Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Mitologia em Português

13 de Julho, 2020

A lenda de Kuafu a perseguir o Sol

A lenda de hoje vem de terras da China e parece ser tão popular que existem múltiplos livros infantis chineses em que é recordada. Porém, serão provavelmente poucos aqueles que a conhecem em países lusófonos, razão pela qual achámos que a poderíamos contar nestas linhas.

Kuafu e o Sol

Kuafu era um gigante que numa dada altura da sua vida decidiu seguir o Sol. Segundo alguns fê-lo porque queria desafiá-lo para uma corrida, enquanto que outros dizem que ele queria era capturar esse astro celeste. Mas, independentemente dessa razão, Kuafu perseguiu o Sol durante dias e dias; pelo caminho, sentindo-se a desfalecer, foi bebendo as muitas águas dos muitos rios com que se cruzou, mas nem todos eles conseguiam afastar a sua sede. Então, cada vez mais cansado, acabou mesmo por falecer, enquanto que o Sol, esse, continuou o seu caminho como antes - impávido, sereno e inabalável.

 

Esta lenda parece ter gerado uma expressão proverbial entre os habitantes da China, definindo-se "Kuafu a perseguir o Sol" como alguém que se propõe a uma tarefa inatingível e em que tem demasiada confiança injustificada nas suas próprias capacidades. Claro que o gigante jamais poderia vencer o imenso poder do astro-rei, e talvez seja mesmo essa a lição a retirar desta lenda, a necessidade que todos temos de não nos propormos a tarefas demasiado inatingíveis.

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
10 de Julho, 2020

A freguesia de Fafe que mudou de nome - Passos VS Paços

"Como é que Pharmácia se tornou Farmácia?" É provável que já tenham sido muitos os que se interrogaram sobre questões sobre estas, mas o que trazemos cá hoje é um exemplo português bem real que demonstra a forma como os nomes das coisas se podem ir alterando ao longo dos tempos.

 

No concelho de Fafe, no norte de Portugal, existe uma pequena freguesia que tinha o nome de Passos, mas que recentemente o mudou para Paços.

O brasão de Passos, em Fafe

Os corvos mantêm-se na bandeira, as uvas também, e tudo o restante continua por lá, mas o nome da localidade foi então alterado de Passos para Paços. E porquê? Segundo a informação que nos foi prestada, em tempos antigos existiam nesta região um conjunto de residências que poderiam ser definidas como torres ou uma espécie de palácios. Depois, ao longo dos séculos, esses locais foram desaparecendo e as pessoas começaram a perder o verdadeiro significado por detrás do nome, confundindo, talvez por ignorância, paços com passos. Ás tantas, lá se descobriu que o nome certo era verdadeiramente Paços, pelo que se optou por corrigir o problema...

 

Queiramos ou não, este tipo de problema é muito frequente. De onde vem o nome de Campa do Preto, do Estoril, de Freixo de Espada à Cinta, de Pé de Cão, de Solteiras, de Terra da Gaga, e de tantas outras terras espalhadas por Portugal? Qual a verdadeira origem desses nomes? Normalmente quem lá vive até tem uma certa ideia da resposta, mas demasiadas vezes a razão do nome original acaba por se perder, ficando as terras órfãs de significado. E depois, com nomes que parecem já não fazer qualquer sentido, ou mudam de nome (recorde-se, por exemplo, a transformação da Porcalhota em Amadora, ou o caso de Cintra e Sintra...), ou são recriadas histórias, nem sempre verdadeiras, para os justificar. E assim, Passos lá voltou a Paços, agora com um nome que se pensa ter sido o original e mais verdadeiro...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
08 de Julho, 2020

Izanagi, Izanami e a primeira relação sexual

Izanami e Izanagi na Ponte do Céu

Nos mitos do Japão Izanami e Izanagi são parte das sete gerações de deuses primordiais. Foram eles os criadores de muitas outras divindades, entre as quais se contam os famosos Susanoo e Amaterasu e as diversas ilhas do arquipélago do Japão, mas o foco de hoje é na forma como essa sua prole, muitíssimo diversa, foi concebida. Claro que existem, por todo o mundo, diversos relatos da forma como as relações sexuais foram inventadas, desde a Inana da Suméria até a diversos mitos regionais do Brasil, mas raramente são tão claros, ou tão poeticamente belos, como o que o Kojiki nos diz. Segundo esta fonte nipónica, num dado momento da sua vida Izanagi aproximou-se a irmã-esposa e disse-lhe o seguinte:

O meu corpo, formado da forma que o foi, tem um local em que foi formado em excesso. Então, eu gostaria de pegar nesse local que foi formado em excesso e inseri-lo naquele local do teu corpo no teu corpo que foi formado de forma insuficiente, e assim conceber a terra. Que te parece isto?

 

Izanami limitou-se a responder-lhe que lhe "parecia bem", ao que o seu irmão-esposo lhe respondeu depois:

Então, andaremos em círculos em redor deste pilar celeste e iremos encontrar-nos e ter uma relação conjugal.

 

Os resultados deste primeiro episódio de sexo acabariam por mostrar-se parcialmente imperfeitos, mas essa é uma história que terá de ficar para um outro dia. O que não pôde deixar de nos fascinar, nesta descrição daquela que se tornou a primeira relação sexual dos mitos japoneses, é a forma tão simples, quase digna de uma criança, como todo o processo é definido, desde aquela que poderia ser vista como uma "imperfeição" presente nos dois géneros até à forma como, posteriormente, contornando um pilar por lados opostos os amantes se reencontraram face-a-face e fizeram amor. Parece-nos, como já referido acima, um momento poeticamente belo; mesmo que supostamente falsa, não é deixa de ser um bonito momento para explicar como os deuses inventaram o acto de fazer amor ou sexo.

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
06 de Julho, 2020

O mito de Plístene, o misterioso atrida

É provável que nos mitos da Grécia Antiga poucas figuras sejam tão misteriosas como Plístene, um dos elementos da família dos Atridas. Na verdade, nem conseguimos encontrar qualquer imagem da sua figura para ilustrar estas linhas, pelo que acabámos por decidir-nos pela famosa "porta dos leões", em Micenas, a famosa cidade de Agamémnon e Menelau. Mas quem foi então Plístene?

A Porta dos Leões, em Micenas

Sabemos, acima de tudo, que era uma figura da família dos Atridas, mas a sua posição concreta na árvore genealógica é muito controversa. Segundo uma versão, ele era irmão de Atreu e Tiestes; segundo outra, era filho de Atreu; uma terceira diz que era filho de Tiestes; numa quarta, ele é o verdadeiro pai de Menelau e Agamémnon, posteriormente adoptados por Atreu; uma quinta faz dele já um (obscuro) filho de Menelau, que até poderá ter recebido esse nome em homenagem a um familiar que lhe era anterior.

O que têm em comum essas referências? São todas elas muitíssimo breves, quase como se Plístene não fosse mais que um mero nome... e, na verdade, as Fábulas de Higino permitem-nos em parte compreender o porquê. Esse autor, que nem sempre é dos mais fiáveis, revela-nos que Atreu cozinhou o filho de Tiestes e o serviu como jantar ao próprio pai, mas que quem foi morto e cozido não foi somente um único filho (como é comum nos relatos deste episódio mitológico), mas sim dois descendentes, um dos quais era este Plístene. Infelizmente, existem várias descrições diferentes desse episódio mitológico, mas acreditando na versão de Higino o problema poderá ter passado pela confluência de duas figuras numa só. Nas versões mais famosas o filho que foi comido é trazido de volta à vida por intervenção divina, mas se fossem dois os irmãos envolvidos no episódio acabariam por surgir um conjunto de complicações maiores, podendo-se assim justificar essa fusão.

 

Por isso, mesmo que queiramos acreditar na versão de Higino, o que aconteceu então a Plístene? A genealogia de Agamémnon e Menelau não é completamente estável, os mitos dos seus antecessores apresentam elementos muito variáveis, o que poderá ter levado a um esquecimento progressivo de alguns dos momentos menos horizontais nas suas histórias. Se até existem, aqui e ali, algumas breves referências a esta figura misteriosa escondida por detrás do mito de Plístene - por exemplo, uma delas diz que ele era hermafrodita e/ou transexual, mas essas alusões nunca são explicadas... - elas raramente têm elementos horizontais, repetidamente comuns, sendo possível que esta se tratasse de uma figura pré-homérica que, por razões agora desconhecidas, foi caindo no esquecimento.

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
03 de Julho, 2020

Porque tem "rapariga" um significado negativo no Brasil?

Para quem vive em Portugal, rapariga é uma palavra como qualquer outra. Significa apenas jovem, moça, uma menina com pouca idade. Porém, para muitos dos leitores que vivem no Brasil essa é uma palavra com um espírito bastante diferente, com conotação e significados muito negativos - para eles, rapariga significa é prostituta, puta, ou algo do mesmo género. Felizmente, muitos dos brasileiros que vêm a Portugal sabem disto, raramente se ofendendo com o uso local da palavra, mas a situação não pode deixar de nos suscitar uma dúvida - na verdade, porque tem "rapariga" um significado negativo no Brasil?

Chegada ao Brasil, onde rapariga tem significado negativo

Segundo um colega de São Paulo nos contou há já alguns anos, a resposta vem do tempo dos navegadores portugueses e das suas frequentes viagens para o Brasil, que frequentemente demoravam mais de um mês (a de Pedro Álvares Cabral, por exemplo, demorou 44 dias). Tendo então passado mais de 30 dias sem boa comida e sem mulheres, é quase certo que após a sua chegada os navegadores sentissem vontade de colmatar as chamadas "necessidades do corpo"; comida seria fácil de encontrar, tanto em Lisboa como em terras do Brasil, mas como lidar com as necessidades sexuais?

Se em Lisboa existiam as mais diversas prostitutas na zona em que os navios atracavam (relembre-se o Terramoto de 1755, e a forma como então a zona de Alfama, quase ao pé do Tejo, foi quase poupada da destruição), no Brasil dificilmente uma busca pelas mesmas seria tão fácil. Então, é possível que os navegadores tenham inquirido repetidamente por "raparigas", i.e. elementos do sexo feminino apetecíveis para sexo, levando à instituição da ideia de que este vocábulo português era aplicável a jovens que, a troco de uma qualquer recompensa (monetária?), cumpriam o desejado propósito.

 

Mas será tudo isto verdade? Será esta a razão porque rapariga tem um significado negativo no Brasil? E, será que o nosso colega brasileiro tem razão no que nos disse? Não encontrámos qualquer prova real que o afirme ou desminta completamente, mas também é inegável que existem um conjunto de estereótipos associados ao Brasil, alguns mais verídicos que outros, que vêm dos tempos dos navegadores portugueses nesse país. Por isso, faz todo o sentido que este significado negativo da palavra rapariga também tenha surgido no mesmo contexto!

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!
02 de Julho, 2020

Jesus no Islão, e a lenda da mulher falecida

Uma imagem de Jesus no Islão

Desde os primeiros séculos da nossa era e os instantes iniciais do Cristianismo que foram surgindo, aqui e ali, lendas apócrifas associadas à figura de Jesus Cristo. Histórias sobre a juventude do filho de Maria, relatos sobre o que ele fez após a ressurreição, toda a espécie de milagres, etc. A lenda de Jesus de hoje provém do Islão e faz parte do terceiro grupo, tendo sido preservada por um autor do século XI chamado Al-Thalabi. Podemos chamar-lhe, com alguma justiça, a lenda de Jesus e a mulher falecida:

 

Conta-nos que um dado dia Jesus se cruzou com um homem que chorava abastadamente em frente a uma campa. Inquietado com uma tal ocorrência, o filho de Maria perguntou-lhe se conhecia aquela mulher, ao que o homem lhe respondeu que era a sua esposa amada, e que daria tudo o possível para a ter de volta.

Então, Jesus trouxe-a de volta ao mundo dos vivos. Os dois casados depressa se sentaram abaixo de uma árvore, a trocarem carícias, até que a mulher fechou os olhos e descansou a cabeça no colo do homem que dizia amar. Pouco depois, quando reabriu as suas pálpebras, viu dois homens a disputarem-na - de um lado o seu pobre marido, e de outro um riquíssimo rei.

Face à disputa, Jesus perguntou a esta mulher a quem ela pertencia. Esta respondeu-lhe que era escrava do rei, que nem nunca tinha visto antes o homem que dizia ser seu marido. E então, Cristo pediu-lhe apenas um favor - "Se assim o é, podes dar-nos de volta o que te demos?" A mulher aceitou, e depressa caiu no mesmo sítio onde estava, falecendo uma segunda vez.

 

Esta breve história, ou lenda, de Jesus e a mulher falecida insta-nos a pensar que mesmo face aos maiores milagres divinos quem não quer acreditar jamais acredita. Se o fizesse, se acreditasse numa qualquer mensagem religiosa, dificilmente descartaria um marido que tanto a parecia amar (e que até era o grande responsável por estar viva), em favor de um homem mais rico. Isso insta-nos a perguntar, de uma forma muito natural, que milagres seriam necessários - seja no Islamismo, ou em qualquer outra religião - para fazer acreditar aquele que ainda não acredita - se nem uma ressurreição é suficiente, que grande milagre o seria? Esta é, possivelmente, uma das grandes questões que esta lenda islâmica de Jesus nos poderá suscitar...

Gostas de mitos, lendas, livros antigos e muitas curiosidades?
Recebe as nossas publicações futuras por e-mail - é grátis e irás aprender muitas coisas novas!

Pág. 2/2