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Mitologia em Português

29 de Maio, 2018

O Homem de Taured - e a sua verdadeira identidade!

Se viajam bastante pela internet é provável que já tenham lido a história do Homem de Taured. Sucintamente, ela conta que em meados do século XX um homem misterioso foi encontrado num aeroporto de Tóquio, no Japão. Quando lhe pediram os documentos, mostrou um passaporte de um local completamente desconhecido, "Taured". Quando ligaram para a empresa onde ele dizia trabalhar, ninguém o conhecia lá. Quando ligaram para o hotel onde ele tinha uma reserva, não havia nenhuma em nome dele. E, depois, ele desapareceu de forma tão misteriosa como primeiro surgiu... o que levanta a possibilidade, como é frequente mencionar-se em artigos sobre esta história, que existam multiversos e que ele tenha vindo de um outro mundo, no qual um país com aquele estranho nome até existe mesmo. Mas, como quem tiver por hábito ir lendo estas linhas já saberá, é comum haver aqui uma introdução, pelo menos uma imagem, e depois um desenvolvimento... pelo que o tema de hoje, e toda esta história como ela é apresentada em muitos outros lugares, ainda nem chegou a meio!

Quem foi o Homem de Tuared?

Estranhamente, conseguimos apurar que esta história é, quase toda ela, verdade - o que, infelizmente, não é o mesmo que admitir a existência de multiversos. Em vez disso, é uma curiosa história sobre a forma como as lendas nascem, crescem, se reproduzem e, em alguns casos, acabam até mesmo por morrer.

Em 1959 foi preso num aeroporto de Tóquio um viajante com um passaporte que se viria a provar falso, e que supostamente tinha sido emitido em "Tamanrasset, capital de Taured". O seu nome reportado era "John Allen Kuchar Zegrus", mas dada a dificuldade de apurar a sua verdadeira identidade ele ficou conhecido no país como "ミステリー・マン", i.e. "o Homem Misterioso". Posteriormente, foi levado a tribunal em virtude dessa falsificação de documento, condenado a um ano de cadeia, e finalmente deportado para Hong Kong. Mas, aparentemente, a verdadeira identidade deste Homem de Taured, então ainda bem real, nunca foi descoberta.

 

E então, para colmatar algumas das fraquezas de toda esta narrativa, é que parece ter surgido a versão lendária de toda esta história do Homem de Taured. Ele parecia ser, de facto, de Taured - possivelmente uma versão mal escrita de "Tuareg", um povo da Argélia, país no qual até existe uma cidade de nome "Tamanrasset". Provavelmente foram tentados diversos meios de confirmar a sua verdadeira identidade, mas falharam (todos?). E se, no final, ele desapareceu mesmo, isso aconteceu não por uma qualquer viagem interdimensional, como muito se argumenta, mas porque ele esteve preso e mais tarde foi deportado, aparentemente sem que a sua identidade real algum dia tenha sido descoberta. Como tal, para completar o que a história não nos diz, gerou-se uma espécie de grande mito urbano, que ainda hoje vai sendo contada pelos cantos da internet... mas sem que o seu fundamento, de facto bem real, seja contado aos possíveis leitores. Por vezes uma boa história parece importar muito mais do que a realidade...

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28 de Maio, 2018

Os Antigos acreditavam que a Terra era plana?

Poderíamos responder a esta pergunta com os mais diversos argumentos, mas desta vez deixamos aqui uma citação de Stephen Hawking, na sua Breve História do Tempo, com tradução e adaptação da nossa autoria:

 

Por volta de 340 a.C. o filósofo grego Aristóteles, no seu livro Sobre os Céus, foi capaz de apresentar dois bons argumentos para se acreditar que a Terra era uma esfera redonda, em detrimento de um prato raso.

Primeiro, notou que os eclipses da lua eram causados pela Terra se interpor entre o sol e a lua. A sombra de Terra na lua era sempre redonda, o que apenas seria verdade se a Terra fosse esférica. Se a Terra fosse um disco raso, a sombra alongaria e seria elíptica, a não ser que o eclipse ocorresse sempre numa altura em que sol estivesse directamente no centro do disco.

Segundo, os Gregos sabiam, pelas suas viagens, que a Estrela do Norte aparecia mais baixa no céu quando vista no sul do que nas regiões a norte. (...) Da diferença na posição aparente da Estrela do Norte no Egipto e na Grécia, Aristóteles até mencionou que a distância em redor da Terra seria de 400.000 estádios.

Os Gregos até tinham um terceiro argumento em favor da Terra ser redonda - porque outra razão veríamos primeiro as velas de um navio no horizonte e só mais tarde o seu casco?

 

Também Plínio o Velho diz, no primeiro livro da sua famosa obra enciclopédica, que a Terra era redonda. Poderão ter existido algumas excepções, claro está, mas de uma forma geral os autores gregos e latinos de maior importância nunca parecem argumentar que a Terra era plana... mas, então, de onde vem essa ideia? É mais tardia, só surgindo já na Idade Média, por influência de autores que nem sempre é fácil precisar.

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25 de Maio, 2018

A origem de "amante" (e "zeloso")

Hoje, quando pensamos numa palavra como amante, tendemos a dar-lhe um sentido completamente pejorativo. Um, ou uma, amante é vista como alguém com quem se trai uma relação legítima. E isso nada teria de errado, até que se pense que, no seu cerne, a palavra nada tem de errado, podendo ser usada para designar, pura e simplesmente, aquela pessoa que ama outrém. Mas então, de onde nasceu aquele sentido negativo que a palavra tem nos dias de hoje?

A origem de amante e zeloso

Démos por nós a pensar nisto por mero acaso, enquanto líamos um romance português de meados do século XIX, em que uma mulher, de nome Henriqueta (não, não é A famosa Henriqueta Emília da Conceição e Sousa!), deixou o legítimo marido para fugir com outro homem, Carlos. O que isto tem de notável é o facto da trama construir uma oposição entre o homem com quem ela tinha casado e esse outro, que amava e por quem achava ser amada. A heroína foge, e vivem depois por alguns anos uma tórrida paixão em terras do Brasil, mas o curioso é que quando é empregue na trama a palavra "amante", isso parece ser feito exclusivamente por oposição ao amor legítimo do marido. Ou seja, esta personagem principal tinha dois homens na sua vida - um primeiro, com quem casou, e um segundo, com quem vivia numa situação que se pensava ser de amor.

 

Admita-se que Henriqueta, de Maria Peregrina de Souza, não é uma obra muito interessante, mas permitiu-nos compreender como nasceu a visão negativa da palavra hoje em questão. Nos tempos em que os casamentos se celebravam por razões além do "amor", era certamente comum que as pessoas tivessem uma relação legítima, mas que depois também se envolvem com outras pessoas com as quais tinham mais afinidade, e a quem chamavam "amante", por ser aquele, ou aquela, por quem nutriam sentimentos amorosos.

 

Ao mesmo tempo, isto poderá levar-nos a outra palava que é relativamente comum no romance em questão - zelo, zeloso e zelosa. Quem pegar num dicionário como o da Priberam poderá ver que essa palavra tem um sentido duplo, "que mostra cuidado" VS "que sente ou mosta cíumes". Ou seja, esta palavra, hoje mais comum em inglês sob a forma jealous, vibra entre dois pólos, entre cuidado e cíume, mediante a forma como é sentida e aplicada. É muito digno de nota, esse jogo de como os significados das palavras evoluem ao longo do tempo...

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25 de Maio, 2018

"Paracelsus - Selected Writings"

Há algumas semanas uma leitora revelou-nos que chegou a este espaço através das obras de Paracelso. Na altura prometemos-lhe que iríamos escrever sobre pelo menos um dos textos desse autor, mas cedo nos deparámos com a dificuldade em encontrar uma (boa) edição moderna dos mesmos. Acabámos por nos ficar por Paracelsus - Selected Writings, que apresenta algumas das suas ideias em relação a diversas questões filosóficas, mas que também quase nada nos diz sobre os temas que mais o popularizaram, como a medicina, a astrologia ou a alquimia. De facto, não é uma obra que, a nosso ver, capte a verdadeira importância do autor. Por isso, se alguém conhecer (boas) edições das obras de Paracelso, por favor deixe aqui um comentário com essa informação.

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23 de Maio, 2018

Um exemplo de sexualidade na Bíblia

Ao longo dos séculos poucas obras literárias terão sido tão discutidas como a Bíblia. Nada de mal haveria nisso, mas poucos são aqueles que a lêem nas línguas originais, e isso leva a um problema - como ter a certeza de que a tradução à nossa frente corresponde ao que dizia o original? Como brincadeira, fizémos uma pequena e imperfeita tradução do Cântico dos Cânticos 4:10, baseado no texto semi-original da Vulgata. Diz mais ou menos o seguinte:

 

Quão belas são tuas mamas, senhora minha esposa!
Mais belas são as tuas úberes [que] vinho,
E o odor de teus perfumes [está] acima de todas as especiarias.

 

A muitos poderá parecer estranho que comentários desta natureza surjam na Bíblia, mas bastará apontar que a Septuaginta contém, no primeiro e segundo versos da mesma sequência, a palavra "μαστοί" (mastoí), que essencialmente significa "os seios". É inegável que eles estejam no texto, mas como pode ser visto nesta página muitas das traduções fazem, em vez disso, referência a um "amor". A alteração até poderá ser defendida pelas mais diversas razões, mas é inquestionável que, pelo menos nesta situação em concreto, o original não diz o mesmo que a maior parte das traduções.

 

Este problema leva, por isso, a uma questão de suma importância - como argumentar "A Bíblia diz X" quando nem se tem a certeza de que essas palavras estão realmente no original? Não vos parece perigoso fazê-lo?

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21 de Maio, 2018

Um anime japonês sobre o Império Bizantino

Este pequeno vídeo mostra o potencial genérico de uma série anime japonesa sobre o Império Bizantino. Claro que é falso, mas levanta uma possibilidade muito intrigante, que, um dia, talvez até venha a ser tornada realidade.

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21 de Maio, 2018

"Daemones e Demónios" revisitados

Há cerca de oito anos foram aqui deixadas algumas linhas sobre a distinção entre os "daemones" e os demónios. Uma "brincadeira" mais recente capta, de uma forma imperfeitamente jocosa, a ideia:

Se esta era, realmente, uma das visões antigas do conceito de "daemon", há que tornar a frisar que não representa toda a realidade, já que a ideia foi sendo alterada ao longo dos séculos. Ainda assim, a possibilidade contida nestes quadradinhos dá para sorrir um pouco...

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18 de Maio, 2018

A morte de Baldur - como morre um deus nórdico?

Baldur, também conhecido como Baldr ou Balder, poderá até ser um dos deuses mais famosos do panteão da Mitologia Nórdica, na medida que a sua morte acabou, de alguma forma que não é muito explícita, por levar ao Ragnarök, o fim do mundo. Mas como morreu este deus Baldur?

 

A história começa com Baldur a ter um conjunto de sonhos alusivos à sua própria morte. Assustado com essa possibilidade, confrontou os outros deuses com o que se passava e estes fizeram com que (quase) tudo o que existia prometesse não magoar este deus. Depois, de uma forma que devemos considerar hoje um pouco absurda, juntaram-se todos e, numa espécie de brincadeira festiva, decidiram atirar coisas a Baldur, já que este não poderia vir a sofrer qualquer mal.

 

Entretanto, o traiçoeiro Loki investigou tudo isto e acabou por descobrir uma pequena falha nas promessas dos seres vivos - uma pequeníssima planta, o visco [mais conhecida entre nós pelo seu nome inglês, "mistletoe"], nada tinha prometido, por parecer demasiado inofensiva. De uma forma dificil de perceber, este deus fez então uma lança com essa planta e entregou-a a Hoder, o cego irmão de Baldur, para que este a atirasse, tal como os outros deuses estavam a fazer. Quando o fez, matou, acidentalmente, o próprio irmão.

Mas a história não termina por aqui. Dirigindo-se à deusa dos mortos, Hel, Odin pediu que Baldur fosse trazido de volta ao mundo dos vivos. Esta aceitou o pedido, pondo apenas uma pequena condição - todos os seres vivos teriam de chorar pelo deus. E (quase) todos o fizeram, salvo uma única excepção, a de uma velhota que pareceu preferir afastar-se de todo o assunto (mas que até poderá ter sido Loki disfarçado). Por isso, Baldur iria continuar morto.

A morte de Baldur

Este mito nórdico apresenta-nos algo de muito invulgar, a morte de um deus, episódio sem paralelo nos mitos dos gregos e romanos. De facto, a trama até nos permite compreender um conjunto de características dos deuses nórdicos, entre elas a sua mortalidade, o facto de não serem omnipotentes nem omniscientes, mas, talvez mais que tudo o resto, o facto de serem tão falíveis e imperfeitos como os próprios mortais. Posteriormente, até acabarão por se vingar de Loki, mas essa é uma espécie de sequela deste mito que ficará para outro dia.

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14 de Maio, 2018

Qual a aparência física de Aquiles?

Ultimamente vários visitantes têm procurado por cá informações sobre a aparência física de Aquiles. A questão provavelmente virá de uma série da BBC, "Troy: Fall of a City", em que o herói é representado com pele escura. Mas será que ele tinha mesmo essa ascendência africana, ou era branco e loiro, como no filme Tróia? Como era Aquiles, fisicamente?

Aparência física de Aquiles

João Tzetzes, no século XII, incluiu nos seus trabalhos [dos quais já aqui publicámos uma tradução] a descrição de algumas das figuras mais importantes dos épicos homéricos. Entre elas encontra-se, naturalmente, a aparência física de Aquiles, em relação a quem é dito que era alto, branco e de cabelos loiros. Momentos depois, sobre Pátroclo é dito que este também tinha cabelos loiros, mas pele avermelhada (provavelmente por passar menos tempo abrigado do sol), dificultando que algum dos dois fosse africano.

 

Mas estava João Tzetzes correcto? Que fontes utilizou para obter essa informação? Nem sempre é fácil sabê-lo, até pela existência de discrepâncias em várias das suas fontes, mas é inegável que o primeiro livro da Ilíada define o cabelo do herói como "ξανθή / xanthē", que pode ser traduzido como loiro, e a mesma ideia é referida na terceira Ode Nemeia. Mas se também essas provas não forem suficientes, o herói é frequentemente representado em mosaicos com uma tez inegavelmente branca; em relação a vasos, no entanto, o caso não é tão simples, já que até a pele do etíope Mémnon por vezes se confunde com a de todas as figuras europeias.

 

Assim se poderá concluir que o Aquiles homérico tinha cabelos loiros, sendo também quase certamente branco. Por essa razão, o herói, tal como é representado na série da BBC, não corresponde à figura imaginada por Homero, mas devemos relembrar que não tem de o fazer. A cor da pele do herói, seja ela qual tenha sido, é muito menos importante do que as suas aventuras.

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11 de Maio, 2018

O mito de Aristeas de Proconeso

Este é um daqueles mitos que indubitavelmente tem um fundo de verdade. Sabemos que um tal Aristeas, nativo da ilha de Proconeso, existiu e escreveu um poema chamado Arimaspea, brevemente citado tanto por Longino como por João Tzetzes. Porém, pela sua natureza é improvável que a história contada por Heródoto seja igualmente verdade.

Heródoto conta-nos então que este Aristeas entrou numa loja, caiu para o lado e morreu. O dono da loja provavelmente ficou em pânico e foi contar aos familiares do (potencial?) defunto o que se tinha passado, mas.. quando voltaram ao local, o corpo de Aristeas não estava lá. Dias depois, um viajante disse que Aristeas não podia estar morto, já que o tinha visto num outro local e até falou com ele.

Estranhamente, Aristeas voltou à sua cidade-natal passado sete anos (a história não nos relata se os familiares lhe deram uma tareia pela sua repentina ausência...), altura em que supostamente escreveu a Arimaspea (provavelmente um relato das suas aventuras), antes de tornar a desaparecer. Posteriormente, é-nos dito que ele reapareceu mais de duas centenas de anos depois, mas se se tratava do mesmo Aristeas... ninguém sabe, tendo "ele" supostamente revelado que andava a viajar sob a forma de um corvo com o deus Apolo.

 

Onde termina então a verdade e começa a ficção neste mito? Não pode ser totalmente falsa, esta história, porque a Arimaspea existia e até Longino a elogia. Mas terá ele mesmo desaparecido por sete anos? Quem era a misteriosa figura que foi vista passado dois séculos? A perguntas como estas provavelmente nunca teremos uma resposta...

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