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Mitologia em Português

27 de Novembro, 2020

Chave de Salomão, toda a verdade

A Chave de Salomão, também conhecida como a Clavícula de Salomão, é outro daqueles famosos livros sobre magia negra, de que o Livro de São Cipriano é provavelmente o exemplo mais eminente na cultura portuguesa e brasileira. É até provável que já tenham ouvido falar de ambos, mesmo que até tenham muito pouco interesse nestes temas, mas... será esta obra verdade?

 

Desta vez, a resposta não pode ser mais do que um ressonante e completamente indubitável NÃO. Isto porque, mesmo que queiram acreditar que foi o famoso Rei Salomão a escrever toda a obra - como o seu prefácio dá a entender - ora a obra refere ideias que só nasceram na Idade Média (e.g. conceitos como os dos Gnomos, Silfos, Salamandras e Ondinas), ora diz que um dado procedimento mágico deve ser feito no Dia de São João Baptista, ora emprega Latim e Hebraico com múltiplas falhas, e outros tantos problemas que seriam difíceis de resumir nestas linhas. Portanto, não, não foi escrito por Salomão, e será, no mínimo dos mínimos, uma produção medieval posterior a Pedro de Abano (século XIII).

Um belo desenho da Chave de Salomão

Mas de que fala esta Chave de Salomão? Essencialmente, é uma obra literária, uma espécie de grimório, que ensina os leitores a usarem pentáculos como o representado acima para fazerem as suas magias. E se, à primeira vista, isto poderá até parecer muito simples, existe toda uma ciência por detrás do processo. Não dizemos que seja uma ciência real, claro está, mas se for lido com um espírito crítico acaba por ser uma obra interessante para a interpretação de recursos semelhantes. Vejamos um pequeno exemplo mais concreto:

Outro belo exemplo da Chave de Salomão

Este desenho, em particular, deveria ser usado por todos aqueles que quisessem ter uma relação amorosa secreta com alguém. O que a Chave de Salomão explica é, em parte, o sentido dos desenhos que podem ser encontrados dentro do círculo interior, que depois são complementados, entre os dois círculos, com um versículo retirado da Bíblia que pareça relevante para a situação - aqui foi escolhido "Deus/Elohim disse: crescei, multiplicai-vos e enchei a terra", provavelmente numa espécie de ironia satírica - i.e. se é para se cumprir este preceito divino, que se tenha sexo mesmo que seja secretamente!

 

Mas o conteúdo de toda esta obra não é apenas este. Também preserva, aqui e ali, feitiços mágicos mais simples. Por exemplo, suponha-se que têm um inimigo e querem, vá-se lá saber porquê, que ele tenha muitos pesadelos. Devem - segundo esta obra - obter o cérebro de um gato, misturá-lo bem com o sangue de um morcego e embrulhar essa substância num papel em que devem escrever, com o mesmo sangue do morcego, uma oração de duas linhas em Latim.

Ou, se preferirem um exemplo menos violento, e quem necessita de conhecimentos de Latim, para ouvirem uma música bonita deveriam reproduzir um determinado selo (como os já mostrados acima) e recitar as seguintes palavras (sem um sentido real, se alguém tiver curiosidade sobre isso) - Ador, Elepoth, Cheluth, Migareth, Cubot, Sylma, Sirath, Fernechel, Rottomaron, Surcollen, Agra, Seron.

Mais um exemplo retirado da Chave de Salomão

Mas será que alguma destas coisas funciona mesmo? Na imagem acima podem ver mais um exemplo de um pentáculo provindo desta fonte literária. É fácil constatar que é muito diferente dos dois representados acima. E porquê, poderiam perguntar? Pura e simplesmente porque foi retirado de uma edição diferente da consultada para as duas imagens anteriores, apesar de, supostamente, ter o mesmo objectivo mágico que a segunda imagem acima, e nem sequer apresentar qualquer citação bíblica no seu interior (como, recorde-se, o autor da obra dizia que se deveria fazer).

 

São problemas como estes, bem como as falhas já apresentadas acima, que tornam muito difícil que se possa acreditar nos conteúdos desta obra, a Chave de Salomão. Se a ciência que prega fosse verdadeira, seria de supor que respeitasse um conjunto de regras, mas elas são aqui, numa mesmíssima obra, estabelecidas e constantemente quebradas. Seria como se a Matemática pregasse que ás vezes 2+2=4, e outras nos dissesse que 2+2=5-1=3, o que faria muito pouco sentido. Portanto, se até existem obras fiéis sobre estes temas, esta - nas suas muitas edições distintas, deixe-se isso claro - não merece qualquer crédito real, excepto por nos permitir interpretar, de uma forma imperfeita, vários dos desenhos que sejam semelhantes aos já apresentados acima.

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27 de Novembro, 2020

O mito de Tétis

Contar o mito grego de Tétis implica, antes de mais, explicar que existiam duas figuras com este nome na Mitologia Grega. Uma é naturalmente muito mais famosa que a outra, como veremos abaixo, mas falar de uma delas implica, quase obrigatoriamente, fazer pelo menos uma breve alusão à outra, sob pena de se acabar por confundir alguns leitores mais distraídos, como aqueles que, por acidente, fazem das duas Atalantas uma só.

 

Então, a primeira das duas figuras, Τηθύς, que é como quem diz Tethys, era uma titã filha de Urano e Gaia, mas também esposa de Oceano e mãe dos rios e das Oceânides. A sua influência nos mitos e nas lendas da Grécia é muito ténue, sendo quase exclusivamente um conceito sem um corpo real, mais do que uma entidade divina com participação activa e significativa em qualquer história.

 

A segunda, Θέτις ou Thétis, é descendente da anterior e muito mais famosa, até por ter sido a mãe de um dos mais famosos heróis gregos. Mas já lá iremos... Conta-nos este mito que um dado dia, entre as muitas aventuras amorosas de Zeus, ele recebeu uma profecia - se alguma vez ele tivesse um filho de Tétis, esse filho acabaria por ser tão proeminente que iria destronar o próprio pai. Naturalmente que o monarca dos deuses não queria isso, e então desta vez (compare-se com o nascimento de Atena) decidiu resolver o problema casando esta figura com um homem mortal, Peleu. E tudo se resolveria, não fosse o facto da potencial noiva não ter aceite esse casamento.

O mito de Tétis e Peleu

Conta-se então que, com o conselho do deus Proteu (cujas semelhanças com esta figura são dignas de nota), Peleu se aproximou dela durante a noite, enquanto esta dormia, e tentou vencê-la num combate de luta greco-romana, defrontando-a até que aceitasse casar com ele. O episódio mitológico, que foi bastante popular na arte grega - ver, por exemplo, a imagem acima, em que o herói mortal parece abraçar esta nereida, enquanto que ela se transforma numa espécie de leão - presumivelmente passava pela figura feminina a adoptar as mais diversas formas, enquanto que o seu futuro marido pura e simplesmente não a largava. Então, vencida pelo cansaço, lá aceitou o casamento que lhe tinha sido proposto, e foi nesse grande evento que tomou lugar o famoso episódio da maçã de ouro, que acabou por levar à famosa Guerra de Tróia.

O casamento de Peleu e Tétis

Mas a história ainda não fica por aqui. Tétis engravidou e deu à luz Aquiles. Quando tentou tornar o filho imortal, falhou esse processo (as razões variam mediante as versões do mito) e decidiu abandonar o marido. Entregue depois ao pai, Peleu, que se tornou um espécie de pai solteiro e significativamente ausente, Aquiles foi crescendo, até que se juntou ao contingente dos Gregos para a Guerra de Tróia. Depois, o famoso herói até interagiu diversas vezes com a própria mãe, como pode ser visto na Ilíada, e quando este acaba por morrer, aquela que o deu à luz organiza um grande funeral e, talvez pela tristeza de ter perdido o seu único filho, ausenta-se. Nunca mais torna a aparecer significativamente na Mitologia Grega.

 

O que podemos acrescentar a este mito de Tétis? É difícil dizer algo mais, porque a maior parte das obras literárias que nos chegaram tratam esta figura feminina como uma mãe de seu filho, mais do que uma entidade divina completamente independente. Os caminhos dos dois cruzam-se repetidas vezes (e primam pela grande ausência do pai, que o parece ter visitado uma única vez) e, como tal, parecem também cessar o seu percurso mitológico ao mesmo tempo. Quando Aquiles desaparece, também a sua mãe o faz, quase que a dizer que ela existiu, nas histórias a que agora temos acesso, somente para poder dar à luz aquele que se tornaria o segundo maior dos heróis da Grécia Antiga.

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