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Mitologia em Português

19 de Abril, 2020

A verdadeira história da Carochinha e do João Ratão

A história da Carochinha e do João Ratão faz parte da cultura popular portuguesa e é um contos que todos conhecemos mais ou menos bem. Porém - e isto já poucos parecem saber - a verdade é que nos dias de hoje ela é sempre contada de uma forma incompleta. Já lá iremos, já contaremos a verdadeira e original, mas para quem já não se recordar bem da trama principal, podemos então relembrá-la aqui na versão de Ana de Castro Osório, de inícios do século XX:

A Carochinha e o João Ratão

A Carochinha achou cinco réis ao varrer a cozinha e, doida de alegria, foi a correr pôr-se à janela a gritar:
— Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e formosinha?
Passa um cavalo e diz:
— Quero eu, quero eu!
— Como falas tu?
— Falo assim (e começou a relinchar).
— Ai, Deus me livre, que me acordas a vizinhança.
O cavalo foi-se embora, e ela continuou:
— Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e formosinha?
Passou um burro:
— Quero eu, quero eu, quero eu!
— Como falas tu?
— Falo assim (e começou a zurrar).
— Deus me livre, acordarias a vizinhança!
O burro foi-se, de orelha murcha.
— Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e formosinha?
— Quero eu, quero eu (disse o porco).
— Então como é a tua fala?
O porco grunhiu tão desafinadamente que a Carochinha pôs as mãos na cabeça, gritando:
— Deus me livre, acordarias toda a vizinhança!
E continuou, muito esperta, à sua janela:
— Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e formosinha?
Passa um gato:
— Quero eu, quero eu!
— Então como falas tu?
— Falo assim: miau, miau, miau!
— Credo! Acordarias a vizinhança!
E continuava:
— Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e formosinha?
— Quero eu, quero eu, quero eu (disse o carneiro, que passava).
— Como é a tua fala?
— É assim: mé, méé, mééé...
— Não te quero, acordarias a vizinhança.
E tornou a bradar, da janela abaixo:
— Quem quer casar com a Carochinha, que é rica e formosinha?
— Quero eu, quero eu, quero eu!... (disse um ratinho esperto, que passava pela rua).
— Então como é a tua voz?
— Chii! Chii! Chii!...
— Quero-te a ti, quero-te a ti, que não incomodas ninguém.
Casaram, fizeram uma grande boda e estavam muito satisfeitos. Um dia, de manhã, a Carochinha tinha que ir ao mercado, e disse ao seu João Ratão:

— Fica tu em casa a tratar do almoço, que eu já venho.
O João-Ratão ficou; e, para se tornar prestável, foi deitar uma casca de cebola na panela, caindo de cabeça para baixo. Chiou, chiou, mas, como a querida Carochinha não estava em casa, lá morreu o João Ratão, cozido e assado no caldeirão. Ora a Carochinha demorou-se muito, a tratar das suas compras, a falar com os conhecimentos e a dar parte às amigas do seu novo estado. Quando, já tarde, chegou a casa, não viu o marido, e ficou em cuidado, procurando às vizinhas se o tinham visto. Como lhe não davam notícias dele, foi para casa, e resolveu almoçar. Mas quando foi levantar a tampa da panela e viu o marido, já morto, a boiar no cimo do caldo, ficou varada, e, no maior desespero, desgrenhou-se e arrepelou-se, chorando em altos gritos.

 

A tripeça da história da Carochinha e do João Ratão, numa edição dos nossos dias

Normalmente a história da Carochinha e do João Ratão termina por aqui. Contudo, uma edição de contos populares datada de 1879 associa-a à região de Coimbra e continua a história de uma forma surpreendente (que também aparece, com algumas censuras, na versão de Ana de Castro Osório) - após este pseudo-final, uma tripeça, uma espécie de banco com três pés (como o da imagem acima), pergunta algo à heroína, levando a uma sequência que já quase ninguém conhece:

«Que tens, Carochinha,
Que estás aí a chorar?»
«Morreu o João Ratão
E por isso estou a chorar»
«E eu que sou tripeça
Ponho-me a dançar.»

Diz dali uma porta:
«Que tens tu, tripeça,
Que estás a dançar?»
«Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
E eu que sou tripeça
Pus-me a dançar.»
«E eu que sou porta
Ponho-me a abrir e a fechar.»

Diz dali uma trave:
«Que tens tu, porta,
Que estás a abrir e a fechar?
«Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
E eu que sou porta
Pus-me a abrir e a fechar.»
«E eu que sou trave
Quebro-me.»

Diz dali um pinheiro:
«Que tens, trave,
Que te quebraste?»
«Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
E eu quebrei-me.»
«E eu que sou pinheiro
Arranco-me.»

Vieram os passarinhos para descansar no pinheiro e viram-no arrancado e disseram:
«Que tens, pinheiro,
Que estás no chão?»
«Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
E eu arranquei-me.»
«E nós que somos passarinhos
Vamos tirar os nossos olhinhos.»

Os passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram à fonte beber água. E diz-lhes a fonte:
«Porque foi passarinhos,
Que tirastes os olhinhos?»
«Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
E nós, passarinhos,
Tirámos os olhinhos.»
«E eu que sou fonte
Seco-me.»

Vieram os meninos do rei com os seus cantarinhos para levarem água da fonte e acharam-na seca e disseram:
«Que tens, fonte,
Que secaste?»
«Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
Os passarinhos tiraram os olhinhos,
E eu sequei-me.»
«E nós quebramos os cantarinhos.»

Foram os meninos para o palácio e a rainha perguntou-lhes:
«Que tendes, meninos,
Que quebrastes os cantarinhos?»
«Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
Os passarinhos tiraram os olhinhos,
A fonte secou-se,
E nós quebrámos os cantarinhos.»
«Pois eu que sou rainha
Andarei em fralda pela cozinha.»

Diz dali o rei:
«E eu vou arrastar o cu
Pelas brasas.»

 

É fácil compreender a razão pela qual a história dos nossos dias termina com a morte do João Ratão. A ladainha que se seguia, muito secundária para toda esta trama desta história da Carochinha e do João Ratão, mas característica de muitas histórias de génese oral (que continham muitas vezes sequências como estas), não é de fácil memorização, apresenta alguns elementos claramente satíricos, outros impróprios para crianças, e até alguns bem críticos da nobreza da altura. Mas, ainda assim, esta história não deixa de ser uma que ainda hoje nos põe a todos um sorriso nos lábios!

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19 de Abril, 2020

Viagem (virtual) ao Templo de Artémis em Éfeso

Como já bem se sabe, o Templo de Artémis em Éfeso foi outrora considerado uma das sete grandes maravilhas do mundo. Quando aqui falámos dele anteriormente, até o definimos assim:

Originalmente consagrado à famosa deusa da caça, apresentava mais de uma centena de colunas de uma altura mítica e uma lindíssima estátua da deusa. Segundo os relatos da época, o magnífico templo dava a sensação de chegar aos céus, sendo considerado por alguns como a mais bela de todas as Maravilhas.
Após sobreviver a séculos de conflitos, e por estranho que pareça, este templo foi destruído por um único homem, que em busca de fama eterna lhe pegou fogo. Assim, hoje em dia só os vestígios de uma única coluna do templo podem ser vistos no local.

O Templo de Artémis em Éfeso, reconstrução

Porém, se nos nossos dias é relativamente fácil encontrar reconstruções 3D do Templo de Artémis em Éfeso como a acima, ou até infindáveis fotografias do seu local, há algo de especial em ver o (pouco) que resta do original no seu contexto real.

Ao fundo pode aqui ser vista a famosa coluna que ainda nos chegou deste templo. Por perto existem, aqui e ali, algumas outras breves memórias do mesmo recinto. Porém, o que poucos nos dirão é que o local está hoje perigosamente perto de um parque de estacionamento, o mesmo onde hoje páram os seus transportes todos aqueles que quiserem ir "visitar" este espaço. Quanto tempo restará até que algum turista mais apalermado decida levar algumas recordações para casa?

 

Mas, enquanto dura, a beleza e a altura do Templo de Artémis em Éfeso original ainda pode ser contemplada bem de perto, com o local em que a deusa da caça foi venerada a ser hoje ocupado por cabras berrantes, num misto de ironia curiosa e sinais dos tempos...

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