Enquanto pesquisávamos um pouco mais relativamente a um tema anterior encontrámos este livro (gratuito), publicado o ano passado. É uma colectânea interessantíssima, que até pode ser acedida legalmente carregando na imagem acima, e que não podemos deixar de recomendar a quem tiver interesse no tema, ou àqueles que queiram recordar aos seus filhos as histórias de outros tempos. E algumas delas são, admita-se, muito dignas de nota.
Existem alguns contos que estão directamente ligados a episódios de romances medievais e, inesperadamente, até à Antiguidade. Um exemplo curioso, provindo de Armação de Pêra, é dado na sequência 227:
Há muitos milhares de anos, um homem que passou a vida na Grécia, quando se sentiu velho regressou à sua velha pátria, a Itália. E resolveu levar consigo uma linda videirinha, pois não se lembrava de ter visto tal plantinha na sua terra natal. Como não tinha vaso para a transportar, utilizou o que tinha à mão: um osso de galo. Esvaziou-o e meteu dentro as raízes, com um pouco de terra.
Ora como se deslocara a pé, demorou tempo a fazer a viagem e a videira cresceu, não teve outro remédio senão mudá-la para um osso de leão, que encontrou pelo caminho. Mas como a planta continuava a crescer, o Dionísio deparou-se com um osso de burro e para lá mudou a planta.
Consta que daquela videira se fizeram muitas outras e por ter ela crescido em tão estranhos vasos, quem beber um pouco desse vinho fica alegre como o galo, quem bebe mais fica forte como o leão e quem muito abusa do vinho perde as ideias e fica estúpido como um burro.
A referência à Grécia e Itália, a presença de um osso de leão em terras europeias, e até a referência ao nome de Dionísio, dão-nos a supor uma possível fonte da Antiguidade, mas esta história foi recolhida, oralmente, em Novembro de 2005 em território português, como este livro nos indica.
Outro exemplo... algumas histórias aludem à razão pela qual o linguado tem uma boca "ao lado". E que justificação dão a essa característica?
Contam-nos que, dado dia, um Linguado e Nossa Senhora se encontraram num qualquer curso de água. A mãe de Cristo perguntou-lhe "Ó Linguado, a maré desce ou sobe?" Este, gozando-a, pôs cara feia - como na imagem - e limitou-se a repetir a pergunta de volta. Então Maria castigou-o, condenando-o a ficar com essa mesma cara para toda a eternidade.
Estes elementos essenciais da história são contados por diversas vezes no livro, mas em versões que lhe dão locais e circunstâncias significativamente distintas*. Esse é, de facto, um aspecto interessante da obra, já que até repete algumas histórias mas em versões diferentes, que nos fazem pensar bastante no cerne comum da própria trama. E, por isso, temos de repetir o que já foi dito acima - "é uma colectânea interessantíssima (...) que não podemos deixar de recomendar a quem tiver interesse no tema".
*- Curiosamente, esta mesma história também parece ser contada no Brasil, mas com uma ligeira alteração dos intervenientes - o peixe é uma Maraçapeba, enquanto que os heróis são Jesus e São Pedro.