Quem foi o Pretinho do Japão?
Quem foi o Pretinho do Japão? O nome até nos poderá parecer estranho, mas é-nos facilmente trazido à memória se tivermos em conta que na cidade do Porto pode ser encontrada uma mercearia gourmet com este mesmo nome. Ele poderá parecer estranho ao cidadão comum, até quase um tanto ou quanto racista, não fosse o facto de já ter existido, no passado da cultura nacional, um estranho e críptico autor igualmente conhecido sob este mesmo nome.
Reza a lenda que um tal Capitão Baltasar de Sousa Godinho, figura hoje quase desconhecida, vivia por terras da Sertã, no norte de Portugal. Esse capitão tinha um escravo, cujo verdadeiro nome entretanto se parece ter perdido*, que compunha versos e que ficou conhecido sob o nome de Pretinho do Japão. Quando faleceu - diz esta lenda que por volta de 1439 - encontraram parte das suas composições poéticas debaixo do travesseiro que tinha sido o seu.
São versos muito simples, de duas ou três palavras, com muito pouco mérito poético, mas a acreditar na lenda... um dia alguém os releu e acabou por se aperceber que eles profetizavam, até de uma forma muito directa, o futuro da nação portuguesa, sendo até referida a figura de (D.) Sebastião. E então, estes versos - quase certamente falsos, pelas mais diversas razões - tornaram-se famosos no contexto do Sebastianismo. E não foram caso único - a mesma edição a que tivemos acesso, de 1850, preserva igualmente três sequências de versos - "do Mouro [de Granada]", anónimas, e do Padre António de S. Bento de Xabregas - que também pareciam profetizar a futura vinda milagrosa de D. Sebastião.
Os versos do Pretinho do Japão são, como os (muito mais famosos) versos de Bandarra, uma espécie de composição de esperança. É quase certo que sejam falsos, que não tenham sido verdadeiramente escritos no século XV, mas somente já no mais pleno século XIX, após as Invasões Francesas (até pelo facto de as referirem directamente). Mas se, enquanto autor, a potencial figura por detrás do escravo é menor, é curioso constatar que o seu estranho nome chegou até aos dias de hoje...
*- Encontrámos, numa anotação numa obra manuscrita do século XVIII, uma referência a um profeta "[Pai] Clemente Gomes, Preto do Japão". Terá sido o nome original da figura aqui em questão? Não temos a certeza, mas a mesma obra também frisa um ponto muito curioso - como poderia uma pessoa supostamente vinda do Japão estar em Portugal em meados do século XV, quando os Portugueses só chegaram a esse país quase um século depois? Nunca é dada uma resposta, mas sugere uma certa ficcionalidade por detrás desta figura...