Em busca da lenda da Cruz de Popa
Para a última história portuguesa deste mês decidimos falar de algo muito pouco vulgar, a lenda da Cruz de Popa, na zona de Alcabideche (Cascais). Ou, para sermos mais correctos, uma não-lenda que tomaria esse nome. E temos de lhe chamar isso porque, infelizmente, o local até deve ter uma razão real para esse nome, mas já não conseguimos recontá-la por cá. Passe-se a explicar.
Há uns meses pássamos por um local chamado "Cruz de Popa". Numa das ruas próximas encontrámos uma representação antiga de uma poupa - o pássaro, deixe-se claro - poisada próxima de uma fonte e de um edifício potencialmente religioso, mas já ninguém nos soube falar dessa história ou dizer de onde vinha o nome do local. Na verdade, pouco mais nos souberam informar do que "eu vivo aqui há mais de 80 anos e sempre conheci o local por esse nome". Insistimos. "Sim, havia ali umas ruínas, mas a gente não ligava a nada disso". Só isto.
O mistério desta Cruz de Popa, como já é costume, não pôde deixar de nos fascinar bastante. A representação próxima do local deixa clara a existência de um pássaro (com a penugem acima da cabeça que é bem característica à poupa), por oposição a uma "popa" de qualquer outro tipo (e.g. a parte frontal de um navio, como no caso de Nuestra Señora de la Candelaria de la Popa). Deixa igualmente clara a existência de um cruzeiro, talvez até inserido num espaço religioso maior, que ainda hoje está presente no local. E deixa ainda clara a presença de uma fonte, mas que já não existe, e da qual nem parecem existir, hoje, quaisquer vestígios.
Esta seria, normalmente, a altura em que contávamos como descobrimos a resposta, e qual era, afinal de contas, esta lenda oculta da Cruz de Popa, mas neste caso especifico não foi mesmo possível encontrá-la. Segundo apurámos, em inícios do século XX o cruzeiro estava parcialmente destruído, mas ainda existia uma mina de água no local, onde os habitantes locais tinham por hábito apanhar agriões, levantando a possibilidade da existência anterior de uma fonte, desaparecida em data incerta. Se a lenda original unia, de alguma forma muito significativa, o pássaro à cruz e à fonte, é possível que o desaparecimento parcial destes últimos elementos tenha levado ao esquecimento progressivo de toda a trama. O que, para nós, é muito triste, porque representa a perda de um património cultural irrecuperável, como aquele que algumas vezes ainda tentamos preservar por cá, e que em casos como o da Arranca-Pregos também já se perdeu...