O mito de Rómulo e Remo
A lenda ou mito de Rómulo e Remo, que une os dois gémeos a uma loba de nome Luperca, é provavelmente um dos mais conhecidos de toda a Mitologia Romana, não existindo hoje qualquer prova completamente fidedigna de que já existisse nesta forma actual nos mitos gregos. Agora, se esta pequena história tem diversas versões, até porque foi sendo significativamente alterada ao longo dos séculos, iremos contar aqui a sua versão mais comum:
Conta-nos a lenda que Rómulo e Remo nasceram da violação da vestal Reia Sílvia por Marte, deus da guerra. Seriam então herdeiros de tudo aquilo que se viria a tornar o Império Romano, não fosse o facto de um rei vingativo, Amúlio, querer o trono para si mesmo; para o conseguir, prendeu esta sua sobrinha e abandonou os recém-nascidos no Tibre, como que condenando-os à morte. E o seu plano funesto teria resultado, mas os gémeos subsistiram ao serem alimentados por uma loba (a tal Luperca), um pica-pau (possivelmente chamado Pico), e/ou outros animais, mediante a versão de toda a história. Algum tempo depois foram encontrados na floresta e levados por um pastor, Fáustulo, que os criou com o auxílio da sua esposa, Aca Larência.
Os gémeos Rómulo e Remo foram crescendo, até que lá derrotam Amúlio num confronto, salvam Reia Sílvia, e decidem criar uma nova cidade no mesmo local em que um dia foram abandonados. Tudo estaria bem, por esta altura, mas surgiu então um conflito sobre que nome dar a essa cidade - iria ela ser Roma ou Rémula? O nome foi decidido com recurso a prodígios divinos, mas o incidente levou a um conjunto de circunstâncias que terminou com a morte de Remo... depois, Rómulo ainda viveu mais uns anos, e passou por muitas outras aventuras (a mais famosa das quais será provavelmente o Rapto das Sabinas), antes de sofrer um desaparecimento misterioso de que já cá falámos antes, tendo-se potencialmente tornado o deus romano Quirino!
Sobre este breve relato, há que explicar um problema muito significativo - a grande dificuldade de resumir o mito de Rómulo e Remo passa, como já se deu a entender acima, pelo facto de toda a sua história se encontrar repleta de múltiplas versões, que vão sofrendo alterações ao longo dos séculos. Para dar apenas três exemplos, paradoxógrafos como Palaefato chegam a dizer que Luperca, que se supunha ter sido uma loba real, era na verdade uma prostituta que deu de mamar aos dois gémeos; outros dizem que Roma e Rémula foram ambas fundadas pelos heróis, mas apenas a primeira sobreviveu ao peso dos séculos; e Rómulo tem um papel muito diverso na morte do seu irmão Remo, desde versões que o culpam por completo até algumas que o isentam de qualquer acto que possa ser visto como menos positivo.
Ao mesmo tempo, muitas das figuras que entram neste mito acabaram por ganhar uma grande importância entre os Romanos. Rómulo tornou-se o deus Quirino, como já referimos, mas Remo ainda era celebrado no festival da Remúria/Lemúria; Reia Sílvia foi tornada divina em algumas versões; a loba era celebrada durante a Lupercália; Aca Larência foi tornada divina e era celebrada na Larentária; e assim por diante, num padrão tipicamente romano que foi seguido ao longo de séculos, em que figuras supostamente históricas do passado de Roma foram sendo divinizadas após as suas mortes.
Para terminar as linhas de hoje, talvez seja justo concluir que mais do que um só mito de Rómulo e Remo, existem é várias versões de uma história semelhante, que os diversos autores vão adaptando e alterando em virtude das suas necessidades individuais. Assim se explica que apenas alguns digam que Rómulo e Quirino são a mesma figura, que Luperca não era uma loba real, ou que cidades que existiram em outros tempos agora não fossem mais do que meras ruínas cujos nomes já há muito tinham sido esquecidos...