Sobre o Livro de São Cipriano, devemos começar por dizer que se trata do mais famoso livro sobre feitiçaria e macumbas em Português que chegou aos nossos dias. Não é o único, como os feitiços de Luís de La Penha comprovam, mas na verdade até há muito poucos anos quem se dizia bruxa tinha uma quase obrigatoriedade de ter uma cópia desta obra no local que usava como escritório, sempre à vista de potenciais clientes, para que estes pudessem depreender que se tratava de uma profissional a sério, com uma espécie de pseudo-canudo universitário na matéria, e não de uma qualquer intrujona que só lhes queria roubar o dinheiro e não iria ajudar realmente com o problema que lhe apresentassem. Mas de que trata o livro, poderiam perguntar?
Convém explicar, antes de mais, que existem as mais diversas edições desta obra, que se distinguem nos conteúdos que apresentam, e que muitas vezes adicionam novas secções ao original sem qualquer critério fixo. Há uns poucos anos até inventaram umas novas, como O Livro de São Cipriano de Capa Preta, possivelmente para as editoras poderem dizer "esta é melhor, tem mais conteúdo, mas não existe em domínio público", arrecadando algum dinheiro extra com coisas como a Oração da Cabra Preta Milagrosa. Com uma certa ironia, até apetece dizer que só existe uma edição verdadeira e que funciona mesmo, que é aquela que temos de ir comprar, e que se até já tivermos essa... afinal é falsa, há uma melhor e mais cara! Mas deixando essa brincadeira de lado, fomos agora consultar a edição mais popular que conseguimos encontrar, comparando-a com uma mais antiga.
Apesar de não ter sido escrito na Antiguidade (a edição mais antiga que encontrámos é posterior aos tempos da Idade Média), este livro começa por contar a história de quem foi São Cipriano, o de Antioquia, para o legitimizar como um feiticeiro pagão que, após um dado momento da sua vida, foi convertido ao Cristianismo, passando a utilizar os seus antigos poderes em favor e auxílio dos crentes da nova religião, como já contámos aqui. E, face a esse contexto, faria sentido que todos os feitiços da obra fossem de carácter positivo, a chamada "magia branca", mas a esse elemento juntam-se também indicações para a realização dos rituais, preces, magias mais negativas, locais secretos onde podiam ser encontrados tesouros (todos eles muito difíceis de encontrar, como é óbvio), conteúdos que supostamente vinham de outros livros mágicos - quase sempre manuscritos encontrados debaixo de uma pedra sabe-se lá onde - e até breves explicações sobre todos estes temas. Por exemplo, para recordar uma curiosidade, num dado momento é até explicado o porquê de os sapos serem muito utilizados pelas bruxas (curiosos? É dito que o Diabo obriga as pessoas no Inferno a comerem-nos, talvez até pela associação com a expressão "engolir sapos"). Quem ficar curioso pode ver três feitiços de amor aqui, seguidos por três feitiços mais estranhos, e até saber como prever o futuro pelos sonhos.
Mas o que também torna este Livro de São Cipriano particularmente intrigante é o facto de, sem qualquer dúvida, ter passado por diversos momentos de composição, sendo muito inconsistente na forma como trata os seus vários temas.
Por exemplo, na imagem acima pode ser visto um rectângulo usado num ritual, no interior do qual um invocador poderia obter uma protecção completa, supostamente seguindo as indicações de São Cipriano. Na Antiguidade e na Idade Média estas protecções eram redondas, por ligação directa à mónade, mas esta, de formato rectangular, surge no livro sem qualquer explicação ou justificação... e até sem que o leitor seja informado do significado de "Agla" (se ficarem curiosos, é uma expressão cabalística judaica, Atah Gibor Le-olam Adonai, ou seja, "És poderoso para sempre, Senhor"). Ao mesmo tempo, em outros capítulos o leitor até é informado sobre como fazer outras representações mágicas, mas raramente lhe é explicado o seu verdadeiro significado. E, efectivamente, essa inconstância é incómoda, porque alguns dos rituais tornar-se-iam muito mais interessantes se ao leitor fossem explicados cada um dos seus elementos, ou porque ele deverá fazer X em vez de Y para atingir um dado objectivo.
Deixando de lado também estes problemas, como iremos demonstrar nos próximos dias os rituais provindos da obra tendem a focar-se frequentemente em três grandes temas - relações, dinheiro e saúde - e recorrer à chamada "magia por simpatia", ou seja, um estilo de ritual mágico em que se acredita existir uma relação quase teatral entre o seu propósito e os mecanismos do próprio ritual. Por exemplo, se quisessemos fechar a vida de alguém à maldade dos espíritos, deveria ser dita uma dada fórmula e deveria ser feito, com a mão direita, uma espécie de movimento como se estivessemos a fechar uma porta, sem a qual todo o processo, supostamente, não funcionaria.
Para terminar... será que este livro tem mesmo poderes e rituais mágicos reais? Será que as suas magias funcionam realmente, e podem embruxar alguém? Mais do que dar as nossas opiniões individuais, podemos deixar a própria obra falar por si mesma... Existe um dado momento em que é explicado o que são os fantasmas e como estes divergem dos demónios. Depois, este Livro de São Cipriano acrescenta então uma informação muitíssimo inesperada - os fantasmas apenas apareciam, ou tinham qualquer influência, na vida daqueles que já acreditam neles, sendo impossível fazerem-no a quem não acreditava neles; de igual forma, também as magias, feitiços e macumbas só resultavam com quem já acreditasse nelas, o que, em ambos os casos, não pode deixar de nos parecer muito conveniente. Esta informação, por si só, deveria dizer tudo o que precisam de saber sobre a veracidade do conteúdo deste livro, mas caso pretendam aceder (gratuitamente) a uma cópia desta obra em formato PDF, por curiosidade ou por alguma outra razão menos vulgar, podem fazê-lo na página de O grande livro de S. Cypriano ou o thesouro do feiticeiro.
Ainda, como se costuma perguntar, "o que acontece com quem ler o livro de São Cipriano?" Na verdade... absolutamente nada, nem é perigoso lê-lo, sendo que isso é apenas um rumor lançado, possivelmente até por "bruxas" e místicos, para que as pessoas não tentem realizar os feitiços da obra por si mesmas, tendo então de lhes pagar dinheiro a eles...