O mito de Caronte
O mito de Caronte é o de uma figura muito singular da Mitologia Grega. Filho de Nyx, a Noite personificada, este Caronte era uma espécie de barqueiro infernal, e o grande deus responsável por transportar quem falecia para o estranho mundo do pós-vida, localizado além do rio Estige. Nesse sentido, as pessoas falecidas até eram tipicamente sepultadas ou queimadas com um óbulo na boca, para que no mundo dos mortos tivessem essa importância monetária necessária para pagar o transporte.
"Para que queria Caronte esse dinheiro?", podiam perguntar alguns leitores. Na verdade, até é uma questão relativamente frequente. Não há um registo real do que ele fazia com os óbulos que os falecidos lhe iam entregando, até porque enquanto figura divina nada lhe faltaria em termos de posses materiais, mas é provável que se tratasse de um costume meramente simbólico - tal como os barqueiros no mundo dos vivos pediam uma moeda, ou uma espécie de gorjeta, pelos seus serviços, supunha-se que também este derradeiro navegador o fizesse.
Feita esta breve introdução à figura de Caronte, pergunte-se - são muito os mitos em que ele entra, enquanto figura mitológica? Existem, aqui e ali, algumas referências mais directas a esta figura. No mito de Sísifo, por exemplo, esse anti-herói volta para trás, e regressa até à vida, após não ter o óbulo necessário para pagar esta espécie de portagem. Hércules ameaçou-o com os seus punhos, quando ia a caminho para capturar o monstruoso Cérbero. Cruz-se com Psique. Surge como personagem em diversas das obras de Luciano da Samósata. E outras coisas que tais, mas normalmente limita-se a fazer o seu trabalho, sem ter uma grande influência real na trama de algum mito em específico. Por exemplo, desconhece-se que alguma vez tenha tido filhos, ou que se tenha apaixonado por uma das muitas mulheres cujos espectros foram levados no seu barco...
Ainda assim, se Caronte nunca teve um papel principal nos muitos mitos que nos chegaram, a sua tarefa única parece ter ficado fixada na cultura popular. Dante - a personagem, não o próprio poeta - cruza-se com ele nos inícios da Divina Comédia, e obras muito mais recentes, como A House-Boat on the Styx (de John Kendrick Bangs, autor americano de finais do século XIX), também o reutilizam como personagem. Aparece em vários filmes, quase sempre no seu famoso papel. Se não foi, em outros tempos, uma figura principal na Mitologia Grega ou nas muitas histórias dos Romanos, há que frisar que também não está de todo esquecida nos dias de hoje...