A lenda de São Guinefort, o santo cão
Contar a lenda de São Guinefort implica, talvez até antes de tudo o mais, deixar claro que esta muito incomum santidade canina existe apenas e exclusivamente em nome. Não temos qualquer certeza que ele tenha verdadeiramente existido na carne - Pausânias, no segundo século da nossa era, até já contava uma história muito semelhante - mas mesmo a querermos acreditar que sim, a sua aclamação à santidade foi meramente popular, nunca tendo sido ele reconhecido em qualquer igreja oficial como tal. Ainda assim, sendo hoje o dia do animal de estimação, achámos que seria uma boa ideia recordar a história deste santo cão, hoje já tão esquecida até em locais como a Wikipedia...
Esta história, ou lenda de São Guinefort, começa quando na Idade Média um padre francês foi trabalhar para uma nova paróquia, algures na região de Lyon. Depressa se apercebeu que os seus paroquianos eram muito católicos, tendo enorme fé num santo cujo nome ele nunca tinha sequer ouvido antes. Foi deixando a situação passar, mas quando notou que as paroquianas tinham por hábito deixar os bebés doentes no túmulo deste santo para serem curados, começou a ficar mais e mais intrigado com toda a situação. Foi então que lhe contaram a história e o martírio da figura que tanto veneravam:
Um casal tinha um filho ainda muito jovem. Quando tinham de sair de casa, a cada nova manhã, pediam a Guinefort, então ainda vivo, que lhes cuidasse do filho. Tudo corria bem, até que um dia voltaram a casa e encontraram este guardador cheio de sangue. Incrédulos com toda a situação, pensando automaticamente que ele lhes tinha feito mal ao filho, mataram-no logo... apenas para depois virem a descobrir que esse sangue era, afinal, de uma cobra que tinha entrado pela casa e tentado atacar o bebé!
Inicialmente o padre francês não viu nada de mal em toda esta situação, bem pelo contrário, mas à medida que o tempo foi passando, lá lhe deu um clique na cabeça e acabou por se aperceber que este grande santo protector dos mais novos, São Guinefort, era, na verdade, um cão! Lá tentou proibir essa veneração, tentou que as pessoas se focassem em outros santos mais reais e totalmente distintos, mas sempre sem qualquer sucesso - de facto, esse culto chegou quase até aos nossos dias, aparentemente só tendo sido suprimido já em pleno século XX (como também aconteceu com tantos outros no nosso país).
Ainda hoje existe uma associação com este nome em Châtillon-sur-Chalaronne, sendo possível que toda esta história da lenda de São Guinefort tenha tomado lugar nas proximidades, mas não parece existir qualquer igreja em que este suposto mártir ainda possa ser visto, nem nunca conseguimos encontrar o lugar preciso do seu, outrora tão famoso, túmulo com propriedades miraculosas. Ainda assim, é curioso que exista ainda hoje um outro santo cão, esse já na Igreja Ortodoxa, ainda muito venerado entre eles, mas que a Igreja Católica só reconhece sob uma forma bastante distinta.
Ah, e para quem tiver essa curiosidade adicional, não há registo de qualquer santo felino (ou peixe, ou mesmo pássaro, com excepção do Espírito Santo sob a forma de pomba branca)...