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Mitologia em Português

22 de Março, 2020

Viagem (virtual) às Ruínas Romanas de Conímbriga, Portugal

Conímbriga

De entre os locais que nos ligam à Antiguidade Clássica em Portugal, é possível que as ruínas da antiga cidade de Conímbriga sejam um dos mais notáveis. Portanto, nada como fazer uma pequena viagem virtual a esse local. A cerca de 20 Km da cidade de Coimbra, mais precisamente em Condeixa-a-Nova, os visitantes podem encontrar um pequeno museu e estas famosas ruínas.

O que é curioso, neste caso em particular, é que tanto esse pequeno museu, como grande parte das próprias ruínas, estão disponíveis para uma visita virtual. Acima, por exemplo, pode ser vista a bilheteira e loja do museu, mas se carregarem nas portas do lado esquerdo e do lado direito poderão explorar todo o espaço, e inclusivé ver as muitas coisas que foram sendo encontradas no local. Isto acaba por ser um tanto ou quanto inesperado, na medida que muitos museus internacionais permitem este tipo de visita, mas em Portugal já não é algo assim tão frequente. Fica, por isso, esse convite à exploração pessoal.

Agora, se são muitas as ruínas que podem ser vistas no local, a mais famosa de todas elas é provavelmente a chamada "Casa dos Repuxos". Porém, o mais digno de nota neste segundo recinto é o facto da visita virtual até permitir algo que um passeio físico não permite, por evidentes razões de conservação, que é uma exploração mais directa do espaço. Na verdade, na imagem acima poderão ver, do lado esquerdo, o passadiço por onde é feita a visita, mas explorando, desta forma virtual, o espaço poderão "caminhar" sobre os mosaicos, vendo-os de uma forma muito mais íntima.

O último espaço de hoje mostra-nos parte das ruínas de um antigo anfiteatro da cidade. Se parece já não ter muito para ver, a colocação de bancos modernos não pode deixar de nos recordar o espírito que o recinto teve em outros tempos.

 

Em suma, Conímbriga é um local que merece uma visita física (se possível, até num formato guiado), até porque não está assim tão longe da maioria dos leitores portugueses. Fica o convite a essa visita, quando tal voltar a ser seguro para todos.

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21 de Março, 2020

Um exemplo de sexualidade na "Carmina Burana"

Neste Dia Mundial da Poesia achámos que também poderíamos escrever sobre algo que dá para sorrir um pouco, a Carmina Burana (i.e. "Canções de [uma cidade chamada] Buria", hoje Benediktbeuern). Por isso, oiçam a música acima. Como a classificariam? Talvez por não a compreenderem, muitos são os ouvintes que a considerariam desinteressante, mas tome-se em atenção parte do refrão:

O! O! Totus Floreo
Iam amore viginali totus ardeo
Novus novus amor est, quod pereo,
Novus novus amor est, quod pereo.

 

O que quer isto dizer? Algo como:

Ó! Ó! Todo eu floresço
Agora, todo eu ardo com amor virginal,
É um novo, novo amor, de que eu morro,
É um novo, novo amor, de que eu morro.

 

O pudor impede-nos de traduzir e explicar aqui o resto (é possível que pessoas mais novas leiam isto...), mas caso ainda não tenham percebido esta canção, a 179 da compilação que ficou conhecida como Carmina Burana, pouco tem de religiosa. É, como algumas outras da mesma fonte literária, de conteúdo sexual, por vezes de uma forma velada, mas outras de uma forma muito mais aberta. Corem, todos aqueles que pensavam que as músicas medievais eram todas elas pouco interessantes e/ou religiosas!

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21 de Março, 2020

"O Conto Tradicional Português no Séc. XXI", Dionísio, e a razão da cara feia do Linguado

Capa do livro

Enquanto pesquisávamos um pouco mais relativamente a um tema anterior encontrámos este livro (gratuito), publicado o ano passado. É uma colectânea interessantíssima, que até pode ser acedida legalmente carregando na imagem acima, e que não podemos deixar de recomendar a quem tiver interesse no tema, ou àqueles que queiram recordar aos seus filhos as histórias de outros tempos. E algumas delas são, admita-se, muito dignas de nota.

 

Existem alguns contos que estão directamente ligados a episódios de romances medievais e, inesperadamente, até à Antiguidade. Um exemplo curioso, provindo de Armação de Pêra, é dado na sequência 227:

Há muitos milhares de anos, um homem que passou a vida na Grécia, quando se sentiu velho regressou à sua velha pátria, a Itália. E resolveu levar consigo uma linda videirinha, pois não se lembrava de ter visto tal plantinha na sua terra natal. Como não tinha vaso para a transportar, utilizou o que tinha à mão: um osso de galo. Esvaziou-o e meteu dentro as raízes, com um pouco de terra.
Ora como se deslocara a pé, demorou tempo a fazer a viagem e a videira cresceu, não teve outro remédio senão mudá-la para um osso de leão, que encontrou pelo caminho. Mas como a planta continuava a crescer, o Dionísio deparou-se com um osso de burro e para lá mudou a planta.
Consta que daquela videira se fizeram muitas outras e por ter ela crescido em tão estranhos vasos, quem beber um pouco desse vinho fica alegre como o galo, quem bebe mais fica forte como o leão e quem muito abusa do vinho perde as ideias e fica estúpido como um burro.

 

A referência à Grécia e Itália, a presença de um osso de leão em terras europeias, e até a referência ao nome de Dionísio, dão-nos a supor uma possível fonte da Antiguidade, mas esta história foi recolhida, oralmente, em Novembro de 2005 em território português, como este livro nos indica.

 

Outro exemplo... algumas histórias aludem à razão pela qual o linguado tem uma boca "ao lado". E que justificação dão a essa característica?

Cara do Linguado

Contam-nos que, dado dia, um Linguado e Nossa Senhora se encontraram num qualquer curso de água. A mãe de Cristo perguntou-lhe "Ó Linguado, a maré desce ou sobe?" Este, gozando-a, pôs cara feia - como na imagem - e limitou-se a repetir a pergunta de volta. Então Maria castigou-o, condenando-o a ficar com essa mesma cara para toda a eternidade.

 

Estes elementos essenciais da história são contados por diversas vezes no livro, mas em versões que lhe dão locais e circunstâncias significativamente distintas*. Esse é, de facto, um aspecto interessante da obra, já que até repete algumas histórias mas em versões diferentes, que nos fazem pensar bastante no cerne comum da própria trama. E, por isso, temos de repetir o que já foi dito acima - "é uma colectânea interessantíssima (...) que não podemos deixar de recomendar a quem tiver interesse no tema".

 

*- Curiosamente, esta mesma história também parece ser contada no Brasil, mas com uma ligeira alteração dos intervenientes - o peixe é uma Maraçapeba, enquanto que os heróis são Jesus e São Pedro.

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20 de Março, 2020

O mito das Danaides

Duas Danaides a irem buscar água

O mito das Danaides é relativamente simples, como estas breves linhas irão demonstrar.

 

O rei Danau (ou Dánao) tinha 50 filhas, enquanto que o seu irmão, também ele rei mas de nome Egipto (ou Egito), tinha 50 filhos do sexo masculino. Dado que seria muitíssimo difícil organizar casamentos para essa gente toda, Egipto decidiu que poderia poupar imenso trabalho casando a sua prole com a do irmão. Então, Danau até aceitou esse estranho casamento, mas fê-lo somente com um horrendo plano em vista.

Combinou então com as 50 filhas, colectivamente conhecidas como "Danaides" (i.e. filhas de Danau), que deveriam matar os respectivos maridos na noite do casamento. Todas elas aceitaram o plano, mas apenas 49 mataram os respectivos esposos.

O que aconteceu à última? De seu nome Hipermnestra, a mais velha das filhas do rei decidiu poupar o seu esposo, Linceu (também ele o mais velho de seus irmãos), porque este a tinha tratado muito bem na noite de núpcias.

 

Este é o cerne de todo o mito, mas algumas versões acrescentam dois elementos importantes - por vezes é dito que, anos mais tarde, Linceu viria a matar Danau, vingando-se de todo este horrendo esquema.

Outra versão comum diz que após as suas mortes as Danaides (se 49 delas, ou todas as 50, já não é totalmente claro) foram condenadas a um castigo exemplar no reino de Hades - tinham de retirar água de uma fonte fazendo uso de uma jarra furada. Se esse castigo nos pareceria muito injusto para Hipermnestra, deve ser acrescentado que alguns autores a colocam nos céus, entre as estrelas, sob a forma da constelação do Aquário, em alternativa a Ganímedes.

 

Uma última curiosidade sobre este mito das Danaides. Ainda hoje se vêem muitas fontes neoclássicas em que uma figura humana transporta uma jarra; se essa figura for masculina tende a ser Ganímedes, enquanto que na forma feminina é frequentemente Hipermnestra, podendo ela estar sozinha ou com algumas das suas irmãs.

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19 de Março, 2020

Viagem (virtual) ao Palácio de Minos, em Cnossos (Creta)

Vivemos num mundo crescentemente tecnológico, mas há alguns meses que nos apercebemos que as pessoas tendem a tomar muito pouco partido dessas novas oportunidades. Por exemplo, as tecnologias de hoje permitem-nos visitar locais por todo o mundo sem sair de nossa casa, mas raramente as pessoas o fazem. Então, decidimos tomar partido dessas novas oportunidades para tentar "visitar" alguns locais, começando pelo chamado "Palácio de Minos", em Cnossos (Creta), assim conhecido por uma (falsa) associação com um famoso rei dos mitos gregos. Os mais interessados nestes temas já conhecerão alguns dos frescos presentes neste local, mas o que mais pode ser visto por lá?

Este primeiro local, que podem explorar à vossa vontade, é mesmo em frente ao acesso ao palácio. Do lado direito têm um parque de estacionamento e uma paragem de autocarros, enquanto que do lado esquerdo pode ser vista uma longa recta de lojas e restaurantes. Esta é uma face de todos os monumentos de que raramente nos falam. Mas, depois, foquemo-nos é no próprio palácio.

Aqui tem-se acesso a uma panorâmica generosa do local. Quase ao centro pode ser visto uma espécie de recanto rectangular cuja cor destoa em toda a paisagem branca e verde. Se ampliarem a imagem poderão ver uma pintura no seu interior. Não é, naturalmente, a única que existe em todo este recinto!

Por isso, neste fragmento interior podem ser vistas mais algumas pinturas. Quem decidir prestar alguma atenção extra pode ver, ao fundo da imagem, o famoso fresco de um touro a ser saltado por alguém - e quão pequeno ele é! Existem outras neste mesmo local, se decidirem explorá-lo um pouco mais.

Mas esta pequena visita virtual não poderia terminar sem uma fotografia que vimos e que nos pareceu igualmente digna de nota:

Aqui, outra parte do Palácio de Cnossos pode ser vista num momento em que o sol a toca de uma forma especialmente bela.

 

Claro que esta visita virtual não substitui completamente uma presença física no local, mas dá-nos a possibilidade, agora que muitos de nós estão de quarentena em casa, de aceder a uma pequena parte de um local longínquo sentados no proverbial conforto do nosso sofá. Que vos parece toda esta ideia?

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18 de Março, 2020

"Roma e Pavia não se fizeram num dia", origem e significado

A famosa expressão que dá título ao tema de hoje toma diversas formas, mas as mais famosas de todas elas são provavelmente Roma e Pavia não se fizeram num dia ou Roma não foi feita num dia. Mas, afinal de contas, de onde vem ela e qual o seu significado?

Roma e Pavia não se fizeram num dia

A versão mais antiga que conseguimos encontrar provém de uma obra francesa do século XII chamada Li Proverbe au Vilain, em que pequenos poemas são seguidos por uma expressão popular. Entre elas conta-se a seguinte sequência digna de nota:

Mainz hon est si hastis,
Quant rien a entrepris,
Tantost veut a chief traire;
Le suen despent et gaste
Et si pert par sa haste
Le plus de son afaire.
Rome ne fu pas fait toute en un jour,
ce dit li vilains.

 

Traduzir o poema em si não é tarefa fácil, mas o que nos importa são os dois últimos versos, em que é dito que "Roma não foi feita toda num dia, isso diz o camponês". Por aí se compreende que esta era uma expressão popular, usada entre as populações da época, de onde foi chegando aos nossos dias.

 

No entanto, há um elemento que falta nesta expressão - de onde vem a referência a Pavia, possivelmente em alusão a uma pequena cidade do norte de Itália? Não parece fazer muito sentido, excepto se tivermos em conta a necessidade de fazer toda a expressão rimar, o que torna mais fácil relembrá-la; assim, ela foi introduzida na versão portuguesa do provérbio original para dar uma rima à palavra "dia", não se pretendendo, naturalmente, equipará-la à grandeza da Cidade Eterna.

 

Independentemente da sua forma, a expressão que entre nós ficou conhecida como Roma e Pavia não se fizeram num dia tem um só e o mesmo significado - as coisas grandiosas não são fáceis nem rápidas de fazer, requerem tempo e esforço.

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17 de Março, 2020

E... as "Nove da Fama"!

Há algumas horas que escrevemos aqui sobre os "Nove da Fama", um conjunto de heróis muito famosos na Idade Média. Contudo, existia também um outro grupo, aparentemente mais tardio, composto por nove heroínas. Se separamos os dois temas não é por uma questão de qualquer sexismo, mas por um problema notável - se o anterior parece ter estado bem fixo na cultura da época, já a composição deste potencial grupo de heroínas é muito instável.

Uma amazona ficcional dos nossos dias

Quem eram elas? Não sabemos dizer, por termos encontrado os mais diversos grupos, frequentemente com um único elemento comum - três mulheres pagãs, três judias e três cristãs. Desde Pentesileia a Elisa Dido, passando por Santa Helena (mãe do Imperador Constantino I), Maria, ou a Judite do Antigo Testamento, esses grupos contêm mulheres famosas pela sua castidade, pela sua proeza na guerra, pelos seus valores cristãos, ou são apenas Amazonas, não existindo - como já foi dito - qualquer vector comum estável entre os diversos agrupamentos que fomos vendo.

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17 de Março, 2020

Os "Nove da Fama" e o Livro do Armeiro-Mor

Muitos são os heróis da Antiguidade e da Idade Média de que ao longo dos anos fomos escrevendo por cá. Claro que alguns são mais famosos que outros, mas existe um determinado grupo de figuras que se foram tornando imortais ao longo dos séculos, dada a sua enorme fama. Talvez um leitor comum já não conheça Linceu, o Imperador Clarimundo ou Palmeirim de Oliva, mas certamente que conhece Aquiles, Ulisses ou Dom Quixote. E isso pode, de certo modo, levantar uma questão - se conhecemos essas figuras, hoje, que outros grandes heróis foram sendo admirados ao longo dos séculos?

 

Deixando esse tema de lado por um breve momento, foquemo-nos num livro compilado no reinado de D. Manuel I, o Livro do Armeiro-Mor. Essencialmente, tinha por objectivo preservar e sistematizar os brasões das principais famílias nacionais. Por exemplo, este era o brasão de um tal Diogo Rodrigues Butilher:

Armas de Diogo Rodrigues Butilher

Muitos outros poderão ser encontrados na mesma obra, acessível na hiperligação já publicada acima, mas a referência a esta obra em particular nasce do facto de principiar com uma referência aos chamados "Nove da Fama", um conjunto de heróis que na Idade Média se considerava que tinham as características de um grande cavaleiro. Por isso, para voltar ao tema anterior, quais eram eles?

 

O Livro do Armeiro-Mor menciona, por esta ordem, as figuras de Josué (duque), Rei David, Judas Macabeu (duque), Rei Alexandre [Magno], Heitor (duque), Júlio César, Rei Artur, Carlos Magno e Godofredo de Bulhão. Os mais atentos poderão notar a presença de três subgrupos, compostos por uma tríade da Antiguidade Clássica, três figuras judaicas e três figuras cristãs. Muito se poderia discutir em relação à presença (ou ausência) de alguma figura específica, mas havia, na Idade Média, um conjunto de razões para a fama por detrás de cada um destes heróis - por exemplo, o Heitor medieval é uma figura significativamente diferente do herói da Ilíada, enobrecida por diversos romances, enquanto que Godofredo de Bulhão (hoje bastante esquecido!), foi um dos líderes da primeira cruzada que conquistou Jerusalém.

 

É curioso que alguns destes heróis continuem famosos nos nossos dias, enquanto que outros tenham sido esquecidos. De certo modo, faz-nos pensar nos heróis dos nossos dias, e na forma como também eles poderão vir a ser considerados nos séculos futuros...

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16 de Março, 2020

Um canto 13 da "Eneida"

Quem já tiver lido a Eneida saberá que a obra tem hoje 12 cantos, seis deles semelhantes à Odisseia e outros seis que seguem o modelo temático da Ilíada. Quem a quiser ler conhecendo esta estrutura saberá, sem quaisquer dúvidas, que a obra foi escrita com um propósito de seguir os modelos dos Poemas Homéricos, mas tomando partido de um tema completamente latino. Contudo, quem quiser ler toda a obra da mesma forma como o faria para uma obra literária dos nossos dias acabará por deparar-se com um problema notável - a história não tem um verdadeiro final.

Eneias e Turno

Se a trama da Eneida segue as aventuras do herói titular quase desde que ele foge de Tróia até ao momento em que derrota o Rei Turno, aos leitores dos nossos dias poderá parecer um tanto ou quanto estranho que não exista um verdadeiro término da narrativa, um qualquer momento em que seja possível dizer "ah, okay, acaba assim". A morte de Turno é uma espécie de espelho da morte de Heitor, mas alguns leitores poderão achá-la, de um ponto de vista puramente literário, muito pouco recompensadora.

 

Foi com vista a colmatar esse problema virtual que Maffeo Vegio, já nos inícios do século XV, decidiu escrever um poema que ficaria conhecido com o nome de décimo terceiro canto da Eneida, uma espécie de suplemento ao poema de Virgílio. Esta espécie de sequela tem pouco mais de 600 versos, mas a sua intenção é clara - contar o que aconteceu a Eneias depois do último verso do poema virgiliano.

Vegio prossegue então a história com três novos episódios - o funeral de Turno, o casamento do herói com Lavínia, e a sua posterior colocação entre os deuses. Os versos finais do seu poema até nos remetem claramente para o grande objectivo da sua obra - [Vénus] coloca entre as estrelas o seu Eneias e daqui vem que o Povo Júlio lhe chama deus, o honra e o serve em templos.

 

Claro que este não é um verdadeiro canto 13 da Eneida, quanto mais não seja pela autoria distinta, mas a forma como reaproveita o texto virgiliano, procurando completá-lo para uma nova audiência com novas expectativas, é surpreendente.

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14 de Março, 2020

Três mitos gregos de doenças e pragas, um deles pouco conhecido

Em tempo de Coronavírus, e parcialmente inspirado pelo que já foi feito em outros locais, decidimos tentar publicar um novo tema a cada dia até ao final do mês. Por agora, achámos que podíamos contar três pequenas histórias gregas que envolvem doenças e pragas.

A Praga da Ilíada

Na verdade, existe um número bastante grande de mitos gregos que envolvem estes temas. Têm, normalmente, um primeiro aspecto comum, que passa pelo facto de um determinado herói, quando confrontado com uma situação dessa natureza, ir consultar um oráculo, que lhe diz que tem de realizar um dado feito para que a doença seja afastada da população. Mas, dito apenas assim, isto teria pouco interesse. Por isso, três casos específicos:

 

Um dos exemplos mais famosos é o caso de Édipo. Após ter morto o seu pai e casado com a sua verdadeira mãe, o herói tornou-se rei de Tebas. Quando a cidade foi afectada por uma praga, ele jurou que faria tudo o possível para a resolver. Com a ajuda de um profeta (ou, noutras versões, de um Oráculo de Apolo), lá veio a descobrir que o culpado era ele próprio. Ups!

 

Um segundo exemplo é igualmente famoso - no primeiro canto da Ilíada o acampamento dos Gregos é afectado por uma praga enviada pelo deus Apolo. Essa praga foi resolvida quando Crises foi devolvida ao seu pai, que era um sacerdote do deus. A cena pode ser vista na pintura acima, mas é curioso que outras versões do mito tenham atribuído uma origem diferente a esta doença, dizendo que os deuses estavam descontentes com a morte de Palamedes. Em ambos os casos, as entidades divinas andavam metidas ao barulho.

 

Mas o terceiro exemplo de hoje é... algo mais inesperado. Os Gregos da Antiguidade acreditavam verdadeiramente nestas histórias. Então, quando no ano de 430 a.C. a cidade de Atenas foi atacada por uma praga desconhecida, alguns dos habitantes locais decidiram pedir a ajuda do Oráculo de Delfos, aumentar os sacrifícios aos deuses, e outras coisas que tais. Não temos uma completa certeza se isso terá ajudado de alguma forma, mas... tendo em conta que a praga voltou nos anos seguintes, é provável que os deuses estivessem mesmo bastante descontentes.

 

Esse aspecto miraculoso, essa ligação ao divino, tão presente em diversos mitos gregos, tinha, no seu cerne, um elemento de verdade significativa. Talvez não fosse tanto a necessidade de se sacrificar aos deuses, mas de saber aceitar que existem algumas coisas nas nossas vidas que, enquanto seres humanos, não podemos controlar. Escapam completamente às nossas mãos. E, por isso, como não somos Édipo ou algum outro herói dos seus tempos, talvez o melhor seja mesmo ficar em casa, por agora. Deixamos esse convite.

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