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Mitologia em Português

31 de Janeiro, 2020

O mito de Erictónio, filho de Atena

Atena e Erictónio

O mito de Erictónio é muito invulgar. Se há um atributo que bem caracteriza a deusa Atena é a sua virgindade perpétua. Tanto no seu caso, como no de Ártemis, são incontáveis os mitos que referem essa ausência de maternidade. Mas, ainda assim, os Gregos consideravam que a deusa era virgem mas tinha tido um "filho" - Erictónio. Recordamos então o que aconteceu nesse seu mito:

 

Um dia, o deus Hefesto encontrou-se a sós com Atena. Cheio de desejo amoroso, tentou violá-la, mas falhou no seu propósito - não conseguiu penetrar a deusa, caindo a sua semente somente na pele desta filha de Zeus. Naturalmente incomodada, a deusa limpou-se rapidamente, atirando a substância geradora para o chão... e daí nasceu Erictónio!

Estonteada com uma tão invulgar ocorrência, Atena colocou o "filho" dentro de uma enorme jarra e deu-a às filhas de Cécrope, rei de Atenas, deixando-lhes claro que nunca deveriam olhar para o seu interior. Mas, como já é comum em mitos como estes, as jovens não conseguiram suster a sua curiosidade - vendo Erictónio, foram conduzidas à loucura e atiraram-se da Acrópole. E, mais tarde, este Erictónio tornar-se-ia rei de Atenas...

 

Este é um mito curioso, que não pode deixar de suscitar diversas questões. A mais óbvia é, quase certamente, o que terão as jovens visto no interior da jarra? O que as terá conduzido à loucura? Se a imagem acima até mostra Atena com o "filho", a resposta está aí parcialmente oculta - segundo algumas versões do mito, da cintura para baixo Erictónio tinha o corpo de uma serpente, o que poderá ter traumatizado quem viu essa forma tão grotesca.

Muito mais poderia ser dito sobre este mito, mas ele parece ter tido, essencialmente, a função de unir a deusa com a monarquia ateniense, legitimizando o poder através de uma figura divina que, de outra forma, não poderia ter sido matriarca de uma sequência de reis.

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30 de Janeiro, 2020

Qual o significado do brasão do Rio de Janeiro?

Há poucas horas falámos sobre o brasão da cidade de Coimbra, apontando nessa altura a dificuldade que era descortinar o verdadeiro significado por detrás dos seus símbolos. E, nesse sentido, antes de voltarmos a um mito grego, queríamos então cá trazer também um exemplo de uma situação contrária, um caso em que é bastante mais fácil fazê-lo.

Agora, se Coimbra foi a segunda capital de Portugal, achámos que poderíamos igualmente dedicar algum tempo aos leitores "do outro lado do oceano" e falar da segunda capital do Brasil - Rio de Janeiro - cujo brasão pode ser visto abaixo. Qual o significado do brasão do Rio de Janeiro?

Brasão da Cidade do Rio de Janeiro

No topo, como é costume, podem ser vistas as cinco torres que simbolizam o seu estatuto de cidade. Em redor, o louro e o carvalho e duas criaturas marinhas (foi-nos dito que são botos, parecidos com os golfinhos), cada qual com seu significado hieráldico. Mas o que está no centro?

O azul significa a lealdade. A esfera armilar e as três flechas, que já aí constam desde o tempo dos portugueses, remetem-nos para as descobertas manuelinas e a morte de São Sebastião (não confundir com Dom Sebastião). Finalmente, o barrete frigio central é, desde os tempos da Revolução Francesa, um símbolo da república.

 

O que distingue o caso deste brasão do de Coimbra, em Portugal? Se ambos foram sendo alterados ao longo dos séculos, no caso do Rio de Janeiro os símbolos essenciais foram (quase) sempre os mesmos, de uma simplicidade que evita quaisquer confusões. Já os de Coimbra, na sua complexidade tornaram possível que o significado inicial se fosse perdendo, levando a múltiplas interpretações que, por parecerem verdade, contribuíram para o esquecimento de uma simbologia que lá teria existido antes.

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30 de Janeiro, 2020

Qual o significado do brasão de Coimbra?

Há alguns dias, enquanto passeávamos pela cidade em questão, perguntaram-nos qual o significado do brasão de Coimbra? Para quem não souber a que nos referimos, aqui fica uma imagem dele:

Brasão de Coimbra

Quem é a mulher na parte superior da imagem? Porque é o elemento central tão vermelho? A que se referem a presença de um dragão, um leão e um cálice?

 

O grande problema em descortinar o significado por detrás de todos estes elementos não se prende tanto com uma ausência de fontes, mas com uma enorme discrepância entre todas elas, cada qual com uma opinião muito distinta, como dá facilmente a entender a obra conimbricense O Brasão de Coimbra, da autoria de Augusto Mendes Simões de Castro. E, por isso, nada como contar duas das versões que nos chegaram.

 

Segundo a Comédia sobre a Divisa da Cidade de Coimbra, de Gil Vicente, o elemento feminino era uma princesa de nome Colimena (ou Cindazunda), que foi raptada por um gigante e aprisionada numa torre, acabando por ser salva por um leão e uma serpente que, inesperadamente, parecia ter amestrado. Poderia ser uma boa resposta ao mistério por detrás de toda a simbologia da cidade, mas na mesma peça a princesa acrescenta que "o cálice está errado, pois devia ser uma torre aprisionadora". Mas não é uma torre - é um cálice ou uma fonte (em algumas versões mais antigas do brasão da cidade até pode ser vista a figura feminina no seu interior), denotando que o autor da peça já desconhecia a razão verdadeira por detrás desse elemento central do brasão de Coimbra, descartando-o com uma alternativa muito pouco real.

 

Noutra versão, a figura feminina representada no brasão de Coimbra era a Rainha Santa Isabel. Face a séculos de confrontos na cidade (até se poderia dizer que o Mondego foi sendo tingido de sangue, daí o elemento vermelho), a sua vinda veio trazer comunhão e harmonia a dois grandes grupos que aí habitavam (seriam eles, por exemplo, cristãos e muçulmanos, escondidos por detrás das figuras do leão e do dragão?), juntando-os com um mesmo sangue (aqui representado na figura do cálice). É uma metáfora interessante, mas também só parece surgir mais tardiamente.

 

O que sabemos, na verdade, é que estes símbolos no brasão de Coimbra não surgiram por magia. Quando alguém decidiu, por exemplo, que este deveriam conter uma serpente (ou um dragão), isso foi feito com uma determinada intenção. Infelizmente, neste caso particular essa realidade una já se parece ter perdido ao longo dos séculos, como denota o facto de não existir uma só explicação horizontal, mas várias opiniões divergentes. E por isso não sabemos o que este brasão significava, na sua forma original - temos acesso, isso sim, é a diversas opiniões, aparentemente construídas sobre o desconhecimento de aquelas que foram, faz já muitos séculos, as razões reais.

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28 de Janeiro, 2020

Como é o baptismo das bruxas?

Se já cá falámos várias vezes sobre as bruxas, uma questão pode permanecer - como é que alguém se torna uma bruxa? Como é o baptismo das bruxas? Que juramentos fazem elas, para ganharem os seus agora-famosos poderes? Claro que vemos muito essas coisas na cultura popular, em séries de televisão e em alguns livros, mas serão esse eventos mera ficção, ou até têm um fundo de realidade?

O baptismo das bruxas

Inesperadamente, o juramento ficcional que tanto vemos na cultura popular até tem um fundamento real. Segundo um documento nacional, datado de 1559 e que é conhecido como Confissão de umas bruxas que se queimaram na cidade de Lisboa, aquelas que se diziam feiticeiras tinham de passar por um ritual específico que, depois, as tornava bruxas, numa espécie de pós-graduação. Surgiam-lhes, supostamente, três demónios a transportar um livro que não tinha uma única folha branca, e de onde deviam ler um conjunto de promessas que faziam ao Diabo:

Prometes e juras que nunca servirás, nem adorarás, outro deus senão nós?

Renegas Deus e o baptismo que recebeste? [I.e. supõe-se, naturalmente, que a crente nestas coisas já tinha sido baptizada na Igreja Católica]

Prometes nunca deixares de fazer o nosso mandado?

Prometes não nomear o nome de Jesus de nenhum modo ou maneira, e nunca confessares a verdade, mesmo que te confesses [a um padre]?

Prometes apartares-te de Deus, e nunca teres amizade com ele, e lhe fazeres quando mal puderes?

(...)

 

Naturalmente que a pessoa, quase sempre do sexo feminino, deveria responder afirmativamente a todas estas questões. Depois, tinha relações sexuais com o Diabo, era-lhe dado um sinal corporal do seu juramento, recebia algumas prendas para recordação do que tinha feito, e até jantava sumptuosamente uma comida sem sal. Estes, entre outros, eram os elementos que então faziam parte do baptismo das bruxas, conduzindo-as a uma espécie de mundo alternativo em que se afastavam de tudo aquilo que era o Cristianismo e as suas leis. É curiosa, esta semelhança com os pactos com o Diabo de que cá falámos anteriormente, na medida em que a Bruxaria dos recentes séculos da nossa era, no seu geral, parece ser construída como uma negação ou antítese do Cristianismo e de Deus, mais do que uma entidade díspar.

Ao mesmo tempo, se as bruxas (femininas) tinham de ter sexo com o Mafarrico, esse elemento parece estar sempre ausente dos rituais para o sexo masculino, fazendo crer numa espécie de estranha heterossexualidade do opositor de Deus, que gosta de possuir carnalmente as mulheres, mas nunca faz uma tal exigência aos homens. Estranhas ideias, estas, que os textos de outros tempos nos vão revelando, não só em relação ao baptismo das bruxas, mas também em relação a todas aquelas crenças que os nossos antecessores lhes imputavam...

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27 de Janeiro, 2020

A lenda da Nossa Senhora da Piedade da Merceana

Numa das suas epístolas, Luís Vaz de Camões diz-nos que vivia em Goa "mais venerado do que os touros da Merceana". A que se referia ele, e porque eram esses touros assim tão venerados? Podemos contar essa lenda, tal como nos foi contada nas nossas viagens:

Nossa Senhora da Piedade da Merceana

Por volta do século XIV, em terras de Alenquer, um pastor notou que um dos seus touros (de nome Merceano ou Marciano) desaparecia todos os dias, voltando algumas horas mais tarde. Isso acontecia tantas vezes que um dia decidiu segui-lo. Seguiu-o, seguiu-o, seguiu-o, até que encontrou o touro prostrado em frente de uma árvore, como que a rezar. Face a tal prodígio, o pastor decidiu olhar melhor e encontrou, na copa dessa mesma árvore, uma imagem de Nossa Senhora da Piedade.

Retirando-a do local, levou-a depois ao padre da sua paróquia, que a colocou numa igreja. Porém, por muitas vezes que a imagem fosse levada para essa igreja, tornava a desaparecer de lá e a reaparecer no seu local original. Tantas vezes teve lugar o duplo milagre que o padre acabou por desistir, optando pela alternativa de construir uma igreja no local.

 

Face a tal prodígio, e acreditando-se que o poeta nasceu em Alenquer, é possível que nos tempos de Camões os touros da Merceana ainda fossem famosos graças a este evento miraculoso, levando-o à referência da sua epístola.

E, para quem estiver curioso, o local da igreja chama-se hoje "Merceana" por causa do nome do próprio touro. Conta-se que a miraculosa imagem - uma Nossa Senhora "da Piedade" pelo facto de apresentar o corpo de Cristo nos braços de Santa Maria (i.e. uma pietà) - ainda está no seu interior, mas nunca tivémos a oportunidade de a ver com os nossos próprios olhos.

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24 de Janeiro, 2020

Encontrado o crânio de Plínio o Velho?

Existem notícias que nunca pensámos em vir a partilhar por cá, mas esta é tão única que achámos que teria de ser passada aos leitores.

 

Há quase 2000 anos, quando teve lugar a mais famosa das erupções do Vesúvio, as epístolas de Plínio o Jovem dizem-nos que o seu tio, hoje conhecido como Plínio o Velho, foi investigar a ocorrência e acabou por falecer, quase certamente pela inalação de fumos.

Agora, segundo notícias muito recentes como esta, acredita-se que foi encontrado o crânio do eminente enciclopedista. A ser verdade, tratar-se-ia da primeira vez que são encontrados os vestígios mortais de alguma figura famosa da Antiguidade - recorde-se que mesmo em casos tão proeminentes como o de Alexandre Magno já se desconhece a localização de um túmulo ou de quaisquer restos mortais.

 

Mas... será verdade? Fica o convite para lerem o artigo e considerarem as evidências.

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23 de Janeiro, 2020

O mito de Melusina (ou Melusine)

O mito de Melusina (ou Melusine) é de origem medieval, com diversas versões em vários países europeus, que vão adicionando mais ou menos elementos a uma trama-base, que pode ser contada assim:

 

O mito de Melusina, também conhecida como Melusine, é o de uma mulher misteriosa, mas inesquecivelmente bela, que um dado cavaleiro veio a conhecer. Caído de amores por ela, prometeu-lhe que faria tudo o que pudesse para a obter para esposa; mas Melusina, essa, limitou-se a pedir-lhe algo de muito simples - que a deixasse completamente só numa determinada altura.

Inicialmente, o cavaleiro respeitou esse pedido e tudo corria bem. Pelas suas artes mágicas, Melusina deu-lhe até tudo aquilo que ele poderia desejar - amor, riquezas, filhos, um enorme castelo, entre muitas outras coisas. Mas depois, um dado dia, movido pela curiosidade e contrariando a sua promessa original, decidiu vê-la no banho e notou que a sua amada tinha uma forma monstruosa escondida abaixo da cintura. Já ela, mal se apercebeu do gesto do cavaleiro, desapareceu nesse preciso instante e nunca mais foi vista...

Melusina (ou Melusine)

Nesta pequena história podem ser vistos um conjunto de elementos que aparecem em muitas outras lendas medievais, dos quais a promessa não-cumprida é um dos mais óbvios. As versões divergem em relação ao acto proibido por Melusina - o de ser vista a tomar banho, ou o de ser vista num dado dia da semana? - mas todas elas afirmam que o cavaleiro acabou por desrespeitar essa proibição e, como tal, acabou por perder não só o seu grande amor como todos os outros grandes dons que esta lhe tinha propiciado.

 

Poderia perguntar-se... porquê essa proibição? Dever-se-ia a um tabu relativo à nudez feminina, como no mito de Acteon? A razões religiosas, tratando-se o dia da semana de aquele consagrado ao Senhor Deus? A razões anteriores a esta trama, que até prefaciam outras versões? Não sabemos, mas proibições semelhantes aparecem em muitas outras histórias da Idade Média, acabando por ser desrepeitadas em todas elas e levando, quase sempre, aquele que as quebra ao mais completo desespero.

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20 de Janeiro, 2020

O mito da Porca de Cromion (e a Porca Camoniana)

Quando, há já algumas semanas atrás, discutimos a lenda da "Porca" de Murça, um elemento fulcral da lenda prendia-se com a verdadeira identidade do animal que atacava as aldeias. Porém, no mito grego de hoje, o mito da Porca de Cromion, não há esse problema - a criatura em destaque é, sem qualquer dúvida, uma porca, como até pode ser visto na imagem abaixo!

Porca de Cromion em combate com Teseu

Esta porca, filha de Tífon e Equidna, aterrorizava as populações da aldeia de Cromion, sendo chamada de "Phaia" (que pode ser traduzido do Grego como "Cinzenta") em virtude da idosa que a tinha criado. Quando um jovem Teseu passou na região derrotou definitivamente a criatura, mas não há registo do que fez ele com a dona.

O momento do confronto pode ser visto na imagem acima, com a idosa (e respectiva bengala) e a Porca de Cromion no lado esquerdo, enquanto que o herói, do lado direito e ainda sem barba dada a sua juventude, se prepara para aquele que seria um dos seus primeiros confrontos com uma criatura mitológica. Será que existiu, na Antiguidade, um poema sobre esta batalha? É bem possível que sim, mas já não nos chegou, apesar do momento inicial desta batalha ainda estar bem representado em diversos vasos.

 

Resta aqui uma última questão - estará esta figura de alguma forma relacionada com uma tal "porca camoniana" - ou, no original inglês, Clazmonian Sow, que rapidamente revela que ela nada tem a ver com o nosso Camões - que aparece nas histórias do herói ficcional Percy Jackson? Apesar da semelhança de nomes, essa porca camoniana nada tem a ver com os mitos e histórias da Antiguidade, sendo apenas uma invenção dos nossos dias, até porque, como já aqui referido anteriormente, se os javalis são raros nos mitos da Grécia Antiga, os porcos são quase inexistentes, com a excepção que aqui abordámos hoje.

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19 de Janeiro, 2020

A estranha origem de Roger Rabbit

A figura de Roger Rabbit é-nos hoje essencialmente conhecida por um filme lançado em 1988. Ele dá na televisão de tempos a tempos, é um filme muito colorido e apropriado para os mais novos, até em virtude das muitas personagens animadas que nele aparecem, mas parecem ser muito poucos os espectadores que conhecem a origem da sua história. Inesperadamente, o filme foi baseado numa novela que foi publicada em 1981, de título Who Censored Roger Rabbit? e da autoria de Gary K. Wolf, mas as diferenças entre ambos são tantas que essa relação pode ser definida como MESMO muito vaga. Mas, ao mesmo tempo, a obra revela um elemento muito curioso da história, que aparentemente não aparece no filme, e que motivou as linhas de hoje.

A origem de Roger Rabbit

A novela Who Censored Roger Rabbit? é essencialmente uma obra de detectives, em que o herói titular contrata Eddie Valiant, um detective privado, para investigar uma questão inicialmente menor, mas que depois se acaba por tornar muito maior - quem é o que o matou? Pode parecer uma questão absurda, mas clarifique-se que a novela introduz a ideia de que os desenhos animados conseguem produzir cópias de si mesmos que vivem até 48 horas, e quando o herói falece, o detective e o seu cliente "fantasma" partem em busca de quem matou este último. É uma ideia um tanto ou quanto caricata, ainda para mais quando, tendo apenas em conta a história deste livro individual, o herói está verdadeiramente morto... e a resolução do crime, que surge no penúltimo capítulo, é completamente absurda mesmo até no contexto do universo que a obra vai construíndo.

 

Indo ao que interessa. As histórias desta obra literária e do filme são diferentes, mas este texto explica como é que a voluptuosa Jessica Rabbit casou com Roger Rabbit - são evidentes spoilers, mas o segundo, aparentemente por puro acidente, pediu esse desejo a um génio da lâmpada!

Fora essa pequena curiosidade, é preciso admitir que o livro nos pareceu muito pouco interessante. Anda para trás e para a frente por diversas vezes, torna-se aborrecido, e o final é tão absurdo que só pode fazer sentir que toda a obra foi uma pura perda de tempo. Como tal, fica a curiosidade da existência de um livro, mas também a informação de que ele é muito pior que o filme... e talvez tenha até sido por isso que, ao escrever duas outras sequelas, o autor, Gary K. Wolf, ignorou completamente esta primeira obra, optando em alternativa por continuar as histórias propostas no grande ecrã!

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16 de Janeiro, 2020

A morte de Gilgamesh

O Épico (ou Epopeia) de Gilgamesh é, como já cá foi contado antes, um dos mais antigos textos ficcionais contínuos que chegaram aos nossos dias. Falar disso pouco ou nada aqui traria de novo, mas quem já o tiver lido certamente que se deparou com um problema incomum na literatura dos nossos dias - a trama sequencial termina no 11º capítulo/livro, em que Gilgamesh perde, em favor de uma serpente, o seu possível acesso ao dom da imortalidade. Se isso nos faz subentender que o herói teria, um dia, de vir mesmo a morrer, como ele tanto temia, a mesma fonte já nada nos diz sobre o que viria a acontecer numa antiga continuação de toda a história.

A morte de Gilgamesh

Caso encerrado, como seria de supor? Não tanto - existem outros textos de terras da Suméria, com cerca de 4000 anos, que hoje são conhecidos sob o nome de A Morte de Gilgamesh. São muito fragmentários, mas permitem-nos saber que pelo menos três episódios ainda tomavam lugar após o término da trama do famoso épico:

 

  • Existia um momento em que o herói era levado a contemplar a sua própria mortalidade. Parafraseando uma sequência que sempre nos pareceu particularmente bela:

Deve ter-te sido dito que a morte é a essência de ser humano. Deve ter-te sido dito que isto seria o resultado de cortarem o teu cordão umbilical. O mais negro dia dos seres humanos agora aguarda por ti. O local solitário agora aguarda por ti. A imparável torrente agora aguarda por ti. A batalha inevitável agora aguarda por ti. A batalha desigual agora aguarda por ti. O conflito de que não podes escapar agora aguarda por ti. Mas não deves ir para o submundo com o coração zangado (...)

 

  • Como é natural, o grande herói acaba depois por morrer. A sua morte era, aparentemente, tratada com relação aos feitos passados, numa espécie de fórmula repetida - "Aquele que fez X agora caiu e não mais se irá levantar".

 

  • O herói era tornado um juiz entre os mortos, talvez pela eminência que tinha tido entre os vivos, lembrando até algumas figuras da Grécia Antiga.

 

Claro que esta informação é muito limitada, mas é também particularmente significativa se tivermos em conta que a mortalidade do próprio herói é um dos temas centrais do épico. Ele - como o próprio leitor - está condenado a morrer, por muitos e grandes que sejam os feitos que atingiu. Esta sequência adicional parece insistir nessa ideia - a morte é inevitável, sim, mas nem por isso deve ser temida. E, por essa ideia contemplativa, a história de Gilgamesh, e da sua eventual morte, continua tão actual hoje como no dia em que primeiro foi posta por escrito...

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