O mito de Shoki (e o de Zhong Kui)
Que muitos dos mitos e lendas do Japão foram importados de outros países é relativamente fácil de notar, até pela influência de figuras pseudo-budistas na cultura nipónica, mas essa interrelação é particularmente notória no mito de Shoki, que é uma versão japonesa do mito (chinês) de Zhong Kui.
Este mito apresenta-nos, essencialmente, uma figura que estudou toda a sua vida para aquilo que, em Portugal, poderíamos chamar os exames nacionais. Mas depois, o que lhe aconteceu parece variar mediante a versão do mito - em algumas ele pura e simplesmente teve más notas; enquanto que noutras até foi o melhor classificado, mas essa posição foi-lhe retirada somente com base na sua fealdade.
Em qualquer dos casos, o que se passou levou a que esta figura, conhecida como Shoki no Japão e Zhong Kui na China, se suicidasse. Mas depois, quando chegou ao reino dos mortos, o seu conhecimento era tanto que um deus do submundo ficou muito impressionado e decidiu dar-lhe uma nova tarefa, a de reger e controlar aqueles monstruosos espíritos dos falecidos que tantas vezes causavam problemas - e, na verdade, na imagem acima, como em muitas outras, esta figura até pode ser vista em plena tarefa, aqui preparando-se para atacar um oni, uma espécie de pequeno demónio.
Se tanto o início como o final deste mito parecem ser relativamente estáveis, não podemos deixar de nos interrogar sobre o porquê das variações na trama. Fruto de algum debate sobre o tema, acabámos por nos interrogar se não derivariam, originalmente, de diferentes locais; seria estranho, numa cultura assente no mérito como o é frequentemente a chinesa, que alguém perdesse uma posição somente pela sua falta de beleza, ainda para mais se algumas versões dizem que foi o próprio Imperador a impedir o acesso de Shoki à posição que, por direito, seria efectivamente sua. E talvez seja mesmo essa a resposta - Shoki e Zhong Kui não são apenas uma mesma figura com dois nomes diferentes, mas sim duas figuras que, fruto do contexto cultural em que eram recordadas, acabaram por adoptar destinos diferentes para um mesmo final comum.