A lenda de Pedro e Inês (e o seu poema secreto)
A lenda de Pedro e Inês é quase certamente a mais famosa história de amor de Portugal. De facto, é tão sobejamente conhecida no nosso país - até aparece nos Lusíadas! - que aqui decidimos apenas recordar as suas linhas muito gerais, em forma de introdução a um suposto poema secreto de Pedro e Inês, escrito - como é fácil entender com base nos seus versos - após a morte da sua amada.
Conta-se então que estando Pedro casado com Constança Manuel, se apaixonou por uma aia desta, de seu nome Inês de Castro. Não sabemos se terão existido infidelidades, mas quando Constança faleceu em 1345, Pedro recusou toda e qualquer outra mulher, dizendo que só aceitava casar com a sua amada Inês. Diz-se até que casaram em segredo (assim o afirma Fernão Lopes, e um documento ainda presente na Torre do Tombo parece confirmá-lo), mas o rei Afonso IV, pai de Pedro, nunca aceitou essa união, pedindo em 1355 a alguns ministros para assassinarem Inês (os seus nomes até nos chegaram - Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves, e Diogo Lopes Pacheco), tendo ela falecido em Coimbra, no local que é hoje a Quinta das Lágrimas, onde tantas vezes os dois amados se tinham encontrado secretamente. Depois, quando Pedro I ascendeu ao trono por falecimento do pai, diz-se que puniu com a morte os culpados e sentou o corpo da sua amada, então já falecida, no trono de Portugal, fazendo dela a única rainha póstuma. Hoje estão ambos enterrados em Alcobaça, sob o signo "Até ao fim do mundo", momento em que esperavam tornar a ver-se e até reunir-se no seu amor eterno...
Toda esta lenda de Pedro e Inês é ainda hoje muito conhecida, até pela influência de tragédias tão belas como A Castro (de António Ferreira), mas o que provavelmente já menos saberão é que existe uma composição poética, cuja autoria se atribui ao então-futuro rei, dedicado à sua amada. É o seguinte poema secreto, que aqui reproduzimos com ligeiras adaptações, somente para facilitar a leitura nos nossos dias:
Senhora, quem vos matou
Seja de forte ventura,
Pois tanta dor e tristura [i.e. tristeza]
A vós e a mim causou.E pois não vi mais asinha [i.e. depressa]
Tolher vosso triste fim,
Recebo-vos, vida minha,
Por Senhora, e por Rainha
De estes Reinos e de mim.Estas feridas mortais
Que pelo meu se causaram,
Não uma vida, e não mais,
Mas duas vidas mataram.A vossa acaba já,
Pelo que não foi culpada,
E a minha, que fica cá,
Com saudade será
Para sempre magoada.Oh crueldade tão forte
E injustiça tamanha!
Viu-se nunca em Espanha
Tão cruel e triste morte?Contar-se-á por maravilha
Minha alma tão verdadeira,
Pois morreis desta maneira.
Eu serei a Torturilha
Que lhe morre a companheira.Aí, Senhora, descansada,
Pois que vos eu fico cá,
Que vossa morte será
(Se eu viver) bem vingada!Por isso quero viver,
Que, se por isso não fôra,
Melhor me fôra, Senhora,
Convosco logo morrer.Que coisa há esta que vim
Ou onde me ensanguentei,
Senhora, eu vos matei,
E vós matasteis a mim!
Sangue do meu coração
Ferido coração meu,
Quem assim por esse chão
Vos espargueu sem razão,
Eu lhe tirarei o seu.
É um poema com alguma beleza, que nos remete para o sofrimento final da lenda de Pedro e Inês, para essa morte de Dona Inês de Castro e a promessa eterna deste seu amado. Não sabemos se ele terá sido verdadeiramente escrito pelo (então futuro) rei, mas aparece como tal em diversos documentos, e ao fazermos hoje esta publicação dedicada ao sentimento do amor, essa potencial sugestão dos documentos basta-nos, mesmo que possa até nem ser completamente verdadeira.