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Mitologia em Português

30 de Setembro, 2020

"Fé do carvoeiro", origem e significado

A expressão fé do carvoeiro já não é muito utilizada em Portugal nos nossos dias, mas foi-nos recordada há alguns dias, quando, ao falarmos com uma idosa, esta nos disse, relativamente às suas crenças religiosas, que "Deus são três pessoas, iguais mas distintas". Quando confrontada com a dificuldade de algo ser ao mesmo tempo igual e distinto, ela limitou-se a declarar que não sabia de nada, que não percebia nada disso, mas que foi apenas o que lhe ensinaram nos tempos da catequese. E esta fé simples, de uma espécie de "eu acredito apenas porque me disseram", constitui precisamente o significado da expressão de hoje,

 

A origem parece ser francesa, foi du charbonnier, que é como quem diz "fé do carvoeiro", e vem de uma pequena história em que um demónio transformado em homem se cruzou com um carvoeiro, um homem simples que faz e/ou vende carvão. Procurando tentá-lo e conduzi-lo ao pecado, o demónio perguntou em que acreditava o carvoeiro, e este limitou-se a responder-lhe "Acredito na Santa Igreja." Então, em seguida, perguntou-lhe em que acreditava a Santa Igreja, e desta vez o homem limitou-se a retorquir-lhe que esta acreditava "No mesmo que eu." Depois, a conversa continuou por algum tempo, sempre com respostas que nada revelavam sobre as crenças deste homem, até que o demónio lá desistiu das suas más intenções.

 

Esta expressão refere-se, assim, à fé religiosa que as pessoas mais simples têm, em que nada questionam, limitando-se a acreditar naquilo que as autoridades religiosas lhes dizem, sem que procurem sequer compreender as suas palavras ou as ideias, muitas vezes até um tanto ou quanto estranhas, que lhes vão sendo passadas por aqueles em que têm confiança. Acreditam em "algo", sim, mas sem que saibam muito bem no quê ou porquê... como o carvoeiro desta pequena história!

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28 de Setembro, 2020

Andreas Bichel e o espelho mágico

Andreas Bichel nasceu na Bavária, na Alemanha, no ano de 1760. Viria a ser enforcado 49 anos mais tarde, em virtude de ter morto duas mulheres, mas suspeita-se que até possa ter cometido muitos outros crimes da mesma natureza. Isto pouco ou nada teria digno de nota, não fosse o facto de entre os envolvidos em toda esta história se contar um suposto espelho mágico!

O espelho mágico de Andreas Bichel

Bem, na verdade não sabemos se o espelho mágico existia, sequer. Ou se, a existir, tinha na verdade os poderes que lhe eram atribuídos. O que sabemos, isso sim, é que numa dada altura da sua vida Andreas Bichel decidiu envolver-se nas artes de previsão do futuro. Depois, veio a dizer a uma jovem que tinha em sua posse um espelho mágico, capaz de lhe mostrar a identidade do homem com quem ela acabaria por casar. Um pouco incrédula, mas naturalmente fascinada (e que mulher solteira e desejosa por amor não o ficaria?!), a jovem pediu-lhe então essa revelação.

Andreas Bichel foi então buscar "algo" e colocou-o numa mesa. Disse à jovem para se sentar, e disse-lhe igualmente que teria de a amarrar, para que ela, mesmo que acidentalmente, não se metesse em perigo ao interferir no suposto feitiço. E depois, com esta jovem presa e sem que o conseguisse ver, atacou-a pelas costas, matou-a, e vendeu o seu vestido. Mais tarde, voltaria a fazer o mesmo a uma segunda mulher (confirmada), o que levaria à sua prisão, mas... face a toda esta história, não podemos deixar de nos interrogar quantas mais terão caído na esparrela.

 

Não sabemos, repita-se, se o espelho mágico existia mesmo, ou se Andreas Bichel até possuía alguma espécie de espelho, mágico ou não. Mas pelo menos duas jovens acreditaram que sim, que tudo isto era possível, e isso levou-as às suas mortes, quando apenas procuravam o amor. Por isso, esta é uma história um tanto ou quanto triste, mas que diz muito sobre a credulidade humana nos poderes do oculto. Pense-se nisso - a ter lugar nos dias de hoje, quantas pessoas desapaixonadas caíriam no mesmo truque? Provavelmente mais do que pensamos...

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27 de Setembro, 2020

A mitologia por detrás dos Pokémons

Já cá referimos anteriormente que existe uma mitologia por detrás da criação dos Pokémons. Falámos até do exemplo concreto do mito da Magikarp, que tem a sua origem na China, mas o que dizer das restantes criaturas da série? São agora já quase 900, e gabamos a paciência de quem conseguir dizer o nome de todas elas (ou sequer reconhecer as suas formas individuais), pelo que não nos é possível ir estudar a origem de todas elas. No entanto, podemos falar das clássicas, aquelas primeiras 151 criaturas que ainda são as mais conhecidas. Refira-se, portanto, alguma da mitologia por detrás dos Pokémons de primeira geração:

Para pensar na mitologia dos Pokemons

  • Charmander, Charmeleon, Charizard - baseados nos dragões ocidentais. Porém, a sua cauda reluzente, sempre em fogo, poderá relembrar-nos a Salamandra, uma criatura dos bestiários que era capaz de viver nesse elemento sem se magoar.
  • Clefairy, Clefable - naturalmente baseadas nas fadas das histórias. A segunda delas até tem asinhas!
  • Vulpix, Ninetales - trata-se da raposa das noves caudas do folclore japonês.
  • Oddish, Gloom, Vileplume - baseados na espécie de flores rafflesia arnoldii, que é das maiores do mundo e cheira bastante mal.
  • Meowth, Persian - têm algumas semelhanças com o Maneki-neko do Japão, um pequeno gato a dar a pata que até pode ser visto em algumas lojas em Portugal, e que supostamente dá sorte a quem o tiver.
  • Growlithe, Arcanine - potencialmente baseados nas criaturas mitológicas, um misto de cão e leão, que podem ser vistas à entrada de muitos templos orientais.
  • Ponyta, Rapidash - a segunda destas criaturas tem por base a figura do Unicórnio.
  • Slowpoke, Slowbro - a segunda poderá, também, basear-se na lenda japonesa de uma criatura chamada Sazae-oni, que é um caracol do mar que, tendo chegado aos 30 anos, ganha poderes místicos.
  • Farfetch’d - derivado de uma expressão japonesa, "um pato a aparecer com um alho francês", que significa algo de muito conveniente.
  • Grimer, Muk - o primeiro deles baseia-se na lenda de uma criatura japonesa conhecida como Doratabo, que é um espírito do dono de um campo de arroz que decide voltar ao mundo dos vivos, num misto de carne e de lama, para se vingar de todos aqueles que não têm cuidado do seu antigo campo de cultivo.
  • Drowzee, Hypno - o primeiro é baseado na lenda do Baku.
  • Lickitung - possivelmente baseado na lenda de Akaname, uma criatura que lambe a sujidade existente nas casas de banho. Não para as limpar, somente porque gosta do sabor!
  • Magikarp, Gyarados - já cá falado anteriormente.
  • Lapras - baseado no Monstro de Loch Ness, que dispensa grandes apresentações.

 

Como é fácil compreender por esta lista sucinta, existe mesmo uma mitologia por detrás dos Pokémons, na medida que os criadores destas criaturas ficcionais se basearem, em alguns casos, em criaturas mitológicas e lendárias de todo o mundo para criar os seus bonecos, dando um espírito renovado a ideias que em alguns casos já têm vários séculos. É uma ideia interessante, e que provavelmente terá contribuído para a popularidade de toda esta série de videojogos!

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27 de Setembro, 2020

Promoções Continente, um enorme mito urbano

Hoje falamos das promoções Continente, um famoso mito urbano dos nossos dias de hoje. Nesse sentido, a maior parte das pessoas tende a acreditar que os grandes hipermercados fazem promoções verdadeiras; eles, supostamente e segundo se acredita, compram os produtos a um dado preço, adicionam-lhes uma determinada margem de lucro (que tipicamente costuma ir até 20%), e depois - crê o consumidor comum - existem períodos em que, por uma qualquer razão, lá decidem ser simpáticos com o cliente e baixar essa sua margem de lucro, vendendo um produto a um preço mais barato do que é habitual. Até aqui tudo bem, isto nada teria de mal (bem pelo contrário), não fosse o facto de lojas como o Continente Online estarem a mentir descaradamente aos seus clientes. Vejamos aqui um exemplo bem real deste problema, com que nos deparámos há alguns dias:

Um exemplo de Promoções Continente

Na parte superior da imagem pode ser visto um exemplo de promoções Continente, em que, através de um desconto directo anunciado por eles, os clientes são informados que esta sapateira recheada custava originalmente 7,99€, mas que com um belíssimo desconto de 26% fica só a 5,89€.

Agora, relembre-se que nenhuma loja gosta de perder dinheiro. Nenhuma loja iria vender um produto se não tivesse um cêntimo que fosse a ganhar com isso. Por isso, na parte inferior da imagem podem ser vistos os preços do mesmíssimo produto em três outras lojas do mesmo concelho nacional, para o mesmo período de tempo. Colocados assim, lado a lado, é-nos revelada uma verdade muito inconveniente - o Aldi vendeu (temporariamente) este produto a 5,99€ mas sem qualquer desconto, ou seja, o preço a que o compraram, mais a margem de lucro que essa cadeia de supermercados lhe adicionou, é desse valor específico. Portanto, se forem ao Continente comprar esse produto, estão normalmente a pagar uma margem de lucro de pelo menos 26%, mas eles anunciam essa promoção para encher o olho, sem informar as pessoas que o desconto real, face ao preço de mercado, é de somente 2%. Nada mais, nada menos, que dez cêntimos - grande exemplo de promoções Continente, não é?!

 

Não iremos aqui falar da concertação de preços mais que evidente nas imagens acima, mas existe uma razão pela qual o hipermercado Continente é vulgarmente considerado o mais caro em testes comparativos de Portugal. Isto porque as promoções deste supermercado, como de outros, são um enorme mito urbano dos nossos dias, de que só duvidará quem nunca tiver feito uma comparação desinteressada dos preços de produtos muito específicos, como o que fizemos aqui. E esta, hem?!

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27 de Setembro, 2020

O mito de Sísifo em resumo

De entre os que nos chegaram da Antiguidade, é possível que o mito de Sísifo se encontre entre aqueles cujo desfecho é mais famoso, ao ponto da sua punição infindável ter dado, por exemplo, o nome e a ideia a um famoso livro da autoria de Albert Camus. Mas já lá iremos, por agora recorde-se a trama essencial desta história da Mitologia Grega:

O mito de Sísifo e a pedra eterna

Conta-se que Sísifo terá sido um dos maiores espertalhões da Antiguidade, uma espécie de um determinado antigo primeiro ministro português mas há muitos séculos atrás. E, na verdade, dizia-se que ele até se considerava mais sábio e capaz do que o próprio Zeus, o rei dos deuses do Olimpo. Então, depois de uma vida repleta das maiores malfeitorias, cujos contornos e eventos variam de versão para versão, o monarca do Olimpo decidiu que já era altura de alguém punir este rei de Corinto e condenou-o à morte.

Na maior parte dos mitos a trama tenderia a acabar por aqui, mas o caso de Sísifo foi bem diferente. Uma e outra vez, ele foi capaz de escapar das garras da própria morte. Numa das histórias, ele pediu à esposa que não lhe fizesse o devido funeral; assim, quando chegou ao barco de Caronte, como não tinha o óbolo necessário para pagar o cruzamento para o reino dos mortos, teve de voltar para trás (e à vida). Numa outra, quando Tânato (ou Hades, mediante a versão) se preparava para o agrilhoar, o herói enganou-o e prendeu essa divindade, fazendo com que durante várias semanas nenhum ser vivo falecesse. E fez outras maldades como estas... ás tantas, os deuses lá se fartaram e prenderam mesmo este espertalhão, condenando-o para toda a eternidade a levar uma grande pedra para o topo de uma montanha, apenas para rapidamente a ver a cair desse local, obrigando-o a recomeçar todo o trabalho.

 

Como podemos ver através deste pequeno resumo, o grande interesse do mito de Sísifo não passa tanto pelos seus actos em vida - como é muito comum nestas histórias, que vulgarmente terminam com a morte do herói - mas pela forma como, uma e outra vez, foi capaz de iludir o próprio fim da vida humana, levando a que os deuses o condenassem a uma punição completamente original (para outros exemplos, podem ser vistos mitos como os das Danaides, Ixion ou Tício). E, nesse contexto, a sua eterna punição parece fazer muito sentido - condenado a um trabalho que não tem fim, é provável que os deuses tenham pensado que essa tarefa acabaria por vergar a vontade do condenado, mas... segundo Albert Camus, no seu livro Mito de Sísifo, também é possível ver nessa tarefa de completa inutilidade uma espécie de metáfora para a própria vida humana, em que demasiadas vezes repetimos (inutilmente) as mesmas acções sem alguma vez conseguirmos chegar a algum lado. Dá que pensar, não é?

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25 de Setembro, 2020

O mito de Aracne

O mito de Aracne não parece ter a sua origem nas histórias dos Gregos. Em vez disso, a versão mais antiga desta história que nos chegou provém dos versos do poeta latino Ovídio, sendo suas as linhas que aqui iremos adaptar:

A morte de Aracne

Aracne era uma jovem que toda a sua vida se dedicou à tecelagem. Cada vez que tecia algo de novo, não podia deixar de admirar a extensa beleza da sua produção. E depois, um dia, isto levou-a até a considerar o seu trabalho melhor do que o dos próprios deuses. Com peito bem inchado, desafiou a deusa Atena - uma das padroeiras da arte que praticava - e, de uma forma completamente inesperada, acabou até por conseguir produzir um trabalho superior ao da própria deusa. Zangada, Atena rasgou a produção da sua opositora; e esta, quando se apercebeu do que tinha feito, da forma imperdoável como tinha desafiado os deuses, decidiu suicidar-se. O mito poderia até ter acabado por aqui, mas Atena, num misto de admiração pelo trabalho da falecida e tristeza pela morte que tinha causado, decidiu transformar Aracne numa aranha, que até aos nossos dias continua a exercer a sua arte.

 

O mito de Aracne é, como muitos outros dos tempos da Antiguidade, uma espécie de alerta aos leitores, instando-os para que não tentem violar os derradeiros limites da condição humana (a chamada hybris). Se, por um lado, é estranho que esta figura tenha verdadeiramente conseguido derrotar a deusa - normalmente o desfecho é o oposto, como no mito de Marsias - há que notar que ela não foi completamente victoriosa, perdendo a sua vida pouco após o confronto. Isso acontece porque, no contexto dos mitos gregos e latinos, as histórias em que os seres humanos desafiam os deuses nunca podem terminar bem para os desafiadores - que estranho exemplo seria esse, dizer-se que eles, no seu quase-infinito poder, podiam ser derrotados por meros mortais?!

Para terminar, a associação de Aracne ás aranhas serve, essencialmente, para tentar explicar o porquê de estas tecerem as suas teias - segundo este mito, elas fazem-no porque descendem dessa heroína e, como tal, continuam a praticar a famosa arte da sua predecessora.

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24 de Setembro, 2020

"Alea jacta est", origem, significado e tradução

A famosa expressão latina alea jacta est tem a sua origem no tempo agora-remoto dos Romanos. Nasceu num evento muito significativo do seu tempo que se acredita ter tomado lugar a 10 de Janeiro do ano 49 a.C., e sobre o qual devemos aqui contar um pouco mais, antes de avançar para a própria expressão, sua origem e significado em Português dos nossos dias.

Alea jacta est, como diz a expressão?

No ano 49 a.C. Júlio César era governador na Gália Cisalpina, e o seu tempo nesse cargo político tinha terminado. Como tal, foi-lhe ordenado pelo Senado que dispersasse o seu exército e regressasse a Roma, sozinho. Porém, em vez de o fazer, em vez de acatar essas ordens muito directas, ele dirigiu-se para as margens do Rio Rubicão, que era o limite até onde deveria poder levar os seus combatentes, e... de uma forma completamente inesperada, cruzou-o, esse derradeiro limite dos seus domínios temporários, entrando por Itália adentro e contrariando as importantes ordens do Senado Romano. Depois, estas suas acções causaram uma guerra civil, mas também geraram duas expressões distintas que ainda são usadas nos nossos dias de hoje.

 

A primeira das duas, que supostamente até foi dita por esta famosa figura histórica no momento em que o evento teve lugar - alea jacta est - não significa mais em tradução portuguesa do que "os dados estão lançados", numa ideia frequentemente adaptada como "a sorte está lançada", no sentido de que ele já tinha feito tudo o que podia e, agora, sabia que o controlo de todos os acontecimentos estava então completamente fora das suas mãos. É esse o seu significado. Como alguém que joga craps num casino dos nossos dias, Júlio César lançou os seus metafóricos dados e, agora, encontrava-se somente à espera do resultado que aí vinha, sobre o qual já não tinha quase nenhum poder.

A outra expressão que ele originou não se refere a nenhuma frase latina em específico (ou pelo menos nunca é usada em Latim...), mas a uma ideia muito concreta gerada pela história que contámos acima. Assim, o tremendo acto de "atravessar o Rubicão" é o de, num sentido mais realista para os nossos dias, tomar uma decisão após a qual não há qualquer volta a dar, ou seja, em relação à qual jamais poderemos voltar atrás.

Estão, portanto, estas duas expressões muito intimamente ligadas, não só no seu significado mas também na forma como nasceram de um único evento do tempo dos Romanos, há mais de 2000 anos atrás, mas cujo impacto ainda hoje é sentido nas sociedades ocidentais, até porque foi a "pequena" acção de Júlio César, quando atravessou o Rubicão, que a longo prazo levou à ascensão daquilo que viria a ficar conhecido como o grande Império Romano.

 

Uma última curiosidade, em relação a todo este tema - a expressão Alea jacta est, cuja origem, significado e tradução aqui relatámos, também pode ser escrita com I em vez de J, i.e. iacta est, porque originalmente, e como já cá mostrámos antes, só a primeira das duas letras existia nos primeiros séculos da nossa era, sendo mais tarde desdobrada em dois sons distintos.

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22 de Setembro, 2020

O mistério do Flautista de Hamelin

A história do Flautista de Hamelin é provavelmente uma daquelas de que todos ouvimos falar quando éramos mais novos. Aparece em incontáveis livros, sob a forma de um conto ou lenda, mas independentemente do que lhe quisermos chamar por detrás dela esconde-se um verdadeiro e gigantesco mistério, que funde ficção com realidade. Mas já lá iremos, por agora resumimos aqui a versão mais famosa de toda a trama:

O Flautista de Hamelin

Há muitos, muitos anos atrás a cidade alemã de Hamelin estava a sofrer uma enorme praga de ratos. Um dia, os seus habitantes foram visitados por um homem misterioso em roupas coloridas, que se dispôs a resolver a praga que afectava a cidade a troco de algum dinheiro. E então, os cidadãos de Hamelin, felizes com a proposta, depressa a aceitaram, e o homem que viria a ficar conhecido como o Flautista de Hamelin rapidamente resolveu o problema - através do som da sua música de flauta atraiu todos os ratos para um dado local e, conduzindo-os depois para um rio, afogou-os a todos.

O problema estava resolvido, mas quando o honesto trabalhador voltou à cidade e pediu o dinheiro que lhe era devido, os habitantes recusaram dá-lo. Por três vezes insistiu no que era dele por direito, e por três lhe recusaram o que pedia justamente. Então, tocando novamente a sua flauta, desta vez o estranho herói atraiu [130?] crianças para fora da cidade e elas nunca mais voltaram a ser vistas.

 

Esta poderia ser uma história como tantas outras, de flautas mágicas e homens misteriosos que resolvem problemas mundanos com recurso a um qualquer deus ex machina, mas dizem as crónicas que ela efectivamente tomou lugar no dia 26 de Junho de 1284, altura em que um homem que tocava flauta levou as crianças para um monte próximo e, depois, todos eles desapareceram sem deixar qualquer espécie de rasto (a sequência aos ratos parece ser mais tardia). Se isto não for suficientemente intrigante, as crónicas da cidade de Hamelin contaram, durante algum tempo, a passagem dos anos com base neste evento, e.g. "faz agora 32 anos que as nossas crianças desapareceram". E, se também isto não vos tornar curiosos por mais, existe uma rua nessa cidade, chamada então Bungelosenstrasse, em que a música continua proibida, supostamente porque foi a rua que o Flautista de Hamelin tomou com as crianças, e onde elas foram vistas pela última vez.

 

Face a estas provas, acreditando então que esta história tem um fundo de verdade, o que sabemos sobre ela? O relato completo mais antigo que ainda temos, presente no Manuscrito de Lueneburg (de meados do século XV), diz apenas que a 26 de Junho de 1284 130 crianças foram levadas por "um tocador de flauta vestido com muitas cores", e que desapareceram para o interior de um monte cuja localização é hoje desconhecida. Só isso. O que lhes aconteceu continua a ser completamente desconhecido até aos nossos dias, um que não pode deixar de nos fascinar - o que acham que aconteceu ao misterioso viajante, que ficou conhecido como Flautista de Hamelin, e às crianças que o seguiram? Alguém tem alguma opinião que gostasse de partilhar, ou alguma ideia do que se poderá esconder por detrás deste estranho mistério?

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22 de Setembro, 2020

O Espiritismo é verdade?

Será que o Espiritismo é verdade? Para a maior parte das pessoas que conhecemos, a resposta a uma pergunta como essa é e será provavelmente um ressonante e indubitável "não, claro que não!" E isto porque, salvo algumas raras fraternidades e federações espíritas em Portugal, a crença nos espíritos não é muito comum por cá, apesar de ainda o ser bastante no Brasil (através dos ensinamentos de figuras como Allan Kardec e Chico Xavier), e em países como os EUA. Mas, mesmo que por cá não acreditemos muito nessas coisas, certamente que todos conhecemos - por exemplo, através de filmes ou de histórias literárias ficcionais - a realidade das sessões espíritas, em que várias pessoas se reúnem numa sala escura, de mãos dadas ou em cima da mesa, enquanto dizem comunicar com os espíritos dos falecidos.

Sessão Espírita - será o Espiritismo verdade?

É provável que a maior parte dos leitores nunca tenha experienciado uma coisa destas na primeira pessoa, mas face ao que vemos na televisão certamente que, pelo menos para alguns, a questão sobre a verdade do Espiritismo já lhes terá passado pela cabeça. E, nesse sentido, se a crença na possibilidade de comunicar com os espíritos já vem de tempos da Antiguidade - recordem-se, por exemplo, algumas das histórias de Flégon de Trales - o desenvolvimento de uma forma sistemática para esse contacto foi feito já no século XIX, dizendo-se muitas vezes que começou com Kardec, e as Irmãs Fox nos EUA (que, ironicamente, depois se vieram a provar fraudes). Agora, poderíamos escrever muito sobre tudo isto, mas para evitar repetições podemos dizer que existem dois bons livros que devem ser lidos por quem se interroga sobre estas coisas.

 

O primeiro deles é de Harry Houdini (sim, o famoso mágico). Ele tinha um fascínio com o Espiritismo, que até queria mesmo que fosse verdade e que pode ser visto em filmes como Death Defying Acts, mas depressa se deparou com um grande problema - por muito que quisesse acreditar, uma e outra vez só conseguiu encontrar charlatões que apenas queriam tomar proveito da fraqueza das pessoas. E então escreveu um livro chamado A Magician Among the Spirits, onde mostra que o Espiritismo é todo uma enorme fantasia. É um livro bastante bom, escrito quase em oposição à History of Spiritualism de Arthur Conan Doyle (de quem ele era amigo), em que até chega ao ponto de mostrar os vários estratagemas utilizados por aqueles que se dizem médiuns. É muito interessante, esta obra, mas a ser adquirida deve sê-lo numa edição com todas as fotografias (que, infelizmente, raramente são incluídas, possivelmente porque podem "chocar" alguns leitores mais sensíveis - ver um exemplo, retirado de outra obra, abaixo). Para o autor, o Espiritismo não é verdade.

Um espírito do outro mundo

Outro livro interessante sobre este mesmo tema é Confessions of a Medium, de autoria anónima. Conta-nos a história, supostamente autobiográfica, de um céptico que passou a acreditar no Espiritismo, e que depois, ao longo do tempo e enquanto se ia envolvendo nessas artes, também se foi apercebendo que, afinal de contas, era tudo apenas uma enorme falcatrua. O livro chega até a contar como se fazem muitas das coisas ditas espíritas, entre elas as famosas mesas flutuantes e as aparições físicas. E deixa uma questão simbólica - e se... nem tudo for o que parece aos mais crédulos? Para o autor, o Espiritismo não é verdade.

 

E o que dizer das obras de Allan Kardec? Numa delas - pensamos tratar-se do Livro dos Espíritos, mas já não temos cópias das suas obras connosco - o autor adverte que os espíritos são reais mas não se deve falar com eles, visto que podem mentir nas suas respostas apenas para obter a nossa atenção e admiração. Até aqui tudo bem, isso faz sentido, não fosse o facto de, pouco depois, o tema da mesma obra assentar precisamente em se fazerem perguntas repetidas aos espíritos... os mesmos que o autor nos disse que poderão estar a mentir. Irónico, não é? Como conseguir acreditar em algo assim?! Se, para este autor, o Espiritismo é verdade, o acesso aos espíritos apenas deve ser feito num ambiente muito controlado, sempre com o auxílio de aqueles que só têm a ganhar com uma suposta verdade de todos esses processos - estranho, não vos parece?

 

Face a conteúdos como todos estes, não podemos deixar de adaptar as palavras de Cícero num contexto muito semelhante - como é possível que dois espíritas não se riam, quando se cruzam na rua? Deveriam fazê-lo, se ambos sabem, naturalmente, que isto do Espiritismo é verdade apenas na frágil credulidade de pessoas mais desesperadas. Só que elas, infelizmente, não têm as capacidades de um Houdini para mostrar, uma nova vez, que tudo isto é falso, ilusório e uma mera fantasia.

Querem saber se o Espiritismo é verdade? A resposta passa por um teste simples - suponham que um familiar vosso faleceu. Suponham, igualmente, que lhe poderiam fazer uma só pergunta, muito concreta, à qual apenas ele próprio vos saberia responder. Que pergunta lhe fariam, nessa situação? E, honestamente, acham que uma pessoa que supostamente comunica com os espíritos saberia dar-vos essa mesma resposta, sem ter de andar a espiolhar a vossa vida (e as vossas redes sociais)? A resposta a essa potencial experiência deu-a Houdini, quando fez algo de semelhante - mesmo com a ajuda de incontáveis espíritas, ele jamais conseguiu obter a resposta que procurava, que a mãe ficou de lhe dar após a morte, denotando uma falsidade do Espiritismo que também é muito fácil de ver na obra anónima recomendada acima, como em algumas das obras de Kardec (que não recomendamos, de todo, até pela perda de tempo que são).

Por isso não se deixem enganar, o Espiritismo nada tem de verdade, é tão falso quanto a previsão do futuro pelas cartas de tarot e as seitas que prometem as maiores curas de todos os problemas da vida em troca de "um sacrifício" (sempre monetário, claro está)!

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21 de Setembro, 2020

Apolo ou Hélio, quem era o deus grego do sol?

Afinal de contas, entre Apolo ou Hélio quem era o deus grego do sol? Ou, para voltar ao tema de há alguns dias, se escrevemos sobre Selene, e na altura nos referimos a ela como "a Lua", depois de pensarmos um pouco mais no tema... a Lua não era Ártemis, a Diana dos Romanos?

Apolo ou Hélio, quem era o deus grego do sol?

Em ambos os casos, a resposta não é simples. É muito fácil encontrar diversos mitos gregos em que nos é dito que o deus grego do sol, ou o próprio Sol em si mesmo, era Hélio - isso acontece no mito de Faetonte, no Rapto de Proserpina, e sabemos até que o chamado Colosso de Rodes, que um dia guardou e entrada do porto dessa cidade grega, era inquestionavelmente este deus.

Mas, ao mesmo tempo, também é possível encontrar diversos mitos em que a mesma função solar era atribuída a Apolo - notavelmente, o facto de ele disparar flechas (como também o fazia a irmã, Ártemis) pode ser visto como uma metáfora para os próprios raios do sol - muitas vezes até sendo este deus designado por "Febo Apolo", do Grego φοῖβος (phoibos, "brilhante").

Face a esta dupla dificuldade, quem era o deus grego do sol, Apolo ou Hélio?

 

A resposta poderá surpreender alguns leitores, mas na verdade tanto Apolo como Hélio eram deuses do sol. O erro de se considerar que apenas poderia existir um único deus associado a esse astro - ou até mesmo à Lua - provém de um conhecimento incompleto dos mitos da Antiguidade, já que muitas vezes somos levados a acreditar, falsamente, que não só existia um único deus para cada coisa, como também essa figura divina se manteve completamente estável durante os séculos e séculos em que estes deuses foram venerados. Isso não é verdade!

Sol Invictus, outro deus do sol

Podemos até mostrar um grande exemplo deste problema. Quando, já no Império Romano, o culto a Sol Invictus se foi disseminando, ninguém duvida que essa se tratasse de uma divindade solar, até pelo seu nome. Mas, a acreditar-se que existia um único deus solar, será que os Romanos "expulsaram" um outro do seu panteão, para depois então adicionar este novo deus no seu lugar? A resposta é um óbvio não, até porque existiam pessoas que ainda veneravam o famoso Apolo de Delfos. Em vez disso, o que aconteceu foi que alguns cidadãos romanos veneravam uma dada figura que identificavam como o sol, e outros tinham para esse lugar um outro deus completamente distinto.

Falamos de Roma, sim, mas na Grécia o mesmo se passava. O deus grego do Sol em Rodes era, como não poderia deixar de ser, Hélio. Em Delfos certamente que seria Apolo, como é provável que também o fosse em Atenas, e assim por diante. Apolo, Hélio, Amon Rá (na Mitologia Egípcia), Sol Invictus, eram quatro divindades solares de tempos da Antiguidade, veneradas por pessoas diferentes de locais distintos, e para quem cada uma delas representava aquele sol que vemos no céu. Não havia um só deus grego do sol, uma entidade única com essa tarefa, mas sim um conjunto de figuras divinas que para diferentes pessoas simbolizavam esse mesmo astro. Eu poderia dizer que o Sol era Apolo, o meu colega do lado podia dizer que era Hélio, um familiar distante já podia referir-se antes a Mitra (ou Mitras, se preferirem esse nome), sem que nos zangássemos verdadeiramente por isso. Era tudo uma questão de opinião, pura e simples, e nada mais - e não era apenas uma escolha entre Apolo ou Hélio, Hélio ou Apolo, mas entre vários outros deuses que também podiam simbolizar divindades solares!

 

Não faz então sentido falar-se simplesmente de um deus grego do sol, de um deus do sol grego, ou mesmo de um só deus do sol nos tempos da Antiguidade. Existiam vários, de que Apolo e Hélio eram apenas dois, e cada pessoa era livre de os venerar como se fossem o sol - ou mesmo a lua, no caso particular de Selene e Ártemis - a seu belo prazer. É essa a melhor resposta que podemos dar a Apolo ou Hélio, quem era o deus grego do sol?, mas se alguém discordar dela pode, como sempre, deixar um comentário abaixo com a sua opinião pessoal, que certamente teremos todo o prazer em debater.

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