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Mitologia em Português

29 de Janeiro, 2018

A misteriosa pergunta de Perceval

Perceval e o Santo Graal

Conta-nos uma das histórias medievais do Rei Artur que, numa dada altura, Perceval foi o primeiro dos cavaleiros a ver o Santo Graal. Porém, pela sua juventude, ou quiçá pela sua falta de experiência, acabou por não conseguir atingir esse seu objectivo. Disseram-lhe, posteriormente, que para salvar o rei e obter o Graal ele deveria ter feito "(um)a pergunta". Mas que pergunta era essa? O texto nunca é muito claro nesse ponto, até porque o autor original, Chrétien de Troyes, parece ter falecido antes de completar a sua história, mas a nossa pesquisa revelou uma potencial resposta - Perceval deveria ter inquirido sobre a natureza e a proveniência do estranho prato/cálice. A curiosidade do cavaleiro face à estranha procissão seria, nesse ponto, a do próprio leitor; sem a sua pergunta, também a nossa ficaria sem resposta - e ficou, recorde-se, no texto de Perceval, ou o Conto do Graal, como já cá discutimos há uns anos.

 

P.S.- Para quem não estiver familiarizado com estas histórias, mas até quiser saber mais sobre elas, pode ver este pequeno vídeo (em Inglês). Também podemos falar mais sobre esses temas no futuro, caso hajam vários interessados.

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26 de Janeiro, 2018

Semónides e a derrelicção da mulher

Pouco se sabe sobre Semónides de Amorgos (que não deverá ser confundido com o, mais famoso, Simónides [de Ceos]), excepto que entre os poucos fragmentos que dele nos chegaram se conta um poema Contra as Mulheres. Nele, o autor equipara jocosamente diversos tipos de mulheres a diversos animais. Termina o seu poema, na forma em que o temos hoje e que até poderá não ser o final original, dizendo algo como:

 

Cada homem irá elogiar activamente a sua própria

E culpar a mulher do próximo; mas não vemos

Que todos partilhamos esta pobre sorte.

Pois Zeus fez desta a maior de todas as dores

E fechou-nos numa corrente forte como ferro,

Para nunca ser quebrada,

Desde aquele dia em que Hades abriu os seus portões

A todos os homens que lutaram a guerra daquela mulher.

 

Semónides e a derrelicção da mulher

É para nós um pouco chocante, essa ideia da mulher como destruidora do homem, mas também era uma ideia bastante repetida nas mais diversas obras da Antiguidade - temos a Eva cristã, que levou à expulsão do Paraíso, mas também figuras como Pandora (representada acima), e Helena, esposa de Menelau, aqui criticada no último verso. Por isso, por muito ofensivo que esse poema (hoje) nos possa parecer, devemos é interpretá-lo como um sinal dos seus tempos, e de quanto a cultura europeia foi mudando ao longo dos séculos.

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25 de Janeiro, 2018

Origem da expressão "Ave rara"

Esta expressão, rara avis ou ave rara, já ocorria nas obras de Pérsio e Juvenal, em que nos era dito que - por exemplo - cisnes negros e corvos brancos eram as proverbiais "aves raras". Porém, a maior delas era certamente a fénix, pela sua raridade - recorde-se que, como já cá foi dito, ela somente podia ser vista na cidade de Heliópolis uma única vez a cada 500 anos.

O significado da expressão remete-nos, essencialmente, para a ideia de que algumas coisas são muito invulgares nas nossas vidas. Ainda assim, devemos ter em conta que a expressão original não tinha qualquer conotação negativa, contrariamente ao que acontece com a dos nossos dias.

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22 de Janeiro, 2018

O que nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?

É uma questão que parece assolar a mente da humanidade há já vários milénios - o que nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?

Afinal de contas o que nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?!

Como parecerá óbvio à maioria dos leitores, não seremos nós a descortinar esse enome mistério, mas o que pretendíamos apontar aqui é que essa questão, da proverbial escolha entre o ovo e a galinha, é, de facto, tão antiga como as próprias obras literárias que nos foram chegando. Já aparecia nas obras de Aristóteles, mas também em obras latinas como as de Plutarco e de Macróbio, em que normalmente até são expostos diversos argumentos em relação aos dois lados da questão. Um dos autores menos conhecidos que falou sobre esta mesma questão, Censorino, até dá uma possível solução - diz-nos então que as coisas que existem nunca tiveram um princípio e jamais terão um fim. Não era caso único - outros diziam que a primeira galinha não nasceu de um ovo, mas que foi pura e simplesmente criada pelos deuses.

 

Portanto, permanece a questão - quem nasceu primeiro, afinal de contas? Fica, como sempre, o convite para que partilhem as vossas opiniões nos comentários!

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18 de Janeiro, 2018

Origem da expressão "A verdade no vinho"

A verdade no vinho - ou como diziam os antigos, in vino veritas. Isto quer dizer, essencialmente, que toda a verdade das pessoas podia ser obtida através da influência do vinho.

 

A expressão leva-nos essencialmente à ideia, difícil de refutar, de que as pessoas que já beberam demasiado frequentemente revelam muito mais do que deveriam, chegando até ao ponto de dizer coisas que, mais cedo ou mais tarde, até acabarão por prejudicá-las. Essa é uma dualidade da bebida do famoso deus que bem pode ser apreciada nas mais diversas obras, entre elas a Dionisíaca de Nono.

Mas qual a origem da expressão "A verdade no vinho"? Muitos são os autores da Antiguidade que a repetem, não só em letra como em espírito, sendo bastante provável que se tenha tratado de uma expressão muito popular já desde esses tempos. Bebamos, então, aos encantos trazidos pelo deus, mas sem excessos!

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15 de Janeiro, 2018

Como se faz um manuscrito?

Para quem tiver uma certa curiosidade por estas coisas, no vídeo abaixo pode ser visto como se fazia um manuscrito, há já muito tempo atrás...

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11 de Janeiro, 2018

Origem da expressão "Morrer a rir"

A fama desta expressão pode levar-nos a uma questão invulgar - será que já alguém morreu a rir? Que verdade existe por detrás da ideia? Infelizmente, se autores como Homero, no livro 18 da Odisseia, ou Terêncio até usam expressões a ela muito semelhantes, parecem fazê-lo de uma forma que é exclusivamente metafórica, um puro exagero com o objectivo de indicar que alguém se riu bastante.

Nas obras que investigámos parecem ter existido pelo menos duas figuras da Antiguidade que morreram a rir - o pintor Zeuxis, depois de uma velhota lhe ter pedido para ser o modelo por detrás de um retrato de Afrodite, e o filósofo estóico Crísipo, após ver um burro a comer figos (acção que até pontuou com uma piada, "agora dêem-lhe também algum vinho"). Por isso, se até pode existir um caso bem real por detrás de toda a expressão, esta parece ter tido, como ainda hoje, uma essência figurada.

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05 de Janeiro, 2018

Qual é a origem das fadas?

Se muitas das histórias de fantasia dos nossos dias tomam partido destas figuras, qual é a origem das fadas, suas lendas e mitologia? Quem são elas? Quando ouvimos os seus nomes ficamos, automaticamente, com um conjunto muito específico de características em mente - criaturas pequenas, com asas, mágicas, que vivem nos bosques, etc. Mas de onde vêm essas ideias, como nasceram estas singulares criaturas?

As Fadas de Cottingley e a origem das fadas

Por estranho que nos pareça, as fadas não têm uma origem na literatura da Antiguidade, mas sim algures no espaço temporal que a separou da Idade Média. De facto, de todas as obras gregas e latinas que nos chegaram, apenas o segundo livro das Núpcias de Filologia e Mercúrio parece fazer uma breve referência a elas, quando identifica como longaevi (i.e. com muita idade) os seres que viviam nas florestas, entre os quais se contavam os usuais faunos e ninfas, mas também outros, menos conhecidos, chamados "Fatui, Fatuae, Fantuae e Fanae". Nada nos é dito especificamente sobre estes últimos, com excepção de que todo esse grupo de criaturas vivia muito tempo - mais que os seres humanos, mas menos que os deuses - e tinha alguns poderes especiais, como o de prever o futuro. Tendo em conta que Marciano Capela foi um autor do século V da nossa era - um dos últimos da grande Roma - o seu silêncio em relação ao tema é muito esclarecedor, sendo possível que se tratassem de criaturas da cultura popular, sobre a qual nenhuma outra obra da época nos informa directamente.

 

Nos séculos seguintes estas figuras parecem nascer e crescer progressivamente, mas sem que se saiba especificamente o que aconteceu. As suas características específicas vão sendo apresentadas e assimiladas por diversos autores - o facto destas criaturas serem longaevi, de terem uma estatura indefinida mas indisputavelmente mais pequena que a dos humanos, etc - mas sem que alguma vez possamos apontar um momento totalmente preciso para a primeira referência concreta a uma fada composta pelas mesmas características que lhes damos hoje.

 

Quererá isto dizer que as fadas simplesmente apareceram na literatura da Idade Média "porque sim", sem que saibamos realmente como isso aconteceu? Mais ou menos... existem algumas teorias interessantes sobre o tema. Apenas para dar um breve exemplo, C. S. Lewis, na sua obra The Discarded Image, refere quatro possibilidades para a origem destes seres:

- Elas são uma espécie racional de um terceiro tipo, diferente dos anjos e dos homens;

- Elas são "anjos caídos", mas pertencentes a um grupo diferente do comandado por Lúcifer;

- Elas são uma classe muito particular de mortos;

- Elas são demónios.

 

Cada uma destas teorias tem muito que se lhe diga, mas todas elas assentam na ideia de que estas criaturas não apareceram, pura e simplesmente, na nossa cultura como brotantes de um vazio. A sua ideia-base, bem como a forma como as suas características se foram desenvolvendo, assenta num conjunto de crenças que até podemos associar a outras figuras anteriores, desde os deuses gregos e romanos até a figuras místicas e eventos mais associadas ao Cristianismo.

 

[Adicionado posteriormente:]

Recentemente, adquirimos um livro intitulado Les Fées du Moyen-Age, da autoria de L. Maury, que acrescenta alguma informação a esse tema, não só relativamente à origem destes seres mas também dos gnomos e os trolls.

As Fadas de Cottingley e a origem das fadas 2

Aparentemente, as fadas podem provir das fatae latinas. Se sabemos que as ideias pagãs, após a ascenção do Cristianismo, sobreviveram mais tempo nas pequenas povoações do campo do que nas grandes cidades, o que parece ter acontecido é que existiu um desenvolvimento paralelo (e pouco documentado) de algumas crenças. Assim, uma crença nas fatae - em termos de Destinos, Moirae, etc. - parece ter-se indo associando a alguns locais rurais específicos, e depois foi evoluindo através de um sincretismo de outras crenças antigas. Por exemplo, a sua magia e conhecimento do futuro poderá vir dos Destinos romanos; as suas danças, das que tinham lugar nos rituais de Baco; a sua longa idade, da dos Sátiros campestres; a sua pureza, da das sacerdotisas; o seu local de habitação, da antiga veneração de árvores, cavernas e cursos de água; etc.

 

O curioso desta possibilidade para a origem das fadas é que permite, aqui e ali, reencontrar vectores de ligação aos mitos da Antiguidade. Quando a Bela Adormecia é destinada, por uma fada malévola, a se picar numa roca de fiar, não se torna fácil ver nessa história uma alusão ao carácter fiandeiro e destinador das três Moiras dos Gregos, agora vistas como malévolas por influência do Cristianismo? Quando um cavaleiro medieval encontra a Senhora do Lago arturiana, não estariam os autores da história a pensar ainda nas Ninfas de outros tempos, que também ajudavam alguns heróis? E as asas destas criaturas, não poderão elas provir das de Eros/Cupido?

 

Face a esta argumentação, parece-nos justo, por fim, ver na origem das fadas uma amálgama de múltiplas crenças pré-cristãs, que ao longo dos séculos se foram cristalizando numa só figura de muitos atributos, tanto salvadora como destruidora (mediante quem a vê), e que parece ir mantendo funções dispersas que o Cristianismo tanto tentou eliminar e/ou sobrescrever com o culto dos santos.

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04 de Janeiro, 2018

Sobre as expressões "A primeira andorinha" e "Uma andorinha não faz a primavera"

As expressões A primeira andorinha e Uma andorinha não faz a primavera falam de um mesmo pássaro mas têm significados quase opostos, sendo aqui associadas por essa mesma razão.

"A primeira andorinha" apresenta-nos este animal como o símbolo da primavera, na medida em que, ainda hoje, quando começamos a ver as primeiras andorinhas nos céus, mais facilmente nos apercebemos da chegada dessa estação do ano. A sua mais antiga referência que temos pode vir dos Cavaleiros de Aristófanes, em que é dito que um dado evento tomou lugar "antes da chegada das andorinhas", ou seja, como prévio a essa altura do ano.

A segunda expressão, em latim "hirundo non facit ver", transporta-nos a uma ideia quase inversa, na medida de que a presença de uma só andorinha não pode significar, por si só, a chegada da primavera - é precisamente isso que já Aristóteles nos dizia, na sua Ética a Nicómaco, quando afirmava que essa presença, "como a de um único dia de sol", não era um símbolo fidedigno da chegada de toda essa nova estação.

 

Se bem que de formas opostas, estas duas expressões levam-nos à importância de não tomar o todo somente por uma das suas partes. São ambas de uma beleza e simplicidade singular, sendo provável que essa se tenha tratado de uma das razões para terem chegado aos nossos dias.

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03 de Janeiro, 2018

A Árvore Que É Dona de Si Mesma

A Árvore Dona de Si Mesma, de que aqui falamos hoje

O tema de hoje é tão singular que até sentimos alguma dificuldade em tentar introduzi-lo como fazemos habitualmente. Refere-se a uma árvore - a chamada Tree That Owns Itself - que ainda hoje existe na cidade de Athens, no estado americano da Geórgia, e que tem uma característica muitíssimo invulgar - ela possui-se a si mesma, em vez de pertencer a uma qualquer pessoa que é dona dos terrenos em redor, como é muito habitual. Mas como é que uma coisa assim tão estranha aconteceu?

 

Numa data que o tempo já há muito fez perder, este carvalho foi plantado no local em questão. Depois, a propriedade foi passando por diversas pessoas diferentes, até que chegou à posse de um coronel, um tal William H. Jackson, que viveu em finais do século XVIII, inícios do XIX. Por volta da terceira década do século XIX, este homem pensou então em fazer algo nunca visto - tendo em mente que gostava bastante desta árvore e de todo o espaço em redor, decidiu escrever uma espécie de testamento em que deixava o próprio carvalho, bem como uma pequena porção da propriedade em redor, a si mesmo. Parte das palavras desse testamento ainda podem ser encontradas numa pequena placa no local, assinalada na imagem acima, que na sua versão mais recente diz o seguinte:

For and in consideration of the great love I bear this tree and the great desire I have for its protection, for all time I convey entire possession of itself and all land within eight feet [i.e. 2.44 metros] of the tree on all sides.

 

Por esse seu antigo e conhecido proprietário, esta árvore também é hoje distinguida pelo nome de Jackson Oak (i.e. o "Carvalho de [William H.] Jackson"), e ela quase que chegou aos nossos dias, com uma pequena e inesperada diferença... Em Outubro de 1942 ela já parecia ter morrido, e então foi substituída por uma nova árvore (hoje conhecida por Son of The Tree That Owns Itself), supostamente nascida de uma das bolotas da original, transplantada para o mesmo local em finais de 1946. Portanto, se a original já há algumas décadas que desapareceu, esta sua "herdeira" mantém-se no lugar... e se não sabemos até que ponto o suposto testamento ainda tem uma verdadeira validade legal, pelo menos os cidadãos locais parecem ter indo respeitando toda esta incomum ideia, até porque a árvore é um famoso ponto turístico local.

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