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Mitologia em Português

30 de Maio, 2020

As quatro figuras místicas dos quatro evangelistas - e seu significado

Há já alguns anos sentámo-nos com uma amiga na Igreja de São Roque, em Lisboa. Quem explorar bem o local poderá encontrar, nas colunas laterais dos dois lados deste templo, quatro figuras humanas, estando elas acompanhadas por uma águia, um anjo (ou homem), um touro e um leão.

Que as quatro figuras humanas são os quatro evangelistas - Mateus, Marcos, Lucas e João - é relativamente fácil de inferir por todo o contexto, mas a questão da nossa amiga era um pouco mais difícil - porquê estes animais, e como foram eles associados a cada um dos evangelistas?

Um Querubim

A primeira resposta não é muito difícil - quando o profeta Ezequiel viu os Querubins, definiu-os como tendo quatro asas e quatro caras distintas - águia, homem, touro e, finalmente, leão. Por isso, se estas eram as quatro formas que compunham a totalidade de um ser divino, faz algum sentido que a totalidade do cânone bíblico fosse associada ás mesmas quatro figuras.

 

A segunda resposta, no entanto, é bastante mais complexa, porque a associação dos quatro animais aos quatro evangelistas foi variando ao longo dos séculos e entre os diversos autores. Por exemplo, para Santo Ireneu a figura do "leão" era João, para Hipólito de Roma era Mateus e para São Jerónimo já era Marcos. Agora, mais do que dar aqui as suas justificações individuais, importa frisar o que todas elas tinham em comum - associavam uma característica metafórica de cada uma das quatro figuras a uma característica que os autores atribuíam aos próprios evangelistas, e.g. "Marcos é representado com o homem porque no seu evangelho Jesus nasce como um". Por isso, na verdade não há uma associação que se possa dizer que é a correcta, todas elas está abertas a debate.

 

Portanto, os quatro evangelistas estão associadas a quatro figuras místicas - águia, anjo (ou homem), touro e leão - porque essas mesmas quatro figuras constavam no Querubim de Ezequiel, mas os seus significados e associações variam bastante. Será que estes argumentos, que não foram apresentados na altura, teriam convencido a nossa amiga?!

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30 de Maio, 2020

Cyrano de Bergerac e as visitas à lua e ao sol

A figura de Cyrano de Bergerac é-nos hoje famosa de uma peça de teatro e alguns filmes em que é representado como um bom espadachim, um belíssimo poeta, e igualmente possuidor de uma cara com um proeminente nariz. A tragédia, da autoria de Edmond Rostand, é de finais do século XIX, mas parece ter-se baseado na vida de uma figura bem real, um Cyrano de Bergerac que viveu na primeira metade do século XVII. Relatar os eventos (reais) da sua vida ultrapassam o nosso objectivo de hoje, mas bastará dizer que entre os livros que ele escreveu se contam duas obras, publicadas postumamente, que são muito curiosas.

Uma viagem pelos céus

A primeira dessas duas obras de Cyrano de Bergerac chama-se História Cómica dos Estados e Impérios da Lua. É uma novela em que o herói viaja de Paris para a Lua, onde encontra toda uma civilização de estranhas criaturas. Também visita o Jardim do Paraíso (uma sequência parcialmente censurada em algumas versões), tem alguns diálogos com o Daemon de Sócrates, entre outras aventuras, mas o seu elemento mais proeminente são algumas sequências (jocosas) de debates filosóficos, em que num dado momento até é defendido, com argumentos completamente lógicos, que cortar uma couve é um crime maior do que matar uma pessoa.

 

A segunda é conhecida como Os Estados e Impérios do Sol, e é uma sequela da anterior. Após ter voltando à Terra, pouco depois a personagem principal vai parar ao Sol, onde encontra várias outras aventuras. Apesar de alguns momentos filosóficos (por exemplo, até é explicado o porquê do herói não ficar queimado...), esta é uma sequela mais focada na aventura, em que vão surgindo personagens e situações completamente inesperadas umas após as outras. A mais interessante de todas elas é a do mito da Árvore de Orestes e Pílades, uma reinterpretação sequencial de diversos mitos da Antiguidade, que até poderemos contar aqui um dia destes.

 

O final da segunda obra até faz uma breve menção a uma possível sequela, que aparentemente não existe, o que nos faz pensar... será que o autor estava familiarizado com as obras de Luciano da Samósata, em particular a História Verdadeira, em que eventos semelhantes a estes têm lugar? Será essa ausência de uma terceira sequela uma tentativa de homenagear a obra de Luciano, em que uma sequela também é prometida mas não existe? Não sabemos, mas tanto nestas duas obras como nas do seu predecessor da Grécia Antiga não seria incorrecto chamá-las de ficção científica, que até inspiraram autores posteriores.

 

Enfim... merecem ser lidas, estas duas obras de Cyrano de Bergerac? São obras leves, que podem ser lidas com um notável prazer lúdico, mas também não são muito fáceis de encontrar. Assim, se as virem a ambas numa qualquer livraria e a um preço convidativo, não hesitem!

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