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Mitologia em Português

03 de Março, 2020

A história de Pincho de Benaciate

É provável que nunca tenham ouvido falar de Pincho de Benaciate, também conhecido como Bartolomeu Vaz Pincho (como um comentador gentilmente nos informou). Ele seria uma pessoa como tantas outras que já viveram na aldeia de Benaciate, na freguesia de São Bartolomeu de Messines (no Algarve), não fosse uma sequência de estranhos episódios que tiveram lugar com ele por volta do já-distante ano de 1656.

 

Ainda criança, este Pincho tinha por hábito ir apanhar ninhos de pássaros na região de Benaciate, uma brincadeira muito comum no nosso país até meados do século XX. Mas, depois, um dos pequenos passarinhos que foi encontrando falou com ele. Sim, leram bem, supostamente um avezita falou com ele em voz humana e revelou-lhe as muitas coisas que iriam tomar lugar no futuro, entre elas a data de falecimento do rei Afonso VI e a do regresso de Dom Sebastião. Supostamente, e segundo foi informado dessa forma tão singular, o estranho evento desse retorno iria ter lugar em 1666, quando o famoso rei iria voltar a Portugal, recuperar as suas armas místicas de um palácio mágico localizado no Cabo de São Vicente, viajar para Lisboa numa manhã de nevoeiro e reconquistar o trono que ainda era seu por direito.

 

Hoje, sabemos que nada disso acabou por tomar lugar, mas o importante nesta lenda de Pincho de Benaciate é que não só ele acreditava nas palavras que dizia, como essa sua sinceridade foi atestada e reconhecida por religiosos de Faro, que acreditaram tanto nas suas palavras como em toda a situação em que se viram envolvidos. Não sabemos o que lhe aconteceu depois das suas previsões não terem tomado lugar, já em 1666, mas é provável que, como tantos outros falsos profetas do passado, tenha caído no esquecimento, até porque nada mais conseguimos descobrir sobre alguns deles... até que um comentador gentilmente nos deu esta informação adicional:

Bartolomeu Vaz Pincho não é lenda [como dizíamos no título anterior, entretanto corrigido], existiu mesmo. Fazia profecias na sua terra, S. Bartolomeu de Messines, e uma vez terá falado com um pássaro branco que lhe apareceu ao pé dos bois quando estava lavrando. Como a sua religião não era muito ortodoxa e as profecias eram de tipo sebastianista e suspeitas, foi preso e levado para Lisboa, para a cadeia do Limoeiro, em 1659, onde respondeu a um interrogatório em que, à cautela, negou ter falado com o tal pássaro. Tinha então 51 anos. Dali passou ao cárcere da Inquisição, no Rossio, em 1659. Foi interrogado de novo, mas os inquisidores acharam-no pessoa simples, sincera e sem malícia. Deram-lhe uma repreensão e ele prometeu não espalhar mais profecias. Mandaram-no de volta para o Limoeiro, donde deve ter regressado à sua terra. Está tudo no processo 4794 da Inquisição de Lisboa, que se pode ler online. O romance "Um ano na corte", de Andrade Corvo, também fala da conversa do Pincho com o pássaro.

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01 de Março, 2020

Em busca da verdadeira origem do Carnaval português

Carnaval

A semana passada inquirimos aqui sobre a origem do Carnaval português. A autora desse espaço disse-nos o seguinte:

(...) O Carnaval é o período de liberdade desregrada que antecede a Quaresma, época de limitações alimentares e comportamentais no calendário da Igreja Católica. Penso que esta será a explicação mais simples para o Carnaval na Europa, depois "exportado" para os territórios colonizados nos outros continentes. Penso que teve origem em festas pagãs depois "adotadas" pela Igreja Católica, para melhor as controlar. (...)

 

Se, depois de longos debates, concordamos quase totalmente com o que ela nos disse, não deixa de haver um problema muito significativo - procure-se na internet mil vezes a origem do Carnaval português, e mil vezes se encontrará uma resposta muito semelhante, dizendo sempre que terá vindo de festas pagãs. Mas de quais festas pagãs, afinal de contas?

 

Mais que tudo, o grande problema começa por definir o "nosso" Carnaval. A sua data está intimamente ligada com a Quaresma cristã, mas é variável. A existir alguma festa cristã que a antecedesse, será que a sua data também era variável? Se sabemos bem como a data da "nossa" Páscoa foi calculada, somos automaticamente levados à ideia de que a data do Carnaval português foi definida posteriormente, sem que qualquer festa pagã tenha existido 40 dias antes da morte e ressurreição de Cristo.

 

Então, onde deverá começar o Carnaval português? Com o mês de Fevereiro? Acreditando que sim, parece ter existido nessa altura algo a que alguns autores medievais chamaram Spurcalia. O grande problema, no entanto, é que quem quiser poupar tempo e for ler um artigo como The Rise of the Spurcalia: Medieval Festival and Modern Myth poderá notar um elemento fulcral - se esse festival realmente existiu, absolutamente nada de concreto sabemos sobre ele. Ponto final?

 

Nem por isso. A "nossa" celebração de um Carnaval, com máscaras e outras coisas que tais, foi importada do estrangeiro e mais tarde exportada para o Brasil. A existência de rituais semelhantes noutros países, como o chamado festum stultorum, a "Festa dos Loucos", atesta bem isso. O que desconhecemos, no entanto, é se esses rituais tiveram um qualquer fundamento pagão, ou nasceram já como eventos completamente cristãos. Não sabemos (!), sendo que a ideia de que o Carnaval português poderá ter nascido de festivais pagãos surgiu de outros exemplos em que isso aconteceu de forma comprovada, e.g. o Natal e a Saturnália. É uma mera possibilidade, somente isso, porque desconhecemos por completo os rituais de potenciais festivais pagãos do mês de Fevereiro. E quem quiser acreditar mais que isso, fá-lo sem qualquer suporte real para as suas ideias.

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