"Lisboa destruída", um poema do terramoto de 1755
Entre os episódios mais tristes da história de Portugal conta-se, sem qualquer dúvida, o de Lisboa destruída no terramoto de 1755. O evento marcou a história portuguesa e até a de toda a Europa, com Voltaire a ter escrito um poema sobre a ocorrência e a dar-lhe algum foco (até um pouco jocoso, pensamos nós) no seu Cândido; também suscitou diversos debates filosóficos, nomeadamente em relação ao facto do terramoto ter tomado lugar no dia 1 de Novembro - i.e. Dia de Todos os Santos, domingo, quando muita gente até estava na missa - e as zonas da cidade mais associadas à prostituição terem sido poupadas; e até nos fez perder o túmulo original de Camões. Mas... na verdade, como foi o terramoto de 1755?
Sabemos, naturalmente, que Voltaire não testemunhou a ocorrência na primeira pessoa. Mas então, quem o fez? Podem ser encontrados, aqui e ali, alguns testemunhos bem reais de toda a ocorrência, mas um dos mais interessantes que já encontrámos foi a obra Lisboa Destruída, um poema em seis cantos da autoria do Padre Teodoro de Almeida. Nos seus versos podem ser encontradas referências bem reais ao que aconteceu na cidade de Lisboa nessa altura. Podemos até dar aqui um pequeno exemplo. Face à enorme destruição da cidade, que a tornou quase irreconhecível, uma das personagens interroga-se então o seguinte:
Perco o tino. Onde estou? Que campo é este?
Tão deserto, e no meio da cidade!
Diz, amigo, pois tu bem conheceste
A Lisboa antes desta novidade.
Mas já sei onde estou. Ainda não leste
Mais funesta mudança na verdade,
Não é campo. São ruas muito estreitas
Mas de todo arrasadas e desfeitas.
Mas como sabemos se os eventos apresentados em Lisboa Destruída foram reais? Se as coisas realmente tomaram lugar como este Padre Teodoro de Almeida as pintou na sua obra? Talvez porque, em determinados momentos da sua obra, o poeta até dá mais informação, que nos parece muito realista, sobre os eventos que cantava. Por exemplo, mais à frente no poema ele informa-nos da seguinte curiosidade, através de uma anotação aos seus versos, enquanto relata um evento muito semelhante na composição poética:
No dia 10 de Novembro, na Rua Nova da Palma, ouviu o Monsenhor Sampaio os gemidos de Maria Rosa (que assim se chamava esta donzela), e cavando achou-a abraçada a uma imagem de Santo António. Caíra ela de forma que não largou a devota imagem, que ternamente abraçava, e reparou que estendendo a mão debaixo das ruínas podia chegar a umas penduras [i.e. cachos] de uvas, de que se foi valendo naqueles dez dias, com a economia que a prudência ditava, não sabendo se seria - ou quando seria - desenterrada.
Será isto verdade? Será este um dos muitos eventos que tomaram lugar em Lisboa após o sismo de 1755, como tantos outros apresentados brevemente nesta mesma obra? Não temos razões reais para duvidar da informação, seja de este ou de outros episódios mencionados na obra, cujos nomes e circunstâncias dos envolvidos o autor nos faculta. Mesmo que não os tenha testemunhado totalmente ou a todos na primeira pessoa, pelo menos parece ter tido informação digna de crédito em sua posse, até porque são raríssimos os poemas que afirmam as suas fontes (reais) de uma forma tão directa e palpável.
Mas o que dizer deste poema Lisboa Destruída, em termos literários? Se a sua trama condutora é muito básica (e pouco interessante), há que afirmar que ela só parece servir de ligeiro pano de fundo para a apresentação consecutiva dos mais diversos episódios que foram tomando lugar aquando do desastre de 1 de Novembro de 1755 e dos dias que se seguiram. Não é, de todo, um poema belo, mas é um que oscila repetidamente entre dois grandes polos, o da destruição da cidade de Lisboa e o da esperança humana presente em todos os infortúnios. Quando se lêem momentos em que várias pessoas, aparentemente desconhecidas umas das outras, partilham pão e os breves restos de um pouco de compota que encontraram, como não relembrar essa grande capacidade humana para, em conjunto, lutar contra as muitas adversidades da vida, seja num terramoto de outros tempos ou numa pandemia dos nossos dias?