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Mitologia em Português

30 de Junho, 2014

A figura de Hipalectrion

De entre as muitas figuras estranhas da Mitologia Grega conta-se um ser metade galo, metade cavalo, normalmente chamado Hipalectrion. Como pode ser visto na imagem abaixo, normalmente ele tem a parte frontal de um cavalo, com a traseira de um galo enorme, e as asas naturais neste segundo animal.

Imagem de Hipalectrion

Porém, curiosamente, esta é uma figura que não tem qualquer mito associado. E é pena, porque certamente teria uma história interessante para nos contar, mas é apenas mencionada num fragmento de Ésquilo e em algumas peças de Aristófanes, somente como uma figura que, presume-se, as audiências de altura já conheciam bem. Seria uma figura de grande proeminência nas comédias, que foi sendo esquecida ao longo dos séculos? Acreditamos, mas sem muitas provas reais, que sim...

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30 de Junho, 2014

Constantino e Acésio

Quando, após a perseguição do tempo de Décio, Acésio, bispo de Constantinopla, se recusou a receber de volta ao Cristianismo todos aqueles que tinham cometido pecados, a resposta de Constantino I merece aqui ser recordada: "Acésio, pega numa escada e sobe até aos céus sozinho".

 

Esta é uma frase que, no contexto do Novacianismo, tem muito que se lhe diga, mas também é uma frase que nos recorda das múltiplas transformações que, ao longo dos tempos e quase desde um primeiro instante, o Cristianismo foi sofrendo. Se, para algumas seitas cristãs da altura, o perdão era difícil de conseguir após o baptismo (ou impossível, como nesse Novacianismo), essa também era uma crença que, para um público mais geral, era demasiado difícil de conseguir aceitar, pelo carácter fraco do próprio espírito humano, destinado a errar mais cedo ou mais tarde. É essa constatação que Constantino I, aqui, parece fazer, já que opõe um potencial carácter "perfeito" da parte de Acésio ao carácter mais frágil, mas meramente humano, dos comuns mortais; enquanto que a primeira seria uma crença só para alguns, a segunda já era uma crença que dava para todos, e que, portanto, acabará por ser a adoptada pelo Cristianismo.

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23 de Junho, 2014

Programa "Ilhas Míticas" na RTP2

Vi hoje na RTP2 um pequeno documentário que liga algumas crenças e práticas religiosas dos Açores à Antiguidade. O programa, que pode ser encontrado aqui, infelizmente não parece dar muito frequentemente, mas ao longo dos cinco episódios aborda temas como o Oceano, os solstícios e os equinócios, e a relação como os cultos da Antiguidade influenciaram, e influenciam, as práticas religiosas modernas.

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18 de Junho, 2014

A "Ilíada", de Homero

Há uma razão para eu nunca me ter focado na Ilíada, de Homero, neste espaço, e ela passa pelo facto de ser bastante difícil resumi-la. Não irei, obviamente, aqui empreender essa tarefa, até para não poupar trabalho a muitos estudantes, mas achei que já era tempo de dedicar algumas linhas a esta obra, que uma colega gosta de apelidar "a segunda mais estudada de sempre".

 

Muitas poderiam ser as formas de definir esta Ilíada de Homero, mas o autor o pôs de uma forma curiosíssima quando, logo nas primeiras linhas do texto, a definiu como uma obra da "cólera de Aquiles". É esse o epicentro de toda a trama, essa emoção do herói, e a forma como as suas subfaces vão influenciando os eventos da própria guerra. Tanto aqui como, parece-me, no resto do conflicto, Aquiles é uma figura bastante ausente em carne mas muito presente em espírito, e é apenas depois de passar pela suma perda que acaba por retornar ao combate. Esse é, para mim, um momento de especial valor, mas existem muitos mais, em toda a obra, que importa descobrir a partir da exploração da própria obra.

 

Mais do que dar um pequeno resumo da obra (para isso, podem ler aqui dois resumos vindos da Antiguidade), como fiz para tantas outras, parece-me é aqui importante deixar a importância de leitura da obra. Não digo que ela deva ser lida de forma repetida e até à exaustão, mas ela não deixa de ser, em muitos aspectos, uma obra que tem uma infinidade de pontos a descobrir. Posso, entre incontáveis outros e por mero exemplo, mencionar o catálogo dos navios, que se torna bem mais interessante quando posto ao lado de uma boa explicação; a lira que Aquiles toca no livro IX, e que une múltiplos pontos da trama; a dualidade da história contada na embaixada a Aquiles; a figura de Antíloco, que até teria especial importância em episódios que a obra já não cobre; a morte de uma dada personagem enquanto substituta da morte de Aquiles, aqui ausente... quantas outras coisas poderia eu contar? Cabe ao leitor descobrir, neste caso único!

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13 de Junho, 2014

Existem mitos com pombos?

Surgiu a questão, hoje, sobre a possibilidade de existência de mitos relacionados com pombos, da mesma forma que existem várias outras metamorfoses em pássaros.

 

Bem, se as pombas brancas aparecem muitas vezes associados ao amor, ao culto de Afrodite (em obras sobre animais são vistas como exemplos da fidelidade), e esses animais até têm alguma relevância noutros cultos do Mediterrâneo, não conheço qualquer mito grego ou latino em que exista uma transformação de uma figura humana em pombo (ou pomba). É provável que até existam noutras culturas. Muitas poderiam ser as razões para essa ausência, mas por não ter quaisquer certezas convincentes não me atrevo a falar sobre elas.

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13 de Junho, 2014

Renovação deste espaço

Como se torna fácil notar, este espaço foi renovado nos últimos dias.

Publicações mais antigas, muitas delas com imagens que já não apareciam e com ligações que já nem funcionavam, foram removidas ou actualizadas. Além disso, todos os conteúdos foram organizados em categorias gerais.

Parte do código da página foi optimizado, para que esta funcione melhor em dispositivos portáteis, e foi corrigido um problema com as imagens.

Foram adicionados alguns links interessantes ao lado direito da página, que irão ser actualizados ao longo dos próximos tempos.

E, em último lugar, foi adicionada a possibilidade de partilhar artigos, bastando para tal seleccionar a respectiva opção.

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08 de Junho, 2014

A "Biblioteca Histórica" (I-VII) de Diodoro Sículo

Esta é uma obra magnânima, com o autor a admitir, desde o início, que o seu principal objectivo era o de construir uma história de toda a humanidade, desde a sua criação até aos dias em que o próprio autor escrevia as suas linhas. Seria, creio, uma obra preciosíssima, se nos tivesse chegado completa, mas, infelizmente, uma grande parte dos seus quarenta volumes estão perdidos, muitos deles existindo apenas em fragmentos citados por outros autores. No contexto deste espaço seriam especialmente importantes os primeiros sete volumes, que cobriam o espaço de tempo das origens até aos finais da Guerra de Tróia, mas só os primeiros cinco desses volumes nos chegaram completos.

 

O primeiro volume cobre a criação do sítio onde vivemos (presumo que aqui lhe possamos chamar "mundo", mais do que "cosmos", já que foi criado de uma separação da terra e água), e continua com a história dos primeiros homens, a criação dos deuses, e a divinização de humanos de especial importância. Apresentando, assim, o Egipto como essa primeira de todas as terras, o autor cobre muitas outras histórias a ele relativas, como a veneração dos vários animais, e a importância crucial do Nilo para esse povo.

 

O segundo volume foca-se nas histórias da Mesopotâmia, começando com a da famosa rainha Semíramis, e falando das muitas terras do Oriente. É dada alguma informação sobre os Caldeus e sua astrologia, mas a ênfase maior é nos muitos prodígios que existem nessas várias terras, tanto ao nível da natureza como dos costumes. São recontados, de forma muito sucinta, os mitos de Mémnon e de Pentesileia. Grande parte da informação aqui presente parece advir da Pérsica de Ctésias de Cnido, como o próprio autor nos diz, uma obra hoje perdida e em relação à qual se tem, neste volume, uma importante fonte de informação.

 

O terceiro volume continua o tema do anterior, agora com a história da antiga Etiópia, as civilizações e animais (ambos quase na sua totalidade lendários) das costas do Golfo Arábico, e da Líbia. É a essa última terra que são associados os mitos de outra civilização de Amazonas, das Górgonas (aqui vistas como uma mera civilização, em vez de criaturas mitológicas), e da criação na civilização dos Atlantes (não são, aqui, os mesmos mencionados por Platão, importa esclarecer!), em que muitos mitos se vão entrelaçando: mitos como os de Átis, Mársias, Atlas e Zeus (o do Olimpo é mostrado, numa das versões contadas pelo autor, como sendo distinto da figura do famoso túmulo de Creta). Em último lugar, é aqui que o autor começa por contar várias versões dos mitos relativos a Dioniso, por vezes visto como uma única figura, e outras como construída da união de várias - o filho de Amon e Amalteia; o nascido de Zeus e Io; o nascido de Zeus e Perséfone [usualmente, mas não aqui, chamado Zagreu]; e o nascido de Zeus e Sémele. São contadas as vinganças da figura face a inimigos como Penteu, Mirrano da Índia, Licurgo da Trácia, a divergência de opiniões sobre o local onde a figura nasceu, eventualmente citando evidências de uma obra, hoje perdida, de Dionísio Escitobráquio, e abordando as outras versões da mesma figura.

 

O quarto volume começa, também ele, com a continuação da história de Dioniso, agora seguindo a versão dos Gregos, a que se juntam os mitos de Sabázio, Príapo (aqui filho do deus e de Afrodite), Hermafrodito (deus nascido de Hermes e Afrodite, que visita os mortais pontualmente, tendo órgãos de ambos os sexos) e das Musas (em relação às quais é explicada a razão para o nome de cada uma delas). Depois, o autor conta todo o (longo) mito de Héracles, começando com os eventos que antecedem o nascimento do herói, e abordando, parece-me, toda e qualquer aventura que lhe possa ser atribuída, se bem que com algumas alterações relativas às versões mais comuns - por exemplo, Anteu não é referido como ganhando poder no contacto com a terra, não há qualquer menção a um prazo para limpeza do estábulo de Áugias (o herói desvia o rio, e limpa o estábulo num só dia, apenas para não conspurcar a sua glória limpando-o com as suas próprias mãos), o penúltimo trabalho (e não o último, como parece ser mais frequente) é que passa por recuperar Cérbero do reino de Hades, e o último deles é profundamente humanizado. É nesse mesmo relato que se encontra inserido uma versão muito simples do mito de Orfeu, bem como os mitos de Iolau e de Meleagro, e várias outras aventuras, sendo que todo o relato termina com o mito da adopção do herói por Hera, e o casamento com Hebe.

 

Em seguida, este mesmo volume aborda os mitos de Jasão e os Argonautas. Também aqui, o autor conta toda a história com alguma profundidade, dizendo, apenas para mencionar alguns elementos, que os vários heróis se juntaram ao empreendimento devido ao tamanho do barco (não o primeiro, mas o maior já visto até então), que o chefe escolhido para a expedição foi Héracles, e recontando mitos como os de Hesíone. Ao contar o mito de Fineu, o autor apresenta uma versão muitíssimo diferente das conhecidas em, por exemplo, o texto de Apolónio de Rodes, referindo aqui uma batalha contra o rei, ou uma versão em que os filhos deste eram cegados pelo pai. Porém, essa também é uma divergência que o autor explica logo a seguir, quando refere, por ele mesmo, uma divergência adicional ("alguns autores dizem que Héracles foi deixado para trás pelos Argonautas, quando foi buscar água"), e que justifica com a inconsistência dos relatos mais antigos. De facto, toda a história aqui contada é muito diferente das dos outros autores que abordaram o tema, o que me leva a insistir na importância da leitura desta obra por todos aqueles que estejam a estudar este tema, até pela impossibilidade de reproduzir a totalidade dessa (diferente) trama nestas linhas.

 

A esta história sucede-se, ainda nesse volume, a dos descendentes de Héracles, e a de Teseu, de quem é dito que pretendia imitar os Trabalhos de Héracles. É com essa base que começa por matar Corinetes (um poderoso inimigo que tinha uma maça, e com ela atacava quem passava na região), seguindo-se Sínis (que matava os inimigos prendendo-os entre dois pinheiros vergados, que posteriormente soltava), uma grande porca selvagem, Escíro (que empurrava as pessoas por um desfiladeiro, após estas lhe terem lavado os pés), Cercion (que lutava contra quem passava na região, e matava todos os que perdiam a luta) e Procrusto (que "convidava" os viajantes a deitarem-se numa cama, cortando os maiores e esticando os mais pequenos). Depois, o autor falava dos eventos com o Minotauro, a morte de Fedra e de Hipólito, e a tentativa de rapto por parte deste herói e de Piríto. Para terminar este volume, o autor fala, finalmente, dos mito dos Sete Contra Tebas, da batalha dos Epígonos, as histórias de Salmoneu e seus descendentes, os Centauros e os Lápitas, Esculápio e descendentes, Asopo, e várias outras figuras, tratadas todas elas de uma forma muito sucinta.

 

No quinto volume são abordadas histórias relativas a muitas das ilhas e povos do nosso continente, mas deve ser feita menção a um momento que, na segunda metade deste volume, explica os benefícios que figuras como Hades ou Deméter, então humanas, trouxeram à humanidade para, mais tarde, virem a ser considerados como parte de um panteão divino. Por exemplo, de Hefesto é dito que teria sido o descobridor de tudo o que é trabalhado com fogo, Ares teria sido o primeiro nas artes da guerra, e Apolo o descobridor da lira e das artes curativas.

 

O sexto volume já só existe em fragmentos, sendo difícil compreender qual seria o seu tema, mas tem pelo menos um momento que me pareceu interessante: os cavalos de Aquiles, Xantos e Bálios, são aí vistos como versões metamorfoseadas de antigos titãs, razão pela qual um deles era capaz de profetizar o futuro.

 

O sétimo volume, que também só existe em fragmentos, deveria tratar a Guerra de Tróia, mas nas linhas que nos chegaram é apenas abordada parte da história de Eneias - incluíndo um episódio onde lhe é dito que só pode levar uma posse ao fugir da cidade, e o herói escolhe levar o pai [às costas], e quando lhe é dito que pode levar mais uma, opta por levar os seus deuses, ganhando a admiração até dos seus opositores - e várias genealogias.

 

Como em muitas outras obras deste género, o período mítico parece terminar após a Guerra de Tróia, geralmente quando Odisseu retorna a casa (algo que não tem lugar nesta obra, ou pelo menos não nos fragmentos que nos chegaram), pelo que os volumes seguintes parecem continuar com a história de Roma, eventualmente focando-se num período histórico mais real. Até onde é que essa história contínua chegava é um pouco difícil de saber (além dos primeiros volumes, também só nos chegaram os volumes XI a XX), mas o fragmento mais tardio refere-se ao tempo da Conspiração de Catilina e de Cícero.

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08 de Junho, 2014

O mito de Ocno

Muito pouco se sabe sobre a figura de Ocno, além do seu (obscuro) castigo no reino de Hades - por alguma razão que já não nos parece ter chegado, este herói foi condenado a enrolar uma corda para toda a eternidade, enquanto que um burro, possivelmente invisível (?), o seguia e comia essa mesma corda. Tal como sucede com outras figuras semelhantes (particularmente Sísifo), é possível que também esta fosse uma personificação de uma enorme perda de tempo.

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07 de Junho, 2014

O mito da Égide de Atena e a sua relação com a Medusa

Quando se ouve falar da égide (ou, no seu original, aegis) é quase sempre no contexto dos ornamentos da deusa Atena, e é vulgarmente vista como a cabeça da Medusa, cortada por Perseu e que, depois, dava protecção à deusa no seu escudo. É nesse sentido que aparece em muitos mitos e na arte grega, mas, aparentemente, não é a única versão da história.

 

Segundo, pelo menos, uma obra de Dionísio Escitobráquio, hoje perdida (mas que foi citada por outros autores), a égide seria, também, uma criatura mitológica nascida da Terra, que cospia fogo, e ia queimando as terras por onde passava. Eventualmente, essa criatura foi atacada e destruída por Atena, que passou a usar a sua pele como forma de protecção. Se a fonte para esta versão do mito não é propriamente muito conhecida, nem a sua trama muito repetida, não posso deixar de frisar que faz algum sentido. Veja-se, por exemplo, esta imagem:

Jasão, Atena e o Dragão

Aqui, a aegis está colocada no peito de Atena, e não num escudo. Em muitas outras imagens da deusa, esta até pode ser representada com a cabeça da Medusa, morta por Perseu, no seu escudo (aí identificada pelo seu cabelo de serpentes), mas são raras as vezes em que não tem uma figura semelhante a esta ao peito. Ora, se a figura da Medusa já está colocada no escudo, seria um pouco absurdo identificar a constante neste amuleto também com essa mesma Medusa. Pode, evidentemente, ser identificado como um amuleto, esse elemento aqui colocado no peito da deusa, mas mais do que se tratar da Medusa, é possível que se trate de uma outra figura, mais obscura, como a deste mito, sendo até possível que os dois elementos, por terem funções muitíssimo semelhantes, tenham acabado por se confundir.

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