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Mitologia em Português

23 de Julho, 2014

Faz hoje 10 anos que este espaço começou!

Aparentemente, faz hoje 10 anos desde que este espaço começou. Para comemorar, eu pretendia lançar uma iniciativa única (ficará para o mês que vem, se tudo correr bem) mas, como alternativa, nos próximos sete dias irei aqui apresentar sete pequenos, mas curiosos, mitos.

 

Também, não gosto lá muito de escrever na minha primeira pessoa, como disse várias vezes ao longo desses anos, mas acho que, desta vez, devo voltar a fazê-lo.

 

Há 10 anos, claro que eu não sabia que ainda iria aqui estar após todo este tempo, e se estou, devo-o a todos aqueles que me inspiraram a tal. Devo-o tanto a Cícero, a Ovídio ("Naso magister erat"), a Heraclito, a Dante, a incontáveis outros autores do passado, como àquela jovem que, há muitos anos atrás, me pediu ajuda para um trabalho sobre os Argonautas; a quem fotocopiou páginas e páginas de uma raríssima obra para me possibilitar aceder a dados conteúdos; ao professor que respondeu sempre a todas as minhas questões; a quem me perguntou sobre a influência do Neoplatonismo nas doutrinas do Cristianismo, e a outros tantos que tais. É para todos eles que eu ainda escrevo, mas também - e como escrevi ainda há pouco tempo - para todos aqueles que queiram seguir estas linhas, seja hoje mesmo, ou num qualquer dia futuro.

 

Obrigado. Venham outros 10 anos... ou algo assim.

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22 de Julho, 2014

"Dafnis e Cloé" de Longo, e a primeira flauta de Pã

Dafnis e Cloé é como que um "romance" (as aspas são intencionais, e devidas ao facto de vários especialistas nem sequer saberem bem em que consiste esse género literário) escrito na Antiguidade, por volta do século II d.C. e por um autor que, possivelmente, se chamaria Longo. A história é simples, com dois jovens abandonados pelos pais a serem criados por animais e, já na sua adolescência, a apaixonarem-se, e aprenderem as artes do amor juntos. Como é natural nestas tramas, eles acabam por ficar juntos, mas não sem antes passarem por algumas peripécias.

 

É uma obra muito simples, mas também nos permite constatar algo de curioso na cultura desses primeiros séculos da nossa era: se autores como Séneca, Cícero ou Santo Agostinho se focam num dado tipo de mitos, os mencionados nesta obra prendem-se sempre com um outro tipo de cultura, mais simples e própria dos pastores, em que figuras campestres como Pã, as Ninfas ou Cupido têm um papel mais central, e em que figuras que nos pareceriam tão importantes, como Júpiter, têm um papel mais secundário, sendo muito raramente mencionadas.

 

É nessa sequência que o autor da obra nos conta o mito da primeira flauta de Pã - o deus estava apaixonado por uma mulher, mas esta rejeita-o, e foge dele, morrendo num canavial. Então, o deus constrói essa primeira flauta, a que viria a dar o nome, com as mesmas canas em que a amada morreu, cortando-as de diferentes tamanhos visto que o amor entre eles também era desigual.

 

Este pequeno mito, como o famoso mito de Eco (também contado nesta obra), parece-me mais facilmente atribuível a uma cultura de pastores do que a um estrato social mais elevado, e se alguns instantes da obra até nos remetem a mitos muito mais conhecidos - num dado instante, a maçã que uma das personagens dá a outra é equiparada à que Páris, também ele um pastor, deu a Vénus - o tema pastoral está sempre presente, como o estão as três singulares figuras já acima mencionadas. Seria, portanto, Longo um pastor, ou alguém familiarizado com essa cultura menos conhecida na época? Infelizmente, pouco sabemos sobre o autor, mas parece-me até muito provável que sim.

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16 de Julho, 2014

Onde ficava Tróia?

Hoje fui confrontado com uma questão que achei que não podia ignorar, quando alguém se perguntou "Onde ficava Tróia?", referindo-se, sem dúvida, à Tróia dos poemas de Homero.

 

De uma forma muito simples, eu poderia, simplesmente, dizer que não sabemos onde ficava a Tróia de que nos fala Homero. Mesmo na Antiguidade, muitos já eram os autores que debatiam esse tema, e se muitos foram aqueles que davam as suas opiniões, parece-me também que não existia nenhuma opinião totalmente convicente, a que todos eles aderissem de uma forma una.

 

Agora, se num século muito mais recente Heinrich Schliemann "descobriu" (as aspas são intencionais) Tróia, essa é uma possível "descoberta" cujo caminho não é simples, e que pode ser explorado na sua obra Troja und seine Ruinen (em Português, algo como "Tróia e as suas ruínas"). Caberá ao leitor, com base no conteúdo da mesma, avaliar se os argumentos de Schliemann são convincentes, ou se apenas serviram para esse autor ver o que queria ver. Se nos poderá parecer, à primeira vista, que essa segunda opção é a mais lógica, ao mesmo tempo também não podemos descurar o facto de, nessa sua obra, o autor tirar várias elações que fazem muito sentido, muito mais sentido do que poderíamos pensar antes de a ler.

 

Serão, então, a Tróia de Schliemann, localizada na turca Hisarlik, e a de Homero, uma só? Essa é uma questão à qual eu dificilmente saberia responder, mas convido todos os interessados no tema a lerem a obra de Schliemann e, com base no que ela lhes disser, formarem as suas próprias conclusões.

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15 de Julho, 2014

A disputa de Corinto

É famosa a disputa de Poseidon e Atena pela cidade de Atenas, mas, aparentemente, essa não foi a única disputa a ter lugar nos mitos da altura. Favorino e Pausânias, por exemplo, mencionam também que Poseidon e Hélio disputaram a cidade de Corinto, e até que Briareu foi o juíz dessa outra grande disputa, acabando por dar parte da cidade a cada um desses dois deuses, com Hélio a ficar com as partes mais elevadas, enquanto que Poseidon ficou com o resto da região.

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11 de Julho, 2014

O "Escudo de Héracles", de Hesíodo

O Escudo de Héracles é um pequeno texto atribuído a Hesíodo, que fazia certamente parte de uma obra maior (talvez algum catálogo?), mas na sua forma fragmentária actual apresenta-nos, essencialmente, três episódios mitológicos distintos.

 

O primeiro deles, que serve de introdução, fala do nascimento de Héracles e do seu irmão Iolau. Leva-nos, depois, a um momento em que os dois heróis encontram Cicno e Ares. É nesse momento que surge o segundo episódio, em que é descrito o escudo de Herácles, em palavras muito semelhantes às da Ilíada. A esse se sucede o terceiro episódio, em que Héracles luta com Cicno, derrota-o, e é então atacado por Ares, confronto para o qual recebe conselhos de Atena.

 

Este Escudo de Héracles é um texto que, apesar de não ser totalmente original, não deixa de ser pitoresco. Se é um texto de Hesíodo, ou de algum outro autor, é algo que já na Antiguidade se apresentava como controverso, mas seja qual for a sua autoria, permite-nos ter acesso a um pequeno mito de Cicno, filho de Ares (existe várias outras figuras com este nome, devo esclarecer), e sua relação com as figuras de Héracles e de Iolau, cujas aventuras já não estão totalmente representadas nos textos que nos chegaram.

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08 de Julho, 2014

"O concurso de Homero e de Hesíodo"

O concurso de Homero e de Hesíodo é um texto de autoria desconhecida que, na sequência de uma referência aos jogos funerais de Alcidamente em Cálcis feita n'Os Trabalhos e os Dias, imagina um concurso (se realmente teve lugar, ou não, é-nos impossível saber, já que os argumentos para ambas as hipóteses são muito fortes) entre os dois. O texto como que compara as vidas, as obras, e as mortes de ambos, e põe Hesíodo como desafiador face ao seu famoso opositor.

 

No geral, o desafio funciona com Hesíodo a pôr uma questão (ou, depois, a cantar o início de um verso), e com Homero a ter de responder a essa questão, ou completar o verso. Por exemplo, quando Hesíodo lhe pergunta qual é a melhor coisa para os mortais, este responde que é "não ter nascido, mas se já tiver nascido, passar as portas do Hades rapidamente"; quando lhe pergunta o que é a felicidade, Homero responde-lhe que é "a morte depois de uma vida de pouca dor e do maior prazer".

 

O texto é construído de uma forma em que Homero se sobrepõe a Hesíodo em todos os desafios, excepto no final, aquele que lhe dá a vitória. Nessa altura, quando os dois opositores são instados a dizerem as melhores linhas dos respectivos trabalhos - o primeiro cita Os Trabalhos e os Dias, enquanto que o segundo cita a Ilíada - o público parece considerar o segundo como superior, mas é o juíz do concurso que acaba por privilegiar a paz e a utilidade do texto de Hesíodo face aos muitos conflictos do texto homérico, e é assim que Hesíodo ganha um tripé, prémio que acaba por dedicar ás musas e que, vários séculos mais tarde, Pausânias até vê com os seus próprios olhos.

 

De um ponto de vista mais real, esta até é uma vitória que nos poderá parecer justificada. Por muito belos ou interessantes que textos como a Ilíada ou a Odisseia nos possam parecer, para homens do campo um texto como o de Hesíodo acaba por ser muito mais útil, ao fornecer-lhes conhecimento sobre as culturas e sobre todo um conjunto de tarefas que directamente lhes dizia respeito. E, portanto, se hoje até damos mais importância aos textos de Homero (os estudantes de Clássicas que o digam), deveríamos, igualmente, saber reconhecer que, num dado contexto e numa dada época, estes eram tão importantes como a mais famosa obra de Hesíodo.

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03 de Julho, 2014

A "Epopeia de Gilgamesh"

Reli, há uns dias, o Épico de Gilgamesh (também conhecido como Epopeia de Gilgamesh), e o ponto que me parece mais importante nesta obra é o facto de ser um dos mais antigos épicos que nos chegaram até aos dias de hoje. É nesse sentido que até se compreende que toda a obra seja bastante fragmentária, e muitos dos episódios sejam difíceis de discernir no texto que nos chegou, algo que dificulta a completa apreensão de muitas partes da obra.

 

De uma forma muito geral, posso dizer que esta é uma obra que nos reconta as aventuras de Gilgamesh, figura aqui mais mítica do que potencialmente real. Cedo conhece Enkidu, juntos derrotam dois monstros (Humbaba, e o touro que está colocado no zodíaco), mas Enkidu acaba por morrer. A parte final do texto, aquela que está melhor preservada, reconta toda a aventura que leva Gilgamesh a tentar obter a imortalidade, e é nessa derradeira tábua 11 que também é relatado o famoso dilúvio, em virtude do qual este épico é várias vezes mencionado).

 

Se já aqui se encontram várias características estilísticas que também irão ser usadas em épicos posteriores (a mais evidente delas sendo a repetição de fórmulas), parece-me que este é um texto que merece ser conhecido em virtude da sua muita idade, que o torna provavelmente o mais antigo texto literário a que ainda temos acesso. Não é uma obra propriamente interessante, devido às muitas falhas no texto, mas mesmo assim merece ser conhecido pelo menos numa leitura superficial.

 

[P.S.- Se o herói não morre no decurso da acção, o que depois teve lugar com ele pode ser lido num texto fragmentário chamado A Morte de Gilgamesh.]

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03 de Julho, 2014

A "Lítica", incorrectamente atribuída a Orfeu

A Lítica, ou Sobre as Gemas, é um pequeno poema, de menos de 1000 versos, em que um narrador anónimo, "por ordem dos deuses", ensina as propriedades e simbologia de várias gemas, justificando algumas das suas características com episódios de mitos. Por exemplo, em relação a uma pedra que curava as mordeduras de cobra, o autor dá o exemplo da cura de Filoctetes.

 

Esta obra, cujo objectivo e justificação aparece mencionado explicitamente numa primeira parte, é atribuída por Tzetzes ao mítico Orfeu, mas essa também é uma atribuição que dificilmente estará correcta. Se esta obra aparece muitas vezes associada à Argonáutica Órfica (de que já se falou aqui), enquanto que nesse outra texto o sujeito poético se identifica directamente como Orfeu, já nesta isso não sucede; mesmo falando na primeira pessoa, o sujeito poético nunca diz, ou dá a entender, quem seja, e tratando-se ele de Orfeu, mesmo que em mero espírito poético, ser-lhe-ia demasiado fácil e natural, mas um tanto ou quanto absurdo, mencionar isso quando refere o episódio do decepamento do famoso músico. Além disso, um dado verso pode dar a entender que o autor era originário da cidade de Tiro, mas a afirmação em que me baseio (a uma dada figura mitológica, relativamente obscura, é chamado "mãe") não é totalmente segura, podendo tratar-se de uma mera afirmação de índole poética.

 

Não posso deixar de dizer, contudo, que esta é uma obra que me pareceu bastante pobre. Tem uma ou outra afirmação que poderão parecer importantes para quem estudar as gemas na Antiguidade, mas essa é a mesma informação que outros autores, como Plínio o Velho, também mencionam, e eles fazem-no de uma forma bem mais directa.

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