis de Creta ficou doente (...) e [Serapis] causou que este comesse a carne de um burro [em inglês, "ass"). O resultado foi de acordo com o nome da besta, pois o deus tinha-lhe dito que o tratamento e cura o iria assistir. (Livro XI)
Esta é uma piada que faz mais sentido em outras línguas, como a inglesa - por comer um "ass", o doente teria "assistence" - e que denota o carácter, por vezes até jocoso, porque certas partes desta obra estão pautadas.
Esta menção a ratos levou-nos a tocar numa matéria de teologia; contudo, não somos piores por ter ouvido histórias como estas. (Livro XII)
Por esta expressão nota-se uma divisão entre o sagrado e o profano. O contexto em que também esta é dita também é importante - uma cidade foi invadida por ratos, e através da consulta de um oráculo foi aconselhado aos habitantes que construissem um templo em que esses mesmos ratos seriam venerados. O autor parece levar o assunto, essa intervenção divina, com algum cepticismo, mas tenta, ainda assim, respeitar aqueles que nela acreditam.
Esta não se trata, evidentemente, de uma obra de conteúdo puramente enciclopédico, como sucede com Naturalis Historia de Plínio o Velho, mas de uma obra de carácter mais ligeiro. As entradas relativas a cada animal encontram-se dispersas pelos diversos livros da obra - facto que o próprio autor até justifica no epílogo - o que a torna um pouco mais difícil de pesquisar, mas ainda assim é uma obra fascinante, digna de ser apreciada até com um leve sorriso nos lábios.