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Mitologia em Português

13 de Março, 2020

A lenda de Santiago de Compostela

Recentemente alguém aqui quis saber a lenda de Santiago de Compostela *. A tradição atribui a essa cidade de Espanha a presença do túmulo de São Tiago**, um dos apóstolos de Jesus Cristo, mas que lenda aí se esconde?

Catedral de Santiago de Compostela

Resumidamente, após a morte e ressurreição de Jesus Cristo os diversos apóstolos - com a evidente excepção de Judas, o traidor - foram pregar a mensagem do seu Salvador por todo o mundo. Nesse seguimento, a tradição medieval diz-nos que São Tiago veio para a Ibéria, onde pregou a sua mensagem divina aos habitantes locais, antes de retornar a terras de Jerusalém, onde - como nos é dito nos Actos dos Apóstolos, por contraste com as fontes apócrifas do resto da mesma lenda - acabaria por ser decepado por ordem de Herodes Agripa.

Mas a lenda não fica por aqui. Ela também nos diz que após a morte de São Tiago alguns anjos transportaram o corpo deste mártir para um barco - uma ocorrência comum nas lendas da época - e fizeram com que, pelo que apenas pode ser considerado um completo milagre, este fosse parar à costa noroeste de Espanha. Em seguida, as mesmas entidades divinas levaram-no para uma caverna e taparam a entrada com uma enorme pedra. E depois, já em inícios do século IX, o local foi descerrado pelo bispo Teodomiro de Iria - uma estrela miraculosa conduziu-o ao local, segundo a história local - levando às grandes peregrinações agora associadas à cidade de Santiago de Compostela.

 

Será tudo isto verdade? Ou será que, pelo menos, tem um fundo de verdade? Há quem jure eternamente que sim. Há quem o negue repetidamente. Mas, ao fim ao cabo, como é muito comum nestas circunstâncias, trata-se tudo de uma grande questão de fé.

 

*- Uma curiosidade adicional, sobre "Compostela" - segundo a lenda, a cidade obteve esse nome através do Latim campus stellae, "o campo da estrela", em honra da estrela que se afirma que conduziu o bispo Teodomiro até ao local de enterramento do santo.

**- Na verdade, e como apontado por Pedro Oliveira nos comentários, o nome original deste santo não era "Tiago", mas sim "Iago". O seu nome na versão grega do Novo Testamento era Ἰάκωβος (algo como "Jacobo" ou "Jacó"), mas ao longo dos séculos parece ter sido corrompido para "Iago", e pela forma "Sant'Iago" levou ao Santiago dos nossos dias. Assim, usamos aqui o nome de "São Tiago" não porque ele esteja completamente correcto, mas porque é a forma mais comum adoptada nos nossos dias, salvo em excepções como "Sant' Iago da Espada" (i.e. o "Mata-mouros").

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13 de Março, 2020

Qual o verdadeiro significado de "Avada Kedavra"?

A expressão Avada Kedavra é particularmente famosa nos nossos dias devido à sua ocorrência nas aventuras de Harry Potter. Mas qual é o seu significado no mundo real? Qualquer leitor das obras de J. K. Rowling saberá que, nas obras de ficção, se trata de um dos feitiços mais dolorosos e mortais presentes nas aventuras do jovem feiticeiro, usado por Lord Voldemort, e até banido pelo Ministério da Magia. E, de um modo geral, os feitiços da série estão em Latim, ou são de alguma forma derivados da língua latina, mas este é diferente... Este é uma excepção a essa regra, como até deveria ser fácil entender pelo estranho som das suas palavras, muito mais difíceis de dizer do que os restantes feitiços recitados durante as diversas aventuras em Hogwarts.

Qual o significado de Avada Kedavra?

Na verdade, o significado de Avada Kedavra não vem do Latim, mas sim do Aramaico (i.e. um conjunto de línguas faladas na Antiga Síria e Mesopotâmia). E, originalmente, a expressão aparecia em textos mágicos, em que significava algo como "que [a doença, infere-se pelo contexto] seja destruída". É esse elemento destrutivo, mas agora privado da referência a alguma doença específica, que foi reutilizado pela autora de Harry Potter.

Porém, esta pequena história ainda não fica por aqui. Naturalmente que J. K. Rowling não fala Aramaico, mas então como terá ela conhecido estas invulgares palavras, que depois reutilizou na sua obra? Bem, segundo diversos autores, a palavra Abracadabra, muito utilizada na magia lúdica dos nossos dias, tem a sua origem na Antiguidade. Qual é a sua origem concreta, em específico, não é ainda claro, existindo muita disputa na sua possível etimologia, mas é provável que esta escritora tenha tomado conhecimento da expressão original, aquela que falamos neste artigo, numa pesquisa pessoal pela mais famosa das expressões mágicas dos nossos dias. E, depois, utilizou-a nas suas obras, fazendo deste um feitiço particularmente poderoso talvez até para homenagear a fama da expressão original; essa reutilização de conteúdos é recorrente na obra, como também pode ser constatado no caso do hipogrifo.

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11 de Março, 2020

Toda a verdade sobre Lilith, a "primeira esposa de Adão"

Achámos que seria importante mostrar o que é - e o que não é - verdade na sequência mais famosa de um "mito" associado à figura de Lilith, uma espécie de história nunca contada de uma figura conhecida por supostamente ter sido a primeira esposa de Adão. Fazêmo-lo porque há alguns dias nos envolvemos numa pequena controvérsia com um novo livro sobre essa figura, que mantém e perpetua as fantasias do costume. Portanto, indo ao que importa.

Lilith e a serpente

Se existiram, ao longo dos séculos, várias referências ao nome desta figura, a primeira fonte literária que a associa a Adão é o Alfabeto de Ben-Sira, possivelmente dos século VIII-X da nossa era. Este facto é muito repetido, repetido até à exaustão e fantasiado até mais não, muitas vezes num horrendo discurso anti-homens e pró-mulher que nunca parece ter ouvido falar de "igualdade de géneros". Mas, convenientemente, nunca é contado aos leitores o resto da história. Apresente-se sucintamente o Alfabeto de Ben-Sira e veja-se onde isso nos leva:

 

O texto começa com a concepção miraculosa de Ben-Sira. O pai dele, Jeremias, foi forçado a masturbar-se numa casa de banhos, sob pena de ser sodomizado. Mais tarde, quando a sua própria filha foi a essas mesmas termas, engravidou do sémen do próprio pai. Sete meses depois deu à luz uma criança com dentes e capaz de falar desde a sua primeira hora, que desde tenra idade se mostrou muito sábio.

Algumas páginas depois Ben-Sira quis aprender a Tora, os textos sagrados do Judaísmo. Um professor disse-lhe que ainda era muito novo, seguindo-se uma sequência em que tenta dar um conjunto de instruções ao pupilo. Nesta sequência, a cada instrução o pupilo responde com uma frase de sabedoria e o professor parece supor que ele sabe algo de muito secreto. Alguns exemplos, que aqui traduzimos para Português:

 

O professor disse-lhe, "Diz alef. [i.e. a primeira letra do alfabeto hebraico]"

Ben-Sira respondeu "Abstém-te de te preocupares no teu coração, porque as preocupações já mataram muitos."

O professor entrou imediatamente em pânico - "Eu não tenho qualquer preocupação no mundo", disse, "excepto o facto da minha mulher ser feia."

(...)

"Diz mem" [ordena o professor].

[Ben-Sira responde] "São húmidos, doces e revigorantes, os sucos de uma jovem mulher. Mas os de uma idosa são amargos como fel. Eles esgotam a tua potência, como um poço cujas águas foram secadas pelo vento."

(...)

"Diz tav" [ordena o professor].

[Ben-Sira responde] "Compra muito ouro para ti mesmo, tudo o que for riqueza. Mas nunca digas a uma mulher onde estão as tuas riquezas, nem mesmo se ela for uma boa mulher."

 

Essencialmente, e de um modo geral, esta sequência tem um carácter misógino. Esse é um dos elementos que caracteriza a obra, uma misóginia evidente. Mas, depois, a trama continua com um relato da forma como Ben-Sira foi aprendendo a Tora, sendo dito que "pelo sétimo ano de vida não havia nenhum tema, grande ou pequeno, que ele não tivesse estudado". Essa sabedoria chegou aos ouvidos do rei da Babilónia, Nabucodonosor, que decidiu testá-lo. Seguem-se várias páginas em que Ben-Sira é testado, até que o monarca decide colocar-lhe 22 questões. A mais famosa de todas elas é a quinta, que surge quando o filho de Nabucodonosor fica doente, e que aqui traduzimos para Português:

 

Ben-Sira sentou-se imediatamente e escreveu um amuleto com o Nome Sagrado, em que inscreveu os anjos encarregados da Medicina pelos seus nomes, formas e imagens, e pelas suas asas, mãos e pés. Nabucodonosor olhou para o amuleto e perguntou - "Quem são eles?"

"Os [três] anjos encarregados da medicina. Depois de Deus ter criado Adão, que estava sozinho, Deus disse 'Não é bom para o homem estar sozinho'. Então criou uma mulher para Adão, feita de terra, como tinha criado Adão, e chamou-lhe Lilith. Adão e Lilith começaram imediatamente a lutar. Ela disse 'eu não ficarei por baixo', e ele respondeu 'Eu não ficarei por baixo, mas apenas por cima. Porque tu só és apta para a posição de baixo, enquanto que eu devo estar na superior'. Lilith respondeu-lhe 'Somos iguais um ao outro, pois ambos fomos criados da terra.' Mas eles não se ouviam um ao outro. Quando Lilith se apercebeu disto, ela pronunciou o Nome Inefável e voou para o ar. Adão rezou ante o Criador, 'Soberano do universo!', disse, 'a mulher que me deste fugiu.' De imediato Deus enviou estes três anjos para a trazerem de volta.

Deus disse a Adão, 'Se ela aceitar voltar, perfeito. Se não, deve permitir que 100 das suas crianças morram a cada dia.'  Os anjos afastaram-se de Deus e seguiram Lilith, que apanharam no meio do mar, nas águas em que os egípcios estavam destinados a se afogarem. Eles contaram-lhe a palavra de Deus, mas ela não quis voltar. Os anjos disseram-lhe 'Iremos afogar-te no mar.'

'Deixem-me!', respondeu. 'Eu fui criada apenas para causar doenças às crianças. Se a criança for masculina, irei ter domínio sobre ela oito dias após o nascimento; se for feminina, por vinte dias.'

Quando os anjos ouviram as palavras de Lilith insistiram que ela voltasse. Mas ela jurou-lhes pelo verdadeiro nome de Deus Eterno: 'Sempre que eu vos vir, aos vossos nomes ou às vossas formas num amuleto, não terei poder sobre essa criança.' Ela também concordou em ter 100 das suas crianças mortas a cada dia. Dessa forma, a cada dia 100 demónios morrem, e pela mesma razão escrevemos os nomes dos anjos nos amuletos de crianças jovens. Quando Lilith vê os seus nomes, ela lembra-se do seu juramento e a criança recupera'.

 

Esta história é raramente apresentada assim, na forma completa desta primeira fonte literária, porque fazê-lo implicaria mostrar que Lilith não é somente uma figura bíblica que recusou subjugar-se ao marido. É muito mais que isso, a não ser que se pretenda ocultar metade da questão, como, infelizmente, demasiados livros misândricos adoram fazer. De facto, a verdade por detrás de toda essa história é facilmente perceptível se o mito for apresentado no contexto original. Volte-se, por isso, ao facto de esta ser apenas uma das 22 questões colocadas por Nabucodonosor a Ben-Sira. De que falam as restantes? Podemos resumir os seus conteúdos de forma muito breve:

1- Salomão gostava da Rainha de Sabá, mas ela era muito peluda. Então, esse rei criou uma mistura depilatória que lhe fez cair o pêlo todo, antes de fazer amor com ela.

2- As 30 árvores que existiam no jardim de Nabucodonosor. Ben-Sira enuncia-as sem nunca as ter visto.

3- Uma espécie de jogo da cabra-cega.

4- O rei tenta enganar Ben-Sira para o matar, mas sai ele próprio enganado.

5- (Já visto acima, contém o relato sobre Lilith)

6- A filha do rei, que sofria de flatulência quase infindável, é curada.

7- "Porque foram os traques criados?"

8- Uma questão sobre o pêlo.

9- "Porque foram os mosquitos criados?"

10- "Porque foram criadas as vespas e as aranhas?"

11- "Porque é que o boi não tem pêlo debaixo do nariz?"

12- "Porque é que o gato come o rato?"

13- "Porque é que o burro urina na urina de outro burro, e cheira o seu próprio excremento?"

14- "Porque é que o cão e o gato são inimigos?"

15- "Porque é que o cão dá atenção ao seu dono, mas o gato não?"

16- Sobre a boca do rato

17- "Porque é que o corvo parece baloiçar ao andar?"

18- "Porque é que o corvo copula pela boca?"

19- "Porque não existem peixes semelhantes à raposa e à doninha?"

20- "Porque razão os descendentes de um dado pássaro não morrem?"

21- "Quem são aqueles que não são afectados pela morte?"

22- "Porque é que a águia voa mais alto que os outros pássaros?"

 

A maioria destas questões tem um aspecto comum - apresentam um contexto bíblico, ao qual depois acrescentam elementos completamente ficcionais. As linhas finais da questão número 21, por exemplo, relatam a expulsão do Paraíso, mas depois acrescentam-lhe um episódio adicional, em que Eva oferece parte da maçã aos outros animais (que a comem). Um único pássaro rejeita fazê-lo, criticando a mulher, e então Deus concede-lhe a imortalidade somente a ele, por ter respeitado as mesmas regras que todos os outros quebraram.

 

Inserida assim, no seu contexto original, a história de Lilith, enquanto suposta "primeira esposa de Adão", "sagrado feminino", ou até "mulher primordial", torna-se muito diferente. É uma mera fantasia por parte do autor (anónimo), que ao longo de toda a sua obra pega em vários momentos dos textos do Antigo Testamento e lhes acrescenta novos eventos, quase sempre com resultados puramente satíricos, que ainda por cima ocorrem numa obra de contornos misóginos.

Qualquer pessoa, independentemente do seu género, saberá reconhecer que numa obra satírica não se poderá considerar um punhado de frases como completamente reais e, ao mesmíssimo tempo, descartar todas as outras como grandes mentiras. Fazê-lo é enganar os leitores, demasiadas vezes em favor do seu próprio bolso e de lhes vender uma ideia infame, infelizmente já tão comum em obras sobre esta figura, de que os homens são umas bestas e as mulheres são as mais puras deusas, vilificadas por toda a sociedade patriarcal desde o início dos tempos.

A autora desse livro, que aqui ficará sem nome, assim o disse, quando nos revelou que o seu era um texto "talvez surrealista a partir da minha experiência de MULHER e onde os homens NÃO ENTRAM porque como é obvio não entendem nada, de facto de mulheres…Lilith é uma experiência no amago da mulher e nenhum homem a pode entender intelectualmente".

E, para terminar (que as linhas de hoje já vão longas), esse é um sexismo muitíssimo triste que a figura de Lilith é demasiadas vezes apropriada para apoiar. Ela não é uma figura que os homens invejosos procuraram esconder debaixo do proverbial tapete, não é uma pobre coitada que recusou acatar as ordens de um homem, é - repetindo o que aqui já foi dito há uns anos - "somente uma história fictícia medieval", que até então jamais tinha sido considerada esposa de Adão, e que surge numa obra ficcional com um contexto marcadamente misógino e satirico.

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11 de Março, 2020

Qual a origem e significado da expressão "macaco de imitação"?

Três Macacos

Sobre a origem e significado da expressão macaco de imitação, contaram-nos esta pequena história há alguns dias. Segundo a pessoa, teria existido, em outros tempos e terras da África, um homem que vendia chapéus. Um dia, adormeceu debaixo de uma árvore e uns macacos que residiam na mesma roubaram-lhe os muitos produtos que ainda tinha para venda. Desconhecendo como os poderia recuperar, num gesto de completa frustração e rancor atirou o seu próprio chapéu ao chão, levando, inesperadamente, a que os macacos fizessem o mesmo. Recuperou então os seus chapéus e foi à sua vida.

 

Terá sido esta história, ou uma a ela semelhante, a origem da expressão "macaco de imitação", ou macaquinho de imitação? O facto de ela também existir em outras línguas, associada a diferentes animais - recorde-se, por exemplo, o termo inglês copycat - pode dar a entender que deriva do hábito que diversos animais têm de copiar as acções dos outros, sejam eles os da própria espécie (como no caso do gato), ou de outras (como no macaco). No caso português acima, a semelhança entre o macaco e o próprio ser humano é notável, sendo possível que esta história, ou uma outra a ela semelhante, tenha sido inventada para tornar essa semelhança ainda mais notável.

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08 de Março, 2020

O que acontecia se um romano viesse aos nossos dias? O filme "Thermae Romae"

Há dias passámos por um evento em que tivemos a oportunidade de ver o filme Thermae Romae, de 2012, baseado numa manga japonesa do mesmo nome.

Capa da obra

O filme, no original  テルマエ・ロマエ, conta a história de uma personagem ficcional, um tal Lúcio Modesto, construtor de termas do século II d.C., que após muito ter estudado se encontrou sem ideias para inovações na sua área de trabalho. Através de miraculosos acidentes numa terma é repetidamente transportado entre o tempo do Imperador Adriano e o Japão dos nossos dias, que acaba por lhe servir de inspiração para novas criações.

É um filme interessante, que dá para rir um pouco com o choque de culturas, mas que também tem alguns pequenos fundos de verdade histórica. Se tiverem cerca de 100 minutos livres e o conseguirem encontrar em exibição, podemos admitir que é uma experiência inesperadamente agradável. Também tem uma sequela, mas ainda não a conseguimos ver.

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06 de Março, 2020

Precisamos da VOSSA ajuda!

:)

Gostaríamos de pôr uma pequena questão a todos leitores e visitantes - o que gostariam de ver neste espaço? Que temas gostariam de ver tratados? Existe alguma coisa que sempre quiseram saber?

Não é preciso nada de muito complicado ou que tome muito do vosso tempo, bastará que nos enviem as vossas opiniões por e-mail, ou que deixem um pequeno comentário ali em baixo. Precisamos desse feedback para afinar quais são os temas em que nos devemos focar mais no futuro!

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05 de Março, 2020

A Guerra de Tróia da Marvel

Numa altura em que os filmes da Marvel e da DC têm andado "em alta" pensámos que poderíamos falar aqui de uma banda desenhada, lançada originalmente em 2009, em que as figuras centrais não são os costumeiros superheróis, mas sim os muitos heróis da Guerra de Tróia.

 

Ao longo dos seus cinco volumes, esta breve colecção chamada The Trojan War no original e escrita por Roy Thomas, conta todos os principais eventos da Guerra de Tróia, desde o momento em que Zeus decide causar todo o conflito até ao regresso a casa dos vários heróis gregos. Se, por um lado, nos fascinou o facto de quase não existirem divergências significativas face ao que ainda hoje sabemos da história original (e.g. Térsites tem um papel ligeiramente maior), por outro o espaço dedicado aos vários eventos varia bastante. Por exemplo, veja-se este cerne do Julgamento de Páris:

Julgamento de Páris neste comic da Marvel

Ao mesmo tempo, os autores dedicam várias páginas aos episódios de Pentesileia, mas as aventuras de Mémnon, pouco depois, já só ocupam uma única folha. A Ilíada, essa, é toda ela resumida numa só página, o que até faz algum sentido, porque a mesma empresa já tinha lançado uma versão ilustrada dessa obra de Homero no ano antes.

 

Em suma, esta parece ser uma banda desenhada muito interessante para quem tem interesse nos mitos gregos, pela forma como comprime, em cinco pequenos volumes (mas sem que se perca o conteúdo original), toda a história do conflito troiano. Para quem a quiser adquirir, já não é fácil de encontrar à venda em formato físico, mas parece ainda estar disponível digitalmente no site da Marvel.

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05 de Março, 2020

Quem era o deus da morte na Mitologia Grega?

Na Mitologia Grega, como na dos Romanos, existiam deuses para tudo e mais alguma coisa. Zeus, por exemplo, era pai dos deuses mas também o responsável pelas trovoadas; Ares era deus da guerra; Artémis deusa da caça; e assim por diante. Porém, isto pode suscitar uma questão - quem era o deus da morte na Mitologia Grega, e/ou o deus grego da morte?

O deus da morte dos Gregos?

Bem... a resposta não é tão óbvia como poderia parecer, porque os Gregos tinham um deus dos mortos e um deus da morte, cada um desses dois com a sua tarefa específica.

Hades era o deus dos mortos, por ser aquele a quem calhou o reino dos mortos para governar, como Zeus recebeu os céus e Poseidon os mares, aquando da divisão do mundo entre esses três irmãos divinos. Portanto, tudo o que existia depois desta vida era da sua competência, e ele é que administrava o submundo e tudo o que diz respeito a esse domínio. Ele não tem uma presença muito assídua nos mitos, mas uma excepção bastante notável pode ser encontrada na história de Orfeu e Eurídice.

Porém, o deus da morte na Mitologia Grega era Tânato, na medida em que essa figura - que era, deixe-se muito claro, um dos muitos subalternos de Hades, rei do submundo - é que tirava a vida ás pessoas, sendo uma das principais encarregadas - juntamente com o deus Hermes - de transportar os seus espíritos até ao estranho reino onde habitavam todos os mortos. Também esta figura não aparece em muitos mitos, mas Sísifo capturou-a numa dada altura, naquele que é provavelmente a aventura mais famosa associada a este deus.

 

Ou seja, simplificando, Tânato era quem levava as pessoas para o reino dos mortos, que era administrado por Hades (e, mais tarde, pela sua nova rainha, Perséfone/Proserpina). O primeiro era o deus da morte, enquanto que o segundo era o deus dos mortos, não devendo as duas figuras ser confundidas - o deus da morte na Mitologia Grega era Tânato!

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04 de Março, 2020

Carpe diem - origem, significado e tradução

Carpe diem é uma daquelas expressões latinas muito famosas, que quase toda a gente conhece mas cuja origem, significado e tradução poucos parece compreender realmente. Muitos parecem conhecê-la do filme O Clube dos Poetas Mortos, e pouco mais que isso. Por essa razão, qual foi a sua origem, o seu significado em Português, e como pode esta expressão ser traduzida para a nossa língua?

Carpe diem, o seu signficado e tradução!

Esta expressão pode ser traduzida de uma forma literal para Português como "Aproveita o dia!" - e, se alguém estiver curioso, já a expressão "Aproveita a noite!" poderia ser traduzida para Latim como carpe noctem. Nesse sentido, ambas as expressões querem dizer significativamente o mesmo, i.e. que devemos fazer o melhor possível com o que tempo que temos disponível, que devemos saber aproveitar cada instante das nossas vidas - seja durante o dia ou mesmo durante cada uma das noites que vivemos.

 

Agora, se esta expressão se tornou renovadamente famosa no filme Dead Poets Society, qual é a sua verdadeira origem? Se a ideia já o antecede em vários séculos, estas palavras específicas aparecem pela primeira vez no primeiro livro das odes do poeta romano Horácio (a ordem dos poemas tende a variar de edição para edição), em que no original latino é dito precisamente o seguinte:

Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
temptaris numeros. ut melius, quidquid erit, pati.
seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi
spem longam reseces. dum loquimur, fugerit invida
aetas: carpe diem quam minimum credula postero.

Naturalmente que a última frase é a que nos interessa especialmente aqui. Ou seja, neste seu contexto original, ela significa algo que pode ter por tradução algo como "aproveita o dia [de hoje], confia no mínimo no dia seguinte".

Neste contexto original, a agora-famosa expressão instava-nos então não só a que apreciássemos cada novo dia, a aproveitar o presente, mas que o fizéssemos igualmente num contexto em que não deveríamos deixar as coisas que temos para fazer para uma altura posterior. Isto contrasta um pouco com a ideia dos nossos dias, em que a expressão é tomada para significar que devemos aproveitar cada dia como se fosse o último, como se não houvesse amanhã, mas no sentido não de o aproveitar para o que temos para fazer, mas sim para nos divertirmos e fazermos aquelas coisas que sempre quisemos fazer.

 

É natural que esta... digamos, este corrompimento do significado original de carpe diem, tenha surgido de uma citação descontextualizada, como acontece no filme, o que induz em erro aqueles que procuram o seu significado original.

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03 de Março, 2020

Que práticas do Paganismo continuaram na Idade Média? Alguns exemplos...

Se existe uma palavra que bem poderá definir a Idade Média ocidental é "Cristianismo". Porém, se nessa altura a maior parte das pessoas já tinha abandonado as religiões ditas "pagãs", havia igualmente um conjunto de práticas do Paganismo que continuavam a tomar lugar. A informação presente na obra Da Correcção dos Rústicos, de São Martinho de Dume, é um dos exemplos portugueses mais eminentes, mas também existiram muitos outros autores que se preocuparam com essa interrelação, essa fusão de crenças, que lhes parecia abominável.

 

Um exemplo particularmente curioso do problema está preservado num texto de autoria anónima conhecido como Indiculus superstitionum et paganiarum. Pensa-se que terá sido composto antes do século IX da nossa era, mas o que o torna especialmente digno de nota é o facto de ter sido quase totalmente perdido. Na verdade, não nos chegaram quaisquer fragmentos das suas linhas, com uma excepção totalmente inesperada - o índice, que nos apresenta os 30 capítulos que compunham a obra original. Optámos por traduzi-los para Português, dada a sua importância para o tema aqui em questão:

 

  1. Do sacrilégio nos sepulcros dos mortos.
  2. Do sacrilégio em relação aos que já partiram, ou seja, dadsisas*.
  3. Da Spurcalia em Fevereiro.
  4. Das pequenas casas, ou seja, santuários.
  5. Dos sacrilégios com ligação às igrejas.
  6. Dos rituais sagrados dos bosques, a que chamam nimidas**.
  7. Das coisas feitas sobre as pedras.
  8. Dos rituais sagrados de Mercúrio e de Júpiter.
  9. Dos sacrifícios oferecidos aos santos.
  10. Dos amuletos e nós.
  11. Das fontes de sacrifícios.
  12. Dos encantamentos.
  13. Dos augúrios das aves, dos cavalos, do esterco dos touros ou dos espirros.
  14. Dos adivinhadores ou dos feiticeiros.
  15. Do fogo feito pela fricção da madeira, ou seja, nodfyr.
  16. Do cérebro dos animais.
  17. Da observação pagã do fogo, ou do início de qualquer coisa.
  18. De locais incertos celebrados como sagrados.
  19. Do apelo que algumas boas pessoas fazem a Santa Maria.
  20. Dos feriados que são feitos a Júpiter e Mercúrio.
  21. Do eclipse da Lua, a que chamam Vinceluna***.
  22. Das tempestades, cornos e caracóis.
  23. Dos sulcos em redor das casas.
  24. Da corrida pagã chamada yrias, com panos rasgados ou com calçado.
  25. Daqueles que fingem que aqueles que morrem são santos.
  26. Da imagem feita de farinha espalhada.
  27. Das imagens feitas de panos.
  28. Da imagem que é levada pelos campos.
  29. Dos pés ou mãos de madeira num rito pagão.
  30. De se acreditar que as mulheres controlam a lua, e que podem destruir os corações dos homens, segundo os pagãos.

 

Cada uma destas linhas, por si só, mereceria um comentário individual alongado da nossa parte, mas por motivos de tempo e espaço não podemos fazê-lo aqui (se alguém quiser saber mais sobre alguma em particular, bastará deixar um comentário). Podemos, isso sim, é mostrar duas características curiosas deste índice:

  • Estão aqui presentes quatro palavras que não são latinas, i.e. dadsisas, nimidas, nodfyr e yrias. Pelo menos uma delas é indisputavelmente germânica, dando-nos a supor que o seu autor reportava, pelo menos em parte, um conjunto de crenças dos povos germânicos.
  • Em alguns casos as práticas reportadas neste índice ainda chegaram aos nossos dias - colocam-se velas nos túmulos dos falecidos, dizemos "santinho" quando alguém espirra, são feitas oferendas aos santos (como se eles se tratassem de deuses pagãos...), acredita-se em amuletos, pedem-se favores a Nossa Senhora, celebram-se eclipses, etc.

Oferendas de Cera

É pena que este Indiculus superstitionum et paganiarum não nos tenha chegado de uma forma mais completa, porque certamente teria muito para nos ensinar em relação a um conjunto de rituais pagãos que, em alguns casos, até chegaram mesmo aos nossos dias. Continuam a ser praticados, por exemplo, quando alguém deixa em Fátima uma vela com uma representação de Santa Maria ou uma escultura de cera em forma de uma mão. Quem o faz, fá-lo na sequência de um conjunto de crenças que, em alguns casos, já têm mais de dois milénios, e que sucessivas gerações de ministros da Igreja Católica não conseguiram exterminar. Porquê? Porque é que já não parecemos celebrar a Spurcalia, mas continuamos a acreditar na magia e no estranho poder de saber o futuro? Ficam as perguntas, mas as respostas, essas, não são nada fáceis e vão além do nosso objectivo nestas linhas...

 

*- Aparentemente, esta tradição poderá ter passado por elaborados cantos fúnebres.

**- Poderão ter estado ligados com o culto aos Carvalhos Sagrados.

***- A expressão latina era, acredita-se, gritada durante os eclipses.

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