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Mitologia em Português

21 de Março, 2020

Um exemplo de sexualidade na "Carmina Burana"

Neste Dia Mundial da Poesia achámos que também poderíamos escrever sobre algo que dá para sorrir um pouco, a Carmina Burana (i.e. "Canções de [uma cidade chamada] Buria", hoje Benediktbeuern). Por isso, oiçam a música acima. Como a classificariam? Talvez por não a compreenderem, muitos são os ouvintes que a considerariam desinteressante, mas tome-se em atenção parte do refrão:

O! O! Totus Floreo
Iam amore viginali totus ardeo
Novus novus amor est, quod pereo,
Novus novus amor est, quod pereo.

 

O que quer isto dizer? Algo como:

Ó! Ó! Todo eu floresço
Agora, todo eu ardo com amor virginal,
É um novo, novo amor, de que eu morro,
É um novo, novo amor, de que eu morro.

 

O pudor impede-nos de traduzir e explicar aqui o resto (é possível que pessoas mais novas leiam isto...), mas caso ainda não tenham percebido esta canção, a 179 da compilação que ficou conhecida como Carmina Burana, pouco tem de religiosa. É, como algumas outras da mesma fonte literária, de conteúdo sexual, por vezes de uma forma velada, mas outras de uma forma muito mais aberta. Corem, todos aqueles que pensavam que as músicas medievais eram todas elas pouco interessantes e/ou religiosas!

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21 de Março, 2020

"O Conto Tradicional Português no Séc. XXI", Dionísio, e a razão da cara feia do Linguado

Capa do livro

Enquanto pesquisávamos um pouco mais relativamente a um tema anterior encontrámos este livro (gratuito), publicado o ano passado. É uma colectânea interessantíssima, que até pode ser acedida legalmente carregando na imagem acima, e que não podemos deixar de recomendar a quem tiver interesse no tema, ou àqueles que queiram recordar aos seus filhos as histórias de outros tempos. E algumas delas são, admita-se, muito dignas de nota.

 

Existem alguns contos que estão directamente ligados a episódios de romances medievais e, inesperadamente, até à Antiguidade. Um exemplo curioso, provindo de Armação de Pêra, é dado na sequência 227:

Há muitos milhares de anos, um homem que passou a vida na Grécia, quando se sentiu velho regressou à sua velha pátria, a Itália. E resolveu levar consigo uma linda videirinha, pois não se lembrava de ter visto tal plantinha na sua terra natal. Como não tinha vaso para a transportar, utilizou o que tinha à mão: um osso de galo. Esvaziou-o e meteu dentro as raízes, com um pouco de terra.
Ora como se deslocara a pé, demorou tempo a fazer a viagem e a videira cresceu, não teve outro remédio senão mudá-la para um osso de leão, que encontrou pelo caminho. Mas como a planta continuava a crescer, o Dionísio deparou-se com um osso de burro e para lá mudou a planta.
Consta que daquela videira se fizeram muitas outras e por ter ela crescido em tão estranhos vasos, quem beber um pouco desse vinho fica alegre como o galo, quem bebe mais fica forte como o leão e quem muito abusa do vinho perde as ideias e fica estúpido como um burro.

 

A referência à Grécia e Itália, a presença de um osso de leão em terras europeias, e até a referência ao nome de Dionísio, dão-nos a supor uma possível fonte da Antiguidade, mas esta história foi recolhida, oralmente, em Novembro de 2005 em território português, como este livro nos indica.

 

Outro exemplo... algumas histórias aludem à razão pela qual o linguado tem uma boca "ao lado". E que justificação dão a essa característica?

Cara do Linguado

Contam-nos que, dado dia, um Linguado e Nossa Senhora se encontraram num qualquer curso de água. A mãe de Cristo perguntou-lhe "Ó Linguado, a maré desce ou sobe?" Este, gozando-a, pôs cara feia - como na imagem - e limitou-se a repetir a pergunta de volta. Então Maria castigou-o, condenando-o a ficar com essa mesma cara para toda a eternidade.

 

Estes elementos essenciais da história são contados por diversas vezes no livro, mas em versões que lhe dão locais e circunstâncias significativamente distintas*. Esse é, de facto, um aspecto interessante da obra, já que até repete algumas histórias mas em versões diferentes, que nos fazem pensar bastante no cerne comum da própria trama. E, por isso, temos de repetir o que já foi dito acima - "é uma colectânea interessantíssima (...) que não podemos deixar de recomendar a quem tiver interesse no tema".

 

*- Curiosamente, esta mesma história também parece ser contada no Brasil, mas com uma ligeira alteração dos intervenientes - o peixe é uma Maraçapeba, enquanto que os heróis são Jesus e São Pedro.

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