"Problemas Homéricos", de Heraclito
Muitos são os autores da Antiguidade que apontavam uma enorme falha nos poemas homéricos, o facto do seu autor apresentar os deuses de uma forma imoral, em competição uns com os outros (lembre-se, por exemplo, o episódio em que Hefesto apanha a esposa a traí-lo com Ares) ou com os próprios mortais, este segundo aspecto famoso do episódio em que Diomedes fere dois dos deuses que encontra no campo de batalha.
É para colmatar esta dificuldade que este Heraclito, um autor do século I da nossa era, escreveu esta sua obra. Nela, pretende mostrar que, se Homero incluiu os deuses na sua obra, e eles são representados de uma forma quase humana, isso ocorre de uma forma meramente alegórica, com o autor a pretender não tanto difamar o divino, mas sim usá-lo para transmitir um conjunto de verdades que, ainda assim, não seriam fáceis de repassar a grande parte do público.
Então, Heraclito pega na Ilíada e na Odisseia e vai percorrendo ambas as obras, pegando nos vários episódios em que os deuses têm algum papel e descortinando a alegoria que, segundo ele, o famoso autor teria então em mente. Agora, se essa tarefa se encontra incompleta na versão a que temos acesso (parte do texto foi, entretanto, perdido), são vários os episódios de que o autor ainda nos fala. Além de tratar os episódios já referidos acima, trata muitos outros, com uma especial ênfase num dos primeiros episódios da Iliada, em que Apolo envia uma praga que diziam o campo dos gregos.
Agora, se a ideia por detrás desta obra até faz algum sentido, Heraclito usa-a de forma a ver na presença divina nos textos de Homero somente verdades cósmicas, dando a esta obra um conteúdo mais filosófico do que de interpretação literária. É uma interpretação possível e válida, como muitas outras, mas esta torna-se, assim, também numa obra cujo(s) título(s) promete(m) mais do que cumpre(m), ao focar-se exclusivamente nas figuras e eventos dos deuses e, mesmo aí, a ver nos textos de Homero só o que queria ver.