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Mitologia em Português

13 de Novembro, 2020

Sobre a "Kalevala"

A Kalevala, apesar de ter sido apenas compilada no século XIX por Elias Lönnrot, é o poema épico nacional da Finlândia (como o de Portugal é os Lusíadas). Mas o facto da obra ser tão recente é um pouco enganador, porque nos pode fazer pensar que o próprio poema o é, o que seria completamente falso - não só ele parece preservar um conjunto de mitos finlandeses de outros tempos, como também tem um conjunto de características que nos remetem para uma transmissão oral, nomeadamente o uso quase constante de fórmulas. É, por isso, uma compilação recente, mas de um conjunto de poemas, talvez até originalmente dispersos, que terão mais de 200 anos, mas que só mais recentemente foram sintetizados numa só obra escrita, na qual a influência directa de Elias Lönnrot nem é muito clara.

Uma imagem da Kalevala

Mas então, qual é a história da Kalevala? Começando pelo fim (mas de uma forma que não estraga a leitura da obra), o épico termina com a introdução do Cristianismo em terras da Finlândia, numa sequência em que um herói místico de todo o poema, Väinämöinen, decide abandonar essas terras. Nesse instante, ele refere os três grandes benefícios que tinha trazido ao seu povo - o Sampo, a harpa, e a luz do Sol e da Lua. São essas aventuras que o épico nos relata, desde a criação do mundo, mas de uma forma em cada um dos cinquenta cantos são, essencialmente, fechados sobre si mesmos, na medida em que podem ser lidos quase independentemente. Um canto pode contar-nos como Väinämöinen criou a harpa, e as primeiras canções que ele trouxe ao mundo, e o seguinte pode já referir uma aventura completamente distinta, como o da virgem Marjatta, que engravidou ao comer um arando. Mas, se forem lidos em ordem, ainda se tornam mais interessantes, porque assim cada elemento da trama surge num contexto fácil de compreender.

 

É, assim, a história da Kalevala, um conjunto de acontecimentos significativos para o povo da Finlândia, num conjunto de aventuras que se entrecruzam repetidamente, e em que as palavras da magia, que muito populam esta obra, são tão reais como a busca por animais míticos, os poderes do misterioso Sambo, ou um conjunto de conselhos que devem ser dados às mulheres e aos homens no momento do seu casamento. É quase imprevisível o que se vai encontrar num novo canto, após terminado o seu anterior, o que torna esta obra inesperadamente bela.

 

Infelizmente, a Kalevala não é uma obra que seja muito lida entre aqueles que falam português. O mesmo costuma acontecer com outros épicos nacionais - como o Kebra Nagast ou o Cantar de Mio Cid, entre outros de que já cá falámos antes - talvez porque parece existir uma ideia, muito errada, de que obras como estas só devem ser lidas no seu país de origem. É, até por definição, natural que homenageiem os feitos do seu povo, sejam eles históricos ou puramente míticos, mas isso não os torna menos interessantes, enquanto obras literárias. Pelo contrário, permitem-nos um olhar privilegiado sobre uma cultura que nos é alheia, mas também nos permitem aprender muito mais sobre nós mesmos e a nossa cultura. E, por isso, esta obra vinda de terras da Finlândia, como tantos outros épicos nacionais, merece ser lida, mesmo porque aqueles que nunca consideraram fazê-lo, até porque serão esses os que mais poderão ser surpreendidos com a sua trama constantemente inesperada...

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