Para quem ainda não os conhece, apresentamos aqui um breve resumo dos doze Trabalhos de Hércules. Começamos com três curiosidades muito importantes, depois uma pequena introdução a toda a história, e finalmente contamos um resumo individual de cada um dos trabalhos, que esperamos que agrade a todos aqueles que querem saber mais sobre estes temas!
Três Curiosidades sobre os 12 Trabalhos de Hércules
Eles são mesmo 12 - ou, se preferirem, até 10+2 ou 12+1 - porque, conforme nos informa Sérvio, esse seu número advinha do número dos doze signos do Zodíaco. Estaria ele completamente certo? Não sabemos, até porque existem diversas opiniões para justificar esse número em particular, mas bastará dizer que o número era simbólico.
Sobre a sua ordem, seguimos aqui a versão da Biblioteca atribuída a Apolodoro, mas tanto na Antiguidade como na Idade Média existiam diversas outras opiniões, numa sequência que começava tipicamente pelo Leão da Nemeia (para justificar porque o herói tem uma pele de leão nas suas costas) e pela Hidra de Lerna. Já os mitos finais - em particular o das maçãs e o de Cérbero - tendem a aparecer quase sempre nessa posição, até por serem os mais difíceis de cumprir.
Quanto à sua composição, devemos dizer que ela é relativamente estável ao longo do tempo. Alguns autores adicionam-lhe, por exemplo, um combate com Aqueloo, ou a destruição de Anteu, mas não são adições muito frequentes e vêm quase sempre de fontes tardias - os Contos da Cantuária, por exemplo, acrescentam até um trabalho com Caco!
Breve introdução aos doze Trabalhos de Hércules
Hércules - ou, se preferirem o nome grego original, Héracles - é, sem qualquer dúvida, o maior e mais famoso herói da Mitologia Grega. Muitas foram as suas aventuras, mas as mais famosas resumem-se nos doze trabalhos do herói. Conta-se então que, numa dada altura da sua vida, este herói foi enloquecido pela deusa Hera e matou a sua própria mulher, Mégara, e os filhos de ambos. Depois, quando se apercebeu do que tinha feito, foi ao Oráculo de Delfos para saber como podia ser perdoado; o deus Apolo disse-lhe que isso só aconteceria se ele fosse ter com Euristeu, rei da cidade de Micenas, e cumprisse dez difíceis tarefas para ele. O herói aceitou fazer isso, e começaram então estes 12 trabalhos de Hércules:
Hércules e o Leão da Nemeia
O primeiro de todos os trabalhos envolveu o Leão da Nemeia, filho dos monstruosos Tífon e Equidna, numa aventura que passou por três momentos essenciais. No primeiro deles, Hércules tentou atacar o leão com alguma arma (uma clava, espada e flechas), apenas para vir a descobrir que essas acções não surtiam qualquer efeito, porque este monstro tinha uma pele completamente invencível. No segundo, incapaz de derrotar o seu opositor com os artifícios anteriores, o herói atacou-o com as suas próprias mãos, acabando por sufocá-lo. Finalmente, Hércules arrancou a pele ao Leão da Nemeia e passou a usá-la ás costas - pelo menos um relato do episódio diz que o fez usando as próprias garras do monstro que derrotou!
Hércules e a Hidra de Lerna
Sabemos que a batalha entre Hércules e a Hidra de Lerna teve lugar no pântano de Lerna, local onde a criatura vivia. Esse é um ponto assente em todas as versões do mito, mas este é também um confronto cujos contornos essenciais vão sendo alterados ao longo dos séculos. Sabemos que o herói teve auxílio de um companheiro, Iolau, que a sua opositora tinha algum veneno no corpo (extraído após a sua morte) e que durante o confronto o semideus foi incomodado por um caranguejo, mas alguns elementos nem sempre são tão constantes como se poderia pensar - o número original das cabeças varia, e a criatura nem sempre consegue gerar novas cabeças, apesar dessas características serem agora muito famosas.
Temos, porém, a certeza de que Hércules derrotou a Hidra de Lerna, que o caranguejo foi vencido e colocado entre as estrelas, e que o herói sempre foi ajudado por alguém, razão pela qual este trabalho não seria aceite por Euristeu, aumentando o inicial número de 10 trabalhos para 11. Também temos a certeza que algum fluido deste monstro era venenoso, razão pela qual o herói acabou por nele banhar as suas setas, que se tornariam importantes em pelo menos dois mitos futuros, o da morte deste herói e o de Filoctetes em Tróia.
Hércules e a Corça de Cerineia
Se os dois trabalhos anteriores são sempre mencionados na mesma ordem, já os que se seguem tendem a ocorrer em ordens diferentes mediantes as fontes. Seguindo sempre a versão de Pseudo-Apolodoro, o terceiro foi o confronto entre Hércules e a Corça de Cerineia. Contrariamente ao que sucedeu com os dois opositores anteriores, o objectivo aqui não era tanto o de matar a criatura mas sim de conseguir capturá-la viva, seja por este se tratar de um animal dócil, ou por estar consagrado à deusa Ártemis (que certamente não permitiria a sua destruição).
As diversas versões deste confronto entre Hércules e a Corça de Cerineia parecem apresentar dois elementos consistentes - a corça tinha chifres de ouro, e o herói teve de a perseguir por algum tempo antes de a conseguir capturar. Menos comuns são referências ao facto da corça poder ter sido uma figura humana transformada em animal devido à inveja de Ártemis, ou que o herói teve de a ferir para conseguir capturá-la.
Hércules e o Javali do Erimanto
A luta contra o Javali do Erimanto foi o quarto trabalho de Hércules. Pouca ênfase lhe parece ser dada na literatura existente; ele tratava-se de um animal feroz, que destruía tudo por onde passava e sabemos que o herói o capturou, mas sem que tenhamos qualquer informação mais concreta sobre como o fez, ou que dificuldades encontrou pelo caminho. Sabemos, porém, que foi durante este episódio de Hércules e o Javali do Erimanto que o herói teve um confronto com os Centauros, feriu mortalmente Quíron, e que à captura do Javali do Erimanto se seguiu um episódio engraçado e bastante ilustrado nos vasos gregos, em que Hércules apresentou o animal a Euristeu, mas este monarca teve tanto medo que se escondeu dentro de uma enorme jarra.
Hércules e os Estábulos de Áugias
O quinto trabalho, o de Hércules e os Estábulos de Áugias, é pautado por alguma incerteza. Sabemos, efectivamente, que o herói teve de limpar os estábulos dos imensos rebanhos do rei Áugias, e que na sequência dessa tarefa o rei negou ao herói um pagamento que lhe tinha prometido, dizendo-lhe que era a sua tarefa fazer o que tinha feito sem esperar qualquer tipo de recompensa. Então, a personagem principal matou o rei e deu esse reino ao filho deste, Fileu.
É possível que tenha existido uma versão deste episódio dos Estábulos de Áugias em que a figura faz todo o trabalho com as próprias mãos, mas nas versões mais famosas a situação tende a ser resolvida com o desvio de um curso de água próximo. A menção de que Hércules tinha de cumprir a tarefa num só dia parece ser mais recente que o resto da trama.
Deve também adicionar-se que graças ao facto do herói grego ter empreendido esta tarefa por dinheiro, Euristeu lhe negou o crédito, acrescentando ao seu número original de 10 trabalhos mais um, tornando-os agora num total de 12.
Hércules e os Pássaros do Lago Estínfalo
O encontro entre Hércules e os Pássaros do Lago Estínfalo foi o seu sexto trabalho. Ele tinha aqui de defrontar essas criaturas, com alguns autores a dizerem que elas eram carnívoras. No entanto, mediante as fontes o objectivo final deste trabalho parece diferir, existindo duas grandes versões - na primeira delas é-nos apenas dito que o herói tinha de afastar esses animais do local, enquanto que na segunda também tinha de os destruir. Em ambos os casos Hércules afasta os Pássaros do Lago Estínfalo com recurso a um qualquer tipo de instrumento musical, mas nas versões em que também tem de os matar fá-lo com as suas flechas ou com os projécteis lançados por uma espécie de fisga.
Hércules e o Touro de Creta
Sétimo trabalho na contagem de Pseudo-Apolodoro, o de Hércules e o Touro de Creta, em que foi pedido ao herói que capturasse esse famoso bovino vivo. O requisito de não matar o animal é de alguma importância, já que o herói Teseu acabaria por mais tarde defrontar o mesmo animal nas planícies de Maratona. De um modo geral sabemos que Hércules cumpriu esta tarefa do Touro de Creta com alguma facilidade, mas um aspecto extremamente importante deste mito passa pela identidade do próprio touro. Poderá parecer uma afirmação estranha para leitores mais incautos, mas mediante a fonte literária consultada são dadas diferentes proveniências ao animal, podendo tratar-se do touro que transportou Europa para Creta (que, como é óbvio, então não se trataria de uma transformação de Zeus), do que foi enviado pelo deus dos mares e por quem a esposa de Minos se apaixonou (o pai do Minotauro, frise-se), ou de algum outro animal que em comum com os anteriores bastaria ter a forma bovina.
Hércules e as Éguas Antropófagas de Diomedes
O episódio de Hércules e as Éguas Antropófagas de Diomedes foi o oitavo, mas é um mito muito mais complexo do que nos poderia parecer a uma primeira vista, sendo apenas constantes dois elementos em todas as suas versões - que as éguas eram antropófagas e que o seu dono e criador, Diomedes, morreu ao defendê-las.
No decurso de trama pelo menos uma figura é devorada pelas Éguas Antropófagas de Diomedes; frequentemente é o próprio monarca a sofrer esse destino, sendo-nos dito que consumi-lo acalmou os animais, facilitando a tarefa de os transportar. Mas também o destino final desse equídeos varia de versão para versão, sendo elas destruídas ou consagradas aos deuses por Hércules.
Hércules e o Cinto de Hipólita
Esta sequência de Hércules e o Cinto de Hipólita, a que Pseudo-Apolodoro atribuía o nono lugar, também pode ser vista como de alguma complexidade, na medida que parecer ter evoluído bastante ao longo dos séculos. Se em fontes mais antigas o principal objectivo parecia ser o de derrotar as Amazonas em combate (servindo um cinto somente como prova desse feito), nas mais recentes o objectivo final já parte de um pedido da filha de Euristeu, que desejava, por alguma razão que não é muito clara, possuir o cinto de uma rainha desse povo guerreiro.
Independentemente da razão inicial para esta demanda, terá existido um confronto guerreiro com as Amazonas, em que pelo menos dois heróis, Hércules e Peleu, tiveram algum papel importante. Mais tarde, o semideus consegue um cinto, seja o de uma outra amazona ou o próprio Cinto de Hipólita (nesse caso sendo ela vista como uma rainha), conquistando-o no campo de batalha, e apresenta-o a Euristeu.
Tenha-se também em atenção que um elemento de romantismo entre Hércules a Hipólita, ou uma qualquer outra interveniente feminina, é apenas mencionado em algumas versões mais tardias do mito, não parecendo ocorrer nas mais antigas.
Hércules e o Gado de Gerião
O décimo trabalho foi o de Hércules e o Gado de Gerião. E neste ponto devemos relembrar que se inicialmente teriam sido propostas ao herói dez tarefas diferentes, este número foi sendo aumentado para 12 devido a duas que Euristeu se recusou a considerar na sua própria contagem; falamos, como já foi indicado antes, das relativas à Hidra (na qual o herói teve ajuda de Iolau) e aos estábulos de Áugias (que o herói completou também devido a uma promessa de compensação monetária). Faltam, então, neste ponto da trama ainda três tarefas adicionais. O principal objectivo desta aventura era capturar o Gado de Gerião, trazendo-o para Micenas e Euristeu. Porém, dada a sua extensão (é, creio eu, o mais complexo de todos os trabalhos deste herói), parece-me justo dividir a aventura em três sequências.
Na primeira parte do mito Hércules precisa de viajar até ao local onde vivia Gerião, que muitos autores diziam tratar-se de Gadeira (actual Cádiz, em Espanha). Fez parte da viagem a pé mas mais cedo ou mais tarde sentiu tanto calor que acabou por ameaçar Hélio, o Sol, com as suas flechas.
Chegando depois ao local onde residia Gerião, Hércules combateu contra o cão (ou cães) e o pastor de Gerião, antes de defrontar essa figura, uma das mais singulares de toda a mitologia grega, em relação à qual é dito que tinha "três corpos". Seria difícil de definir, essa sua figura, se não fosse o facto de ser muitas vezes representado em combate nessa sua invulgar junção.
Após este episódio é claro que o herói capturou o gado de Gerião, levando esses touros de volta para Micenas por terra. São muitas as aventuras que também então tomaram lugar, devendo ser feita uma referência ao facto de diversos mitos etiológicos derivarem da pessagem do herói por diversas regiões (aqui pode ser visto um exemplo bem recente) , incluíndo algumas invulgares inovações gnósticas que só ocorrem já nos primeiros séculos da nossa era.
Hércules e as Maçãs das Hespérides
Para Pseudo-Apolodoro o trabalho de Hércules e as Maçãs das Hespérides era o décimo-primeiro, mas que alguns autores também dizem ter sido o último, invertendo a ordem com a captura de Cérbero, de que falaremos abaixo. Hércules procura aqui apanhar as famosas maçãs, mas depara-se desde logo com o enorme problema de descobrir a sua localização concreta. Após diversas viagens, em que usa (novamente?) a taça de ouro de Hélio que já foi referido no mito anterior, salva Prometeu da águia que o atacava todos os dias. É nessa sequência que o titã o aconselha a não continuar a procura por si mesmo, mas sim pedir a Atlas que lhe traga essas Maçãs das Hespérides; este acede em fazê-lo, mas depois do famoso semideus tomar o globo do mundo nas suas costas ele volta atrás na sua palavra, escapando Hércules da árdua tarefa através de um pequeno subterfúgio.
Há que também ter em conta a existência de versões menos conhecidas, em que o herói procura as maçãs por si mesmo, acabando por derrotar, de alguma forma, um dragão que as guardava e até visitar as próprias Hespérides.
Hércules e Cérbero
O trabalho entre Hércules e Cérbero era, de acordo com Pseudo-Apolodoro, o último dos doze, pelo que muitos autores o equacionam a uma vitória sobre a própria morte. Ainda assim, pouco sabemos sobre as circunstâncias em que teve lugar a captura de Cérbero; é provável que tenha passado por algumas dificuldades na sua descida ao reino dos mortos, que o herói tenha obtido permissão de Hades e/ou Perséfone para "levar emprestado" Cérbero, que possa ter existido uma qualquer condição para esse empréstimo e que Euristeu se tenha (novamente) escondido ao ver a terrível figura do monstro, mas pouco sabemos sobre cada um desses eventos, fruto de falta de informação horizontal consistente sobre este derradeiro desafio. Sabemos, porém, que mais tarde o herói levou este cão de três cabeças de volta ao reino de onde tinha vindo, provavelmente um dos requisitos que os deuses do submundo lhe tinham imposto.
Hércules e as Filhas de Téspio
Convém ainda mencionar aquele que alguns autores consideram um décimo-terceiro trabalho para o herói, o de Hércules e as Filhas de Téspio. É muito menos conhecido do que os anteriores, e não costuma aparecer nas contagens "oficiais", mas conta-nos como Hércules dormiu com as filhas de Téspio ao longo de 50 noites consecutivas, engravidando-as a todas (ou quase, em algumas versões uma delas não tem relações sexuais com o herói, tornando-se depois uma sacerdotisa virgem), de forma a cumprir um desejo do pai destas. Importa esclarecer que se tratavam de 50 gémeas, razão pela qual o semideus provavelmente pensava que se estava a deitar com a mesma mulher por múltiplas vezes.
Cronologicamente, este não poderia tratar-se do último trabalho (tomou lugar antes de todos os outros), apesar de alguns autores, como Tzetzes (Quilíadas 2.503), se referirem a ele como tal.
Para terminar, alguém tem alguma dúvida sobre estes 12 Trabalhos de Hércules?