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Mitologia em Português

29 de Março, 2021

A lenda do Túmulo da Família Chase

Esta lenda do Túmulo da Família Chase, que nos vem das ilhas Barbados, merece ser contada aqui em virtude de se encontrar numa linha muito ténue que separa a ficção da realidade. Isto porque ninguém duvida que esta família tenha existido, mas o grande problema prende-se com o que foi acontecendo com ela depois das mortes dos seus membros. Na verdade, até vimos este caso mencionado em diversas obras credíveis sobre mistérios que nunca foram resolvidos, deixando claro que não se sabe, mesmo, o que teve lugar.

 

Conta-se então que uma criança desta família faleceu em tenra idade, nos inícios do século XIX. Tendo então sido construído um Túmulo da Família Chase, foi a primeira a ser colocada no local. Mas depois, quando algum tempo mais tarde faleceu outro membro da mesma família, o recinto foi aberto e o primeiro caixão foi encontrado fora do seu lugar. A situação foi corrigida e foi depositado esse segundo caixão no local. Tudo estaria bem, mas quando faleceu outro membro da mesma família, o problema voltou a repetir-se - outra, e outra, e outra vez!

O Túmulo da Família Chase

Naturalmente assustadas, as pessoas da zona lá tentaram investigar o que se passava, com os mais diversos subterfúgios - incluindo meter areia no chão, para detectar possíveis pegadas de brincalhões, ou bloquear totalmente o acesso ao jazigo - mas cada vez que tinham de reabrir o Túmulo da Família Chase, encontravam tudo num enorme corrupio.

Isto foi-se repetindo até 1819-1820. Depois parou, não porque o estranho fenómeno tenha cessado, mas porque já não existiam mais pessoas para serem enterradas lá, tendo os locais decidido que já era hora de deixar repousar os mortos, enterrando cada um deles em campas totalmente distintas.

 

Hoje, o local em que tudo isto supostamente teve lugar ainda pode ser visitado - é conhecido como Chase Vault no original inglês - nas Barbados, mas nada de especial acontece por lá. Será que algum dia aconteceu? Será que toda esta história até tem algum fundo de verdade? Numa dada altura, até Arthur Conan Doyle deu a sua opinião em relação a todo o caso, que considerava verídico, mas hoje já não é tão claro se tudo isto se trata de uma lenda ou de uma história completamente falsa, inventada nas primeiras décadas do século XIX por alguém com algum objectivo menos claro. Não sabemos o que se poderá ter passado - conforme já referido acima, os livros que consultámos consideram-no um caso verídico mas irresolvível - mas não deixa de ser uma boa história para se contar em redor de uma fogueira...

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25 de Março, 2021

O mito de Sibilja

Existem mitos que não podem deixar de nos fazer sorrir. O mito de Sibilja é um deles, por toda uma estranheza que nos transmite, que pouco destoaria num desenho animado para crianças - e mesmo aí, é provável que alguém viesse dizer que esta história da Mitologia Nórdica é demasiado inverosímil!

O mito de Sibilja

Conta-se então que o rei Eysteinn, na Suécia do século VIII da nossa era, possuía uma vaca mágica, venerada como uma deusa, cujo mugido era capaz de incapacitar todos os combatentes adversários. Se ela estivesse feliz e contente (o que implicava dar-lhe muito comida e carinhos, entre outras coisas que tais), Sibilja lá se punha a mugir e toda a batalha estava ganha. Nada mais simples, e durante vários anos foram até muitos os exércitos que caíram sob este fabuloso, e aparentemente inevitável, poder!

Até que um dia, o rei e a sua Sibilja lá acabaram por ser derrotados. Para tal, os opositores dispararam uma flecha contra a cabeça da vaca, causando-lhe dor e forçando-a a fugir pelo campo fora. Depois, quando ela se começou a aproximar dos atacantes, estes pegaram num homem muito gordo, atiraram-no pelo ar e, caindo ele em cima da vaca, esmagou-a (o que não é uma tarefa nada fácil). O resto da batalha procedeu normalmente, com um combate entre dois exércitos, acabando com a derrota de Eysteinn.

 

O que podemos acrescentar a todo este mito de Sibilja? Se existem muitas outras histórias, por todo o mundo, de animais particularmente perigosos - a "nossa" Porca de Murça, os Neades, a Kitsune, etc. - o que toda esta história tem de notável é o facto do monarca sueco ter em seu poder um animal com poderes mágicos que adaptou às lides da guerra. Não existem muitos exemplos, pelo menos na literatura da Antiguidade e da Idade Média, de criaturas mitológicas que tenham sido como que "capturadas" e usadas em combate, apesar de ser uma ideia muito reutilizada em filmes, séries e videojogos dos nossos dias. Por isso, se alguém se lembrar de outros exemplos com mais de 500 anos, por favor deixe-nos um comentário com essa informação!

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23 de Março, 2021

Os Chineses comem carne humana?

Uma curiosa lenda urbana, com menos de umas décadas de existência, diz que os Chineses comem carne humana. Supostamente, e segundo dizem essas más-línguas, eles pegam nos membros mais velhos das suas famílias e, quando estes acabam por falecer, cozinham-nos. Uma variante, com uma notória intenção de difamar os restaurantes chineses, dizem que eles são mais baratos porque cozinham cão, gato, baratas, lagartixas, etc. Mas será que tudo isto tem algum fundo de verdade?

Os Chineses comem carne humana?

Em relação ao primeiro ponto, já cá contámos uma história de antepassados chineses. Caso não tenha ficado totalmente claro nessa altura, a cultura chinesa ainda pratica, de uma forma significativa, um culto dos antepassados, pelo que a ideia de consumirem o corpo de um avôzinho seria, para eles até muito mais do que para nós, completamente abominável.

Deixando então e já de lado essa estranha possibilidade sugerido pela lenda urbana, será que os Chineses comem carne humana, como se sabe - é verdade - que consomem a carne de muitos outros animais?

 

Responder a isso implica explicar um aspecto importante da cultura chinesa. Se sabemos, sem qualquer dúvida, que os Chineses tendem a comer carnes exóticas - bastará recordar-se até um dos mitos sobre a origem/criação do Coronavírus - há que esclarecer que normalmente não o fazem pelo sabor das mesmas, mas por todo um conjunto de características que na sua cultura são associadas a esses animais. Como em Portugal se pensa, por exemplo, que comer cenouras faz os olhos bonitos, ou que o porco é um animal sujo, também em terras da China existem um conjunto de associações aos diversos animais, tanto reais como mitológicos, que podem ser vistas em obras como o Clássico das Montanhas e dos Mares (山海经), uma obra muito interessante que é um misto de Geografia e bestiário. Nesse sentido, mesmo que comessem toda a espécie de animais para nós estranhos, só o fariam porque, na sua cultura, esse animal tem alguma conotação positiva - o que não é, tanto quanto conseguimos apurar, o caso das baratas ou dos seres humanos.

 

Mas, relembre-se, não é isso que diz a lenda urbana. Diz é que os Chineses podem servir nos seus restaurantes essas comidas, consideradas para nós "exóticas". O que é certamente possível, admita-se que sim, mas também é possível que qualquer outro restaurante, independentemente da sua nacionalidade, o faça. Ainda há poucos anos foi encerrado um restaurante (português) na zona de Sintra porque servia MESMO o proverbial "gato por lebre". Nesse sentido, não há qualquer prova real de que os restaurantes chineses o façam mais, ou menos, do que quaisquer outros.

 

Tudo isto se tratam, então e somente, de puras lendas urbanas, sem qualquer dúvida. Não é correcto afirmar que os Chineses comem carne humana, tal como não é absolutamente certo que os restaurantes de Portugal não sirvam, igualmente a bem do vil metal, carne humana ou de animais menos próprios. Tudo depende dos escrúpulos dos seus proprietários, independentemente da sua nacionalidade.

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21 de Março, 2021

Três breves lendas - a Praia do Guincho, a Praia das Maçãs e a Praia do Tamariz

Com o tempo a melhorar recordamos hoje três breves lendas, associadas à Praia do Guincho, Praia das Maçãs e Praia do Tamariz - afinal, porque tem cada uma delas esse seu nome individual? E de onde vêm eles? Na verdade, confesse-se que nem todas as três têm lendas associadas, com uma trama real e bem definida, mas existem explicações que podemos oferecer e que estão por detrás de cada um dos seus nomes. Assim, decidimos recordá-las aqui hoje, num triplo conjunto, dada a sua grande fama e relativa proximidade.

A Lenda da Praia do Guincho

Em relação a uma lenda da Praia do Guincho, ela está intimamente ligada com a da Boca do Inferno, que já cá contámos anteriormente. Essencialmente, e a acreditar no que contámos nessa altura, quando o cavalo que transportava dois amantes caiu de forma inesperada - tenha sido para o Inferno, ou para um qualquer outro lugar desconhecido - soltou um derradeiro guincho de desespero, que até pôde ser ouvido à distância de sete quilómetros que separa os dois lugares. Terá sido verdade? Tendo em conta o vento - frequente e ruidoso - de toda a zona, isto parece-nos pouco verosímil, mas é essa a história que aparece quase sempre associada ao local.

A lenda da Praia das Maçãs

Sobre uma possível lenda da Praia das Maçãs, a razão do nome é relativamente simples e diz-nos que, há já muitos anos atrás, a Ribeira de Colares (que se junta ao Oceano Atlântico nesta mesma praia), trazia em algumas alturas do ano muitas maçãs na sua corrente, que depois acabavam impreterivelmente por dar à costa aqui. Nunca o vimos a acontecer, mas segundo um habitante local, na casa dos seus 80 anos, "eu ainda vi isso... mas entretanto as coisas mudaram". Será mito ou será lenda? Não sabemos, mas a acreditar no que nos foi contado isto até faz algum sentido, tal como faz igualmente sentido que as maçãs, fruto do corte crescente das suas árvores, tenham deixado de aparecer por esta bela praia, tendo-se perdido parte da razão para o seu nome.

A lenda da Praia do Tamariz

Finalmente, sobre uma potencial lenda da Praia do Tamariz, não tem muito que se lhe diga - o nome tem pouco mais de um século e parece vir do facto de existirem tamarizes, também conhecidos como tamargueiras, no forte próximo do local, visto do lado esquerdo na imagem. Não sabemos se ainda lá estão, nestes dias de hoje, mas já lá estiveram e, na verdade, foi mesmo daí que toda esta praia da Costa do Estoril tomou o seu nome, alterando aquele que tinha anteriormente!

 

Estas três espécies de lendas, associáveis à Praia do Guincho, Praia das Maçãs e Praia do Tamariz, não têm muito que se lhe diga, salvo um certo grau de incerteza por detrás das origens dos seus nomes (e isto, apenas nos primeiros dois casos). Quando se falam deles, normalmente contam-se pequenas histórias como as que hoje aqui reproduzimos, e a ter existido alguma história mais complexa por detrás destas explicações, as actuais terão nascido ou por sua simplificação, ou por mero esquecimento das suas verdadeiras origens. A segunda destas possibilidades é particularmente notável num outro caso, o da chamada "Praia do Anjo", na mesma região que as três anteriores, mas de que, hoje em dia, já quase não há memória, tanto ao nível da sua localização original como das razões que levaram ao seu singular nome...

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18 de Março, 2021

O mito de Siegfried (e Sigurd)

Há alguns dias, quando aqui falámos sobre Fafnir, sentimos alguma dificuldade em separar essa figura do mito de Siegfried, provavelmente o maior e mais significativo de todos os heróis nórdicos e germânicos. Nesse sentido, recorde-se até o que a Saga dos Volsungos, um texto do século XIII, diz em relação a ele, no instante do seu funeral:

Nunca irá existir neste mundo outro homem como Sigurd, nunca irá nascer alguém que o possa equiparar em nada, e o seu nome será sempre famoso na língua germânica, e em toda a Escandinávia, enquanto o mundo existir[!]

Relembre-se que Sigurd não é mais que um dos nomes de Siegfried na Mitologia Nórdica, adoptado para o mesmo herói numa outra cultura, mas pouco, ou quase nada, os distingue - usamos aqui o seu nome alemão por ser, hoje em dia, o mais famoso dos dois. Contudo, se as suas principais aventuras se parecem ter mantido ao longo dos séculos (bastará que se compare o texto mencionado acima com a Canção dos Nibelungos, ou mesmo com a trama do ciclo Anel de Nibelungo de Wagner), elas são contadas de uma forma significativamente diferente, o que torna sintetizá-las aqui. Assim, contamos aqui, de uma forma breve, os três principais momentos da grande história associada a este herói:

O mito de Siegfried

O primeiro deles é o que une Siegfried (e Sigurd) a Fafnir, de que aqui falámos há alguns dias. O herói defronta esta criatura dracónica e acaba por vencê-la, mas os contornos de todo o episódio, bem como os poderes obtidos no final do confronto, variam um pouco. Na versão mais interessante que encontrámos, esta personagem principal é aconselhada a esconder-se num buraco e aguardar pela passagem do monstro; quando este passa, o herói dá-lhe um único golpe mortal com a sua lança, ferindo-o directamente no coração e fazendo o monstro soltar um derradeiro monólogo, em que o avisa do que irá tomar lugar (previsivelmente, a personagem principal opta por ignorá-lo).

O que este episódio tem de especial é o facto do herói se tornar muito conhecido por causa dele. Sempre que é mencionado, ele é "aquele que matou [o dragão] Fafnir". É esse o seu maior feito, até que o seu neto, Sigurd Olho de Cobra, acaba por receber esse nome ainda em virtude de uma alusão, então mais velada, relativa a este grande feito.

Brunilda e Siegfried

O segundo grande momento do mito do herói é o que o une a Brunilda, hoje famosa como uma espécie de valquíria despromovida (elemento que nem sempre consta nos originais). Os contornos da relação entre ambos dependem da versão do mito, mas o que é sempre comum é que ela casa com outro homem por lhe atribuir feitos que, na verdade, foram realizados por Siegfried. Isto leva, anos mais tarde, a uma discussão entre Brunilda e a esposa do próprio herói, em que a primeira se vê insultada e completamente humilhada. Enraivecida, será ela a culpada da morte do herói (quase) invencível - mas já lá iremos! Por agora, bastará frisar que a discussão entre elas se torna tão feia que, numa dada altura, são reveladas a Brunilda coisas como "foi o meu marido, e não o teu, que te tirou a virgindade" e "este anel, que era teu, foi-te roubado por ele e foi-me dado por ele."

A morte de Siegfried

Nesse seguimento, o terceiro, e derradeiro, momento da história de Siegfried (e Sigurd) é o da própria morte do herói. Enraivecida por toda a humilhação de que foi alvo - e com boa razão - Brunilda pede ao próprio marido que a vingue, e este acaba por fazê-lo. Naquela que parece ser a versão mais famosa do episódio (as outras têm em comum o facto do herói ser morto à traição), é conhecido o ponto fraco do herói através da sua esposa, e depois, quando no final de uma caçada ele se baixa para beber de uma fonte de água, é atingido com uma lança nesse ponto. Morre quase como morreu Fafnir, na sequência de uma maldição que só parece terminar quando o ouro do dragão é atirado ao Reno (mas essa já é uma história para outro dia)...

 

Claro que existem muitas outras histórias na vida deste herói lendário, mas estes são os três grandes momentos que, uma e outra vez, as várias versões vão mantendo. Tudo o resto são elaborações advindas dessa trama principal, a de uma grande personagem que, repetidamente, se vê vítima das circunstâncias - a morte do dragão é-lhe pedida; os eventos que enganam Brunilda são-lhe pedidos; e a sua própria morte é não em batalha, como se esperaria de um combatente quase invencível, mas à traição, como a de Aquiles. Acaba por ser fascinante, essa ideia de que os grandes heróis falecem não no campo de batalha, mas demasiadas vezes por uma traição brutal, de que o exemplo de Viriato é provavelmente o mais famoso no nosso país...

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15 de Março, 2021

O mito de Fafnir

O mito de Fafnir conta-se entre os mais conhecidos da Mitologia Nórdica, em particular a forma como este dragão foi derrotado e morto pelo herói Sigurd/Siegfried. Poderia então pensar-se, como em muitos outros exemplos semelhantes, que esta figura era apenas uma criatura mitológica como tantas outras, numa tradição que pouco separa Ratatosk do Dragão da Cólquida, mas na verdade esta figura não é pura e simplesmente um dragão.

O mito de Fafnir

Conta-nos então o mito de Fafnir que, originalmente, este era um anão que tinha dois outros irmãos, Regin e Otaro. Este último tinha o poder de se transformar em lontra (daí a origem da palavra inglesa otter...), e sob essa forma foi morto, de forma acidental, pelos deuses. Talvez para se redimirem dessa acção, talvez por terem sido capturados e compelidos a tal, os deuses deram ao pai de Otaro algum ouro, entregue no próprio corpo do falecido filho - mas, se referirmos que este "prémio" foi entregue por Loki, o mais enganador dos deuses nórdicos, depressa se percebe que ele não vinha sem um senão, estando condenados à destruição todos aqueles que o viessem a possuir (ou apenas um anel muito especial que fazia parte desse tesouro, dependendo da versão).

Pouco depois de terem recebido esta oferta, Fafnir e Regin mataram o próprio pai e apoderaram-se de todo o seu tesouro, mas foi esse primeiro dos dois irmãos que acabou por ficar com ele para si mesmo. E assim, à medida que o tempo foi passando, tornou-se mais e mais avarento, acabando até por levar o seu tesouro para uma caverna, transformando-se num verdadeiro dragão.

Anos mais tarde, com a ajuda de Regin, Siegfried encontrou o local, derrotou este dragão e apoderou-se daquele que viria um dia a ficar conhecido como o "ouro do Reno". Mas o mito, ou lenda, como preferirmos chamar-lhe, ainda não fica por aqui - bebendo o sangue deste monstro, o mais famoso dos heróis nórdicos ganhou poderes místicos, como a capacidade de entender o significado do canto dos pássaros; comendo o seu coração, ganhou o dom da sabedoria; e, segundo outras versões, tomando banho no seu líquido vital recebeu até o dom da invulnerabilidade, com a excepção de um ponto em que, coberto por uma pequena folha, o sangue acabou por não tocar a sua pele!

 

Por toda esta história se compreende que, afinal de contas, o mito de Fafnir não é apenas o de um dragão, mas sim um anão que em virtude da sua avareza e de uma maldição lendária acabou por se tornar numa criatura mitológica. E esta sua história moral, de certa forma, viria até a ter um impacto significativo nas obras de J. R. R. Tolkien, como pode ser visto pelo caso de Smaug (das aventuras das personagens do Senhor dos Anéis), uma outra figura dracónica que tem muitas semelhanças com esta, ao ponto de os dois companheiros de uma mesma espécie até terem alguns monólogos comuns entre eles. Mas isso já é uma história para outros dias...

 

[Para terminar esta publicação de hoje, e visto que o confinamento em Portugal está novamente a terminar, voltamos agora ao nosso ritmo de publicação habitual, de 1-3 publicações por semana. Temos mesmo de o fazer, porque apesar de ser interessante publicar-se um novo tema todos os dias, é igualmente muito difícil prolongar esse ritmo por muito tempo!]

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14 de Março, 2021

Onde está a Excalibur?

O seu nome é indubitavelmente famoso dos romances medievais, mas quem nunca se interrogou onde está a Excalibur, a famosa espada do Rei Artur, nos nossos dias de hoje? Poderia pensar-se que se trata de uma mera ficção, que esta arma - e, potencialmente, até o seu conhecido portador - nunca existiram verdadeiramente, mas o mais curioso é que existem outros exemplos de espadas medievais famosas que ainda podem ser vistas nos nossos dias.

A Durandal de Rolando - mas onde está a Excalibur?!

Por exemplo, a espada que se diz ser a de Rolando, a Durandal (ou Duridana) do herói do poema épico medieval La Chanson de Roland, pode ser vista na comuna francesa de Rocamadour, e até há uns anos estava presa numa fenda de uma rocha (a corrente que a prenda seria, obviamente, posterior). Diz a lenda que foi o próprio herói que a atirou para lá, com as suas últimas forças, poucos instantes antes de falecer - ainda a vimos há uns anos, mas segundo lemos agora já foi levada para um museu, o que faz perder um pouco do seu charme e encanto original.

No mesmo país, a Joyeuse, a espada lendária do Imperador Carlos Magno, também pode hoje ser vista no Museu do Louvre.

 

Em Espanha, dizem as lendas que El Cid, herói de um famoso épico com o seu nome, possuiu duas espadas famosas, a Tizona (ou Tizón) e a Colada. Desconhecemos a localização da segunda, se ainda existir, mas a primeira pode, hoje, ser vista num museu na cidade espanhola de Burgos.

Já em Portugal, a espada de Afonso Henriques, cuja lenda não nos parece preservar nenhum nome mais específico, diz-se estar no Museu Militar do Porto, mas não tivemos a oportunidade de o confirmar pessoalmente.

 

Apesar de serem, todas elas, espadas lendárias, a história não reza que tenham qualquer espécie de poderes especiais, como é comum naquelas que recebem este tipo de designação em jogos de computador. O seu factor lendário vem não de uma qualquer característica especial que possam ter, mas da identidade do mais famoso dos seus possuidores - de forma semelhante, mesmo que a Excalibur fosse encontrada, é provável que se tratasse de uma espada como qualquer outra, com a excepção do filho de Uther Pendragon a ter possuído anteriormente.

 

Mas então, onde está a Excalibur? Onde pode, agora, ser ela encontrada? Quem tiver lido os romances medievais com alguma atenção já saberá que a espada do Rei Artur foi forjada em Avalon, mas após o final das aventuras do herói acabou por ser depositada no mesmo lago em que, por magia, lhe tinha sido confiada anteriormente pela misteriosa Dama do Lago. Talvez ainda esteja por lá... ou já pode ter sido recuperada, se tivermos em conta que uma menina de sete anos encontrou uma espada no local em 2017 (a notícia pode ser lida aqui); se era mesmo a famosa arma de Artur, ou não, não temos forma de o saber, mas em caso negativo é provável que esse lago no sul de Inglaterra ainda seja um bom ponto de partida para a conseguir reencontrar...

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13 de Março, 2021

O mistério do Cantchal das Letras

Há cerca de 100 anos o etnógrafo Jaime Lopes Dias visitou um local a que chamou o Cantchal das Letras ou a Pedra do Gato. Localizou-o quase em frente da localidade (portuguesa) de Segura, mas do lado espanhol do Rio Erges. Ou seja, tendo por referência estas indicações (que são relativamente vagas), talvez algures no local mostrado nesta fotografia:

O mistério do Cantchal das Letras

Segundo ele, este tal Cantchal das Letras era uma espécie de "grande penedo" em que se encontravam inscritas muitas letras. Algumas eram antigas, outras eram mero fruto de brincadeiras do século XX, mas o mais curioso é que, admitidamente, alguns habitantes locais admitiram que tinham feito novas inscrições no local, mas que ao fazê-lo degradaram as verdadeiras inscrições que já lá existiam antes, que continham caracteres que, aparentemente, ninguém sabia decifrar... o que parece ter levado, em alguma altura, a uma lenda local, segundo a qual quem conseguisse ler essa mensagem poderia encontrar enormes tesouros nas redondezas!

 

Será verdade? Que antigas inscrições eram essas? Será que verdadeiramente escondiam o local de algum tesouro? Gostaríamos bastante de o vir a saber, mas parece que já ninguém sabe onde ficava esse tal Cantchal das Letras. Terá sido destruído? Será que a sua degradação progressiva, ao longo do último século, levou a que o penedo perdesse todo o seu interesse? São perguntas que terão de ficar mesmo sem resposta, porque já não conseguimos encontrar o local em questão, nem Jaime Lopes Dias preservou as antigas letras a que se referia a lenda... por isso, se algum dia alguém vir estas linhas e tiver mais alguma informação para oferecer sobre o tema, por favor deixe-a nos comentários ou envie-a para nós ali por e-mail!

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13 de Março, 2021

O mito de Ônfale

Apresentar aqui o mito de Ônfale implica, antes demais, fazer uma pequena viagem no tempo, até a uma publicação que cá fizemos sobre os Trabalhos de Hércules. Na altura apresentámos uma imagem com as doze façanhas do heróis, que reproduzimos novamente abaixo:

O mito de Hércules e Ônfale, ao centro

Quem tiver prestado atenção poderá ter notado que apesar de nos termos referido aos doze trabalhos do herói, na verdade a imagem tem representadas treze façanhas distintas, com uma cena que não pertence às que aqui recontámos antes ao seu centro. Se em cada um dos quadrados o herói que os Gregos conheciam como Héracles está do lado direito, faz sentido que também aqui ele esteja desse lado, mas... porque está ele com um vestido feminino? E porque está, sentada num trono, uma figura feminina com a maça do herói e a pele do Leão da Nemeia às costas?

 

Podemos agora explicar que esse episódio central do mosaico se refere ao mito de Ônfale. Conta-nos que numa dada altura das suas aventuras o maior dos heróis gregos enloqueceu e matou um dos seus conheiros. Consumido pelo arrependimento, foi ao Oráculo de Delfos em busca de uma solução, e o deus Apolo ordenou-lhe que fosse vendido para escravo durante 10 anos, devendo dar o dinheiro resultante dessa transacção comercial ao pai do falecido - consta que ele recusou o vil metal, mas que os irmãos do jovem o aceitaram de muito bom grado.

As ordens do deus de Delfos foram então cumpridas. Hércules foi vendido para escravo de Ônfale, rainha da Lídia, e durante 10 longos anos fez o que esta lhe ordenava. Infelizmente já não nos chegaram todas as aventuras que tomaram lugar nesse período de tempo, mas sabemos que a rainha teve vários filhos do herói, e as fontes existentes referem um pormenor muito curioso - ela fez questão de vestir as famosas roupas do herói, enquanto que o forçou a usar roupas femininas e a realizar tarefas características do sexo oposto, como fiar ou tomar conta de crianças, levando-o até quase a ser violado pelo deus Pã...

 

O que podemos acrescentar ao relato de todo este mito? É difícil ter muitas certezas, já que ele não nos chegou numa forma mais completa, mas é provável que fosse composto por um conjunto de histórias em que os vários poetas e autores de comédias gozavam com os papéis que os dois géneros tinham na cultura grega de então. Será que, por exemplo, a rainha Ônfale vencia algum monstro, inspirada pelas vestes do herói? Será que este era, de uma forma satírica, criticado por ser incapaz de fazer (bem) as tarefas femininas, mostrando-as como mais difíceis que as muitas tarefas que ele tinha feito no passado? Ou será que exaltavam, no seu geral, o sexo feminino sobre o masculino? Já não sabemos, mas por si só a idea-base por detrás de todo este mito é bastante divertida, e certamente que existiram produções literárias que tomaram partido de toda esta curiosa oportunidade mitológica.

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12 de Março, 2021

"Viriato Trágico", de Brás Garcia de Mascarenhas

Se existem obras de autoria portuguesa que foram imerecidamente esquecidas ao longo dos séculos, como a Gaticanea, já outras parecem ter sido muito bem esquecidas. Este Viriato Trágico, de Brás Garcia de Mascarenhas, pertence a esse segundo grupo. E não o dizemos de ânimo leve - quando se tenta ler uma obra do século XVII e, repetidamente, ela faz o leitor pensar algo como "meu deus, isto é profundamente aborrecido, porque estou mesmo a ler este poema?", o que mais podemos sequer dizer sobre ela?

Viriato Trágico

Bem, o Viriato Trágico, de Brás Garcia de Mascarenhas, é um poema épico que só foi publicado após a morte do seu autor, em 1699 (ele faleceu em 1656), e que narra as aventuras de Viriato, aquela figura da história ibérica de que já cá falámos anteriormente. Para o escrever, o autor parece ter-se apoiado em fontes da Antiguidade, mas também recorrido, muito significativamente, à sua própria imaginação. É um poema de exaltação nacional, de defesa contra um invasor - Romano, no caso de Viriato, ou Espanhol, já no caso do poeta - com tudo aquilo que esperaríamos encontrar num épico. E até aí tudo bem, o tema é interessante e o contexto em que o poema foi escrito também, MAS já o próprio poema, a forma como foi escrito, é completamente aborrecida. Mesmo quando surge uma ideia mais interessante - um colega apontou, a título de exemplo, o instante em que o herói tem um sonho em que vê o futuro de Portugal - o tratamento que o poeta lhe dá é aquilo a que os anglófonos chamariam um snoozefest, um aborrecimento tal que numa sala de aula dificilmente um único aluno permaneceria acordado e disposto a ouvir uma leitura.

 

Talvez seja até possível ler este Viriato Trágico em extratos, em breves momentos aqui e ali, mas de um modo geral esta parece ser uma das obras poética mais aborrecidas alguma vez escritas em Português, quase tornando a Elegíada, do século XVI, uma construção em verso bem digna de ser apresentada e lida a todos os alunos do nosso país. Não a lemos por completo, pelas razões já tornadas claras acima, mas mencionamo-la aqui pelo simples facto de relembrar a existência de um poema épico nacional sobre Viriato...

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