A "Visão de Túndalo" e o inferno medieval
A Visão de Túndalo, conhecida no original latino como Visio Tnugdali, pode ser vista como a grande predecessora medieval da visão do inferno de Dante Alighieri. Na verdade, quem for ler os dois textos poderá, sem muita dificuldade, notar que existe uma relação notória entre eles, sendo muito possível que o poeta italiano até conhecesse este poema do século XII. Mas, se a obra italiana é muito famosa, qual é a trama desta Visão de Túndalo? Podemos resumir este poema de uma forma breve:
Túndalo era um cavaleiro rico que conduzia a sua vida cometendo os maiores e mais brutais pecados. Depois, um dia, enquanto jantava, caiu num enorme torpor e sentiu-se a morrer. Foi parar ao inferno, onde, acompanhado por um anjo, não só viu as muitas torturas que existiam por lá como até teve - não porque o quisesse, mas porque a isso foi obrigado - que participar nelas, sentindo parte dos sofrimentos que os pecadores também passavam.
A essa visão do inferno - certamente o elemento mais famoso da obra - segue-se uma pequena visão dos penitentes e do feliz destino daqueles que tinham seguido uma vida conforme os preceitos do Cristianismo. E, face a todas essas visões, Túndalo fica tão impressionado que quando volta ao mundo dos vivos, corrige por completo todos os seus comportamentos negativos, dá as suas riquezas aos pobres e torna-se um homem santo.
Mesmo por esta breve sinopse, quem conhecer a Divina Comédia conseguirá entender as semelhanças. Porém, o que Dante parece ter adicionado ao tema é um elemento particularmente curioso, em que a punição dos diversos pecadores é ligada de uma forma directa aos seus próprios crimes, enquanto que neste poema essa relação ainda não era assim tão consistente e notória. Além disso, o próprio sofrimento de Túndalo pode ser resumido num simples e repetitivo "ele viu X, depois passou por isso, e finalmente o anjo salvou-o desse castigo", tornando a obra significativamente formulaica.
Enfim, a Visão de Túndalo não é uma obra literária muito interessante para o leitor comum, essencialmente porque nos apresenta um conjunto de ideias que depois foram reutilizadas, com um resultado muito mais digno de nota, na Divina Comédia. Porém, é uma obra notória para quem tiver curiosidade relativamente à forma como o conceito do pós-vida cristão foi evoluindo ao longo dos séculos.