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Mitologia em Português

15 de Janeiro, 2020

Sobre o "Roman de Renart"

O Roman de Renart (ou Reynard), que é como quem diz em português O Romance de Renart, pode ser definido como um conjunto de histórias medievais com a sua origem em França, em que o raposo que dá o título a esta obra tem muitas aventuras. O que a obra tem de especial, face a muitas outras da época, é que foi tão, mas tão popular no seu tempo, que até teve um impacto significativo na língua francesa - o nome deste animal, que originalmente se dizia goupil, foi sendo alterado progressivamente para renard, tal foi a fama desta figura medieval e das suas aventuras! Mas de que falam elas, afinal?

Do Roman de Renart

Essencialmente, podem ser vistas como uma espécie de evolução das fábulas de Esopo. Os animais mantêm as características que esperaríamos encontrar em cada um deles - notavelmente, este raposo é muito matreiro, o leão é o rei dos animais, etc. - mas são interligados de uma forma mais contínua. E assim, numa dada altura os vários animais lá se fartam das constantes maldades de Renart e decidem unir-se contra ele, e é essa a principal aventura deste romance, a forma como ele é capaz de escapar, uma e outra vez, dos muitos e constantes problemas em que se vai metendo.

Face a esta breve descrição poderia pensar-se que o Roman de Renart é uma obra para crianças, mas essa ideia é significativamente falsa. Claro que as crianças até a podem ler, mas existem alguns aspectos da obra que podem ser vistos como pouco indicados para elas - por exemplo, numa dada altura é explicado que o anti-herói desta história violou a esposa do lobo Ysengrimus, seu principal inimigo; noutra, ele devora uma das personagens mais dóceis sem dó nem piedade; numa terceira, diz converter-se à religião e procurar absolvição dos seus erros do passado, apenas para depois enganar os companheiros e fazer ainda mais maldades.

 

Mas... ao mesmo tempo, este Roman de Renart é uma obra de leitura agradável, pelo menos para os mais velhos. Faz rir um pouco, não pelos (muitos) maus actos do seu anti-herói, mas porque existe aqui um subtexto muito jocoso, que faz o leitor perguntar-se, uma e outra vez, se será desta que o raposo será condenado pelos seus crimes, ou se acabará por encontrar, como antes, uma nova solução para escapar a tudo e a todos. E será que escapa? Ou será que, enquanto anti-herói, as suas aventuras acabam, repetidamente e até ao fim da obra, sem qualquer punição real, e sem que Renart emende os seus comportamentos? Essa já é uma resposta que só saberão aqueles que leiam este texto, cujo final naturalmente não iremos contar aqui...

 

P.S.- Caso ainda não estejam convencidos da fama e popularidade desta obra, até podemos adicionar que vários épicos nacionais - o Renert oder de Fuuß am Frack an a Ma'nsgrëßt do Luxemburgo, o Van den vos Reynaerde dos Países Baixos, entre outros - foram baseados nesta mesma história de origem francesa. E isso diz muito, porque demonstra que não só estas aventuras foram populares na Idade Média, mas continuaram a sê-lo até aos nossos dias... 

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13 de Janeiro, 2020

A lenda de Dom Fuas Roupinho e da Nazaré

A lenda de Dom Fuas Roupinho e da Nazaré

Conta-nos esta lenda que, numa manhã de nevoeiro por volta de 1182, Dom Fuas Roupinho andava a caçar por terras da Nazaré quando viu um veado. No calor do momento decidiu persegui-lo quase até aos fins do mundo, e por pouco ia sendo levado à sua própria morte - o veado saltou de um penhasco e o cavalo do herói quase que o ia acompanhando, até que o "Farroupim" evocou o nome de Nossa Senhora e, no derradeiro momento, o animal estacou miraculosamente, salvando a vida daquele que transportava. As marcas do milagre foram de tal forma profundas que, segundo alguns, ainda podem ser vistas no local.

 

Como sempre nestas lendas, existem algumas divergências aqui e ali, mas uma das referências mais interessantes que encontrámos passa por se dizer que o veado era uma transformação do diabo, e daí se compreender a ajuda santa de Nossa Senhora.

Mas terá sido toda esta história verdade? Sabemos que Dom Fuas Roupinho foi uma figura real, viveu no tempo de Dom Afonso Henriques, foi alcaide de Porto de Mós e até um eminente comandante naval, sendo muito provável que tivesse passado pela Nazaré. Sabemos igualmente que foi ele quem mandou construir uma capela nessa vila, sobre uma antiga gruta onde já existia uma imagem de Nossa Senhora* (e, supostamente, próxima do local do milagre), pelo que poderá ter sido essa uma grande razão da associação entre as duas figuras. Mas se o episódio do veado realmente tomou lugar, isso é algo que só o próprio "Farroupim" nos saberia dizer.

 

*- Esta outra parte da história, uma espécie de prequela da lenda de Dom Fuas Roupinho e da Nazaré, parece estar quase esquecida nos dias de hoje. Ela diz que em inícios do século VIII da nossa era um dado monge veio da Nazaré - a outra povoação desse nome, aquela que está ligada à vida de Jesus Cristo - para este local e, temendo pela sua própria vida, escondeu uma imagem de Nossa Senhora em território nacional, a mesma que viria a ser encontrada quase 500 anos depois pelo agora-famoso fidalgo português. Esta ideia poderia parecer apenas uma fantasia, mera imaginação, até que se considere a hipótese de que o monge poder estar a fugir do Iconoclasmo oriental, e daí a necessidade de esconder uma imagem que tinha trazido consigo por mar...

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11 de Janeiro, 2020

Outros dois filmes de Georges Méliès que remetem para a Antiguidade

Porque é fim de semana, e por isso se presume que potenciais leitores terão mais algum tempo livre para estas coisas, ficam também aqui mais dois filmes de Georges Méliès que nos recordam da Antiguidade - a Viagem pelo Impossível e a Viagem à Lua, ambos com música que não é a original.

Hoje já com mais de uma centena de anos, estes dois filmes baseiam-se em obras de Júlio Verne. Porém, o que talvez já poucos saibam é que histórias como essas - de viagens à lua, ao sol, aos outros astros celestes, etc. - nasceram ainda em tempos da Antiguidade, com a História Verdadeira de Luciano da Samósata a nos preservar, ainda hoje, um dos seus exemplos mais notáveis.

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11 de Janeiro, 2020

As duas lendas do Uirapuru

As duas lendas do Uirapuru são um bom exemplo daquela falta de horizontalidade que existe nos mitos e lendas que se dizem simplesmente do Brasil, como se num país tão grande as mesmas histórias se pudessem repetir de uma forma igual em todos os locais. O que não é verdade, como é óbvio! Por exemplo, as lendas dizem que este pássaro nem sempre teve esta forma, que já foi humano como nós. No entanto, o que aconteceu ao Uirapuru, também conhecido como Irapuru, parece variar em pelo menos duas lendas (e é provável que até existam mais):

Uma espécie de Uirapuru, foto

Duas lendas do Uirapuru

Numa das versões da lenda, duas mulheres apaixonaram-se por um mesmo homem. Este sugeriu-lhes então uma pequena competição de arco e flecha, em que a vencedora ficaria com ele. A vencedora recebeu o amor de um homem que dizia amar; a vencida, triste, fugiu para a floresta e foi transformada neste pássaro, perpetuando a sua tristeza com um canto que soava a eterna dor.

Numa outra versão, um homem amava uma mulher que jamais poderia possuir para si. Então, pediu aos deuses que o transformassem neste pássaro. E depois, sob essa nova forma, dedicou-se a proclamar aos quatro cantos da floresta aquele que era o seu grande amor.

 

O canto do Uirapuru

Em ambos estes casos, em ambas as lendas que resumimos aqui, a forma do Uirapuru e o seu canto estão associados ao sofrimento pelo amor. Porquê? Não é fácil de explicar, mas convidamos os leitores a que oiçam o canto de um pássaro desta espécie, para que possam compreender melhor essa face mais real das duas lendas.

Parece-vos o pequeno pássaro destas duas lendas triste? Parece-vos que ele ainda sofre por amor, nesse seu singular canto? A resposta, essa, como em muitas outras destas coisas, fica para quem for ler estas linhas, que deverá tirar as suas próprias conclusões...

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09 de Janeiro, 2020

"O Reino das Fadas", de Georges Méliès

Hoje decidimos cá trazer um filme feito em 1903 - há já quase 117 anos! - pelo famoso Georges Méliès.

A música não é a original, mas tenha-se em atenção que o filme é tão antigo que, nessa altura, esta arte não só ainda era muda, como ainda nem apresenta os pequenos diálogos que virão a caracterizar os filmes mudos mais tardios. Assim, o visualizador é quase que convidado a criar a sua própria história dos reino das fadas, enquanto deixa os seus olhos aproveitarem o festim artístico da caracterização e dos belíssimos cenários.

Esperamos que gostem!

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06 de Janeiro, 2020

"American Gods", de Neil Gaiman

Capa do livro "American Gods"

Há já alguns meses que uma jovem nos recomendou o livro American Gods, de Neil Gaiman, mas só agora tivemos oportunidade de o ler. Essencialmente, é um texto ficcional que através da sua personagem principal, o misterioso Shadow, mostra como os deuses de outros tempos, e os pseudo-deuses dos nossos dias, "vivem" nos dias de hoje. E essa é, naturalmente, uma ideia interessante (mas não completamente nova...), mas também uma que nos parece muito mal aproveitada ao longo da novela; muitas das presenças divinas remetem-se a breves alusões aqui e ali, como no momento em que o autor faz uma alusão ao mito egípcio da pesagem da ka, mas sem que nunca explique mais sobre o conceito - isto, apesar de até o reaproveitar na sua história.

 

De uma certa forma, sentimos que este livro seria muito melhor se tivesse breves anotações a explicarem as muitas alusões que o autor vai fazendo aos deuses e seus respectivos mitos. Claro que pode ser lido sem esse elemento, mas acaba por se perder um interessante subtexto da história, até porque a maioria dos leitores dificilmente estará (bem) familiarizado com histórias como as do Barão Samedi, de Ratatosk, ou da criação pagã da Páscoa, entre muitas outras.

Mas, no seu geral, esta é uma curiosa obra ficcional de que os interessados em mitos e lendas irão gostar. Também existe uma série de televisão baseada nela, para quem até preferir ver em vez de ler.

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03 de Janeiro, 2020

Actualização deste espaço

Bom ano de 2020!

 

Como já alguns poderão ter notado agora temos um domínio próprio, em www.mitologia.pt. Se isto permitiu cá trazer mais leitores e implementar outras melhorias de ordem técnica, ao mesmo tempo também tem custos extra, razão pela qual tiveram de ser adicionados alguns banners publicitários a este espaço. Se alguma vez virem anúncios menos próprios, por favor reportem-nos.

 

Voltaremos no início da semana que vem, com a referência a um livro recente!

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01 de Janeiro, 2020

(Outros) Projectos Interessantes

Esta página contém alguns projectos interessantes com que nos fomos deparando ao longo dos anos.

 

Em Português:

Contém muitas traduções e estudos disponíveis gratuitamente. Cada obra também aí pode ser adquirida em formato físico.

 

Em Outras Línguas:

Muita informação sobre como os vários animais eram vistos na Idade Média. Para cada um deles apresenta alguma informação bibliográfica em Inglês e diversas imagens provindas de manuscritos medievais.

Contém milhares de livros em domínio público, com novas obras a serem adicionadas a cada novo dia. Algumas delas estão em Português, mas a maioria está em Inglês.

Contém a tradução, para Francês, de textos e obras de referência ligadas à Antiguidade, Idade Média, etc. Em alguns casos apresenta também o texto original em paralelo com uma tradução.

Uma edição online da Suda, uma enciclopédia bizantina do século X. Todas as entradas da obra, num total de mais de trinta mil, estão disponíveis com o texto original e tradução para Inglês, além de comentários.

Uma espécie de enciclopédia online com informação relativa aos deuses, daemones, criaturas e heróis da Mitologia Grega. Se as entradas estão frequentemente incompletas, é um bom ponto de partida para uma investigação sobre alguma figura mitológica. Também contém diversas fontes primárias em tradução inglesa.

 

[Página actualizada a 2 de Março de 2020]

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01 de Janeiro, 2020

Autoria e Fontes

Este espaço, nascido a 23 de Julho de 2004, é hoje da autoria de Ovídio Silva (Doutorando em Clássicas) e de alguns colegas da área. Salvo (raras) menções em contrário, os textos são da nossa autoria e escritos com base na nossa pesquisa pessoal.

 

Nesse contexto, uma das coisas que mais nos perguntaram ao longo dos anos passa pelas nossas fontes para determinada informação. Responder a isso implica, necessariamente, explicar que sempre tivemos uma intenção de escrever para um público geral e não especializado, de contar histórias em redor de uma fogueira virtual, e em momentos como esses ninguém minimamente sano saberá apontar, por exemplo, "Ah, sim, isso está no verso 522 do livro 11 da Odisseia de Homero".

No passado tentámos incluir as fontes completas directamente nos artigos, mas depois apercebemo-nos que existiam estudantes que pegavam nessa informação e a usavam como se fosse completamente deles, sem nos darem o devido crédito, sem irem verificar as próprias fontes, e até referenciando obras com as quais nunca tiveram qualquer contacto real, parecendo-lhes estranha a noção de que alguém conheça uma obra lendo-a verdadeiramente.

Para dificultar esse processo intelectualmente desonesto, tratando-se de fontes literárias só as mencionamos quando tal nos parece particularmente relevante para o tema, ou quando tal nos é pedido nos comentários. Para fontes orais é dada somente a informação que a pessoa relatora nos permitir.

 

[Página actualizada a 27 de Fevereiro de 2020]

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