O mito grego de Ifigénia é-nos particularmente famoso de duas peças de teatro da autoria de Eurípides, nomeadamente Ifigénia em Áulide e na Táurida, que nos apresentam dois momentos diferentes da história dessa mesma figura. Nesse sentido, resumimos aqui a sua trama mitológica apenas de uma forma muito breve:
O rei Agamémnon tinha ofendido Artémis, deusa da caça. Como tal, essa divindade fez com que todos os ventos cessassem, impedindo a partida marítima do exército aqueu para Tróia, até que o monarca aceitasse dar a vida da sua própria filha em troca de poder prosseguir com o seu empreendimento. E ele até acaba por fazê-lo, ou, pelo menos, parece acabar, no culminar da primeira peça, quando sacrificou a sua própria filha num altar...
Depois, na segunda peça, que toma lugar pelo menos 10 anos mais tarde, acaba por se descobrir que, mais do que falecer naquele que teria sido o seu derradeiro altar e pelas mãos do próprio pai, Ifigénia foi, por obra e piedade dos deuses, substituída por um animal e transportada para uma terra distante, onde acabará por vir a reencontrar o próprio irmão...
Face a esta trama muito geral, uma questão impõe-se: será que existiu, nos tempos da Antiguidade, alguma versão do mito em que Ifigénia faleceu verdadeiramente em Áulide, terminando aí toda a sua vida? Não sabemos, mas, por exemplo, Hesíodo, no seu Catálogo das Mulheres, diz que a jovem foi transformada na deusa Hécate, não falecendo no altar, dando-nos a perceber que eram muitas as opiniões que podiam ter existido sobre o seu destino final.
Mas volte-se à versão de Eurípides. A mesma trama geral do mito de Ifigénia também foi descrita por Aristóteles, na sua Poética, em linhas que merecem aqui ser recordadas. A tradução é em Português do Brasil, não sendo da nossa autoria:
Uma donzela, prestes a ser degolada durante um sacrifício, foi tirada dos sacrificadores, sem estes darem pelo fato [como nos diz a primeira das peças mencionadas acima]; e [a história depois continua na segunda peça, com esta sequência geral - ] transportada a outra região onde uma lei ordenava que os estrangeiros fossem imolados à deusa; e a donzela foi investida nesta função sacerdotal. Passado algum tempo, o irmão da sacerdotisa chega àquela região, e isto ocorre porque o oráculo do deus lhe prescrevera que se dirigisse àquele lugar, por motivo alheio à história e ao entrecho dramático da mesma. Chegando lá, ele é feito prisioneiro; mas quando ia ser sacrificado, deu-se a conhecer (quer como explica Eurípides, quer segundo a concepção de Polído, declarando naturalmente que não somente ele, mas também sua irmã devia ser oferecida em sacrifício) e com estas palavras se salvou.
fonte
Como o filósofo grego dá a entender, a história da morte e sacrifício de Ifigénia, que nos poderia parecer o término da sua vida, é aqui o início de algo mais complexo, de toda uma aventura a que somente Orestes, num último momento, tem acesso. Assim, esta figura, é na primeira peça quase somente filha de Agamémnon, mas na segunda já tem o seu papel principal como irmã de Orestes; dos eventos com a primeira figura masculina pouco mais se conhece que o sacrifício (o que faz algum sentido, tendo em mente a cultura da época), mas é o reconhecimento final desta heroína pelo próprio irmão que bem nos chegou, e que mais nos caracteriza, hoje, esta figura!