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Mitologia em Português

23 de Abril, 2021

Sobre o "Sítio do Picapau Amarelo", de Monteiro Lobato

Se anteriormente já cá falámos de Monteiro Lobato e do Saci, achámos que hoje seria apenas justo que falássemos também do Sítio do Picapau Amarelo, uma série de literatura fantástica que é também da sua autoria. Ela é muito famosa no Brasil, ainda nos dias de hoje, mas em Portugal quase que é apenas recordada em virtude de uma série de televisão infantil, com imagem real, que deu na televisão há uns anos (já lá voltaremos). Então, para a escrita desta página de hoje, decidimos comprar um dos livros de Monteiro Lobato - a obra Reinações de Narizinho, Edição de Luxo - com onze histórias da conhecida colecção brasileira e ver onde isso nos levava.

Algumas personagens do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato

De uma forma um tanto ou quanto irónica, face ao tema do espaço que aqui conduzimos, a Cuca, o Saci e a Mula Sem Cabeça nem aparecem em nenhuma das histórias da obra que comprámos... porém, o que não deixámos de encontrar nas linhas deixadas por Monteiro Lobato foi um conjunto de histórias que são muito apropriadas não só para crianças como também para adultos, e em que os níveis de leitura dos dois públicos se entrelaçam de uma forma que, em dados momentos, não pode deixar de fazer toda a gente rir.

Por exemplo, numa dada altura, Narizinho, que é uma das personagens principais, diz às suas familiares mais velhas que aceitou um pedido de casamento do Príncipe dos Peixes. Elas insurgem-se contra a ideia, não pela idade da criança (que devia ter mais ou menos uns 10 anos nessa altura?), mas pela dificuldade que seria ter um genro peixe, ou até porque poderiam, sem querer, acabar por fritar um dos seus próprios netos (e, na verdade, uma personagem do reino dos peixes até acaba frita por acidente).

 

Nestas histórias existem alguns momentos para rir, outros mais tristes, uns para os pais (que criança dos nossos dias conhecerá o "Cavaleiro da Triste Figura"?), e outros para os filhos (que traquinices fariam eles com uma varinha de condão?). Mas, de uma forma geral pareceram-nos histórias bastante bonitas, um misto de realidade e fantasia que entrelaça mitos, lendas e famosas histórias de ficção com criações totalmente originais por parte do autor. Mereciam estar mais divulgadas neste lado do oceano, essas aventuras de personagens do Sítio do Picapau Amarelo como as que podem ser vistas naquela imagem ali em cima - respectivamente o Saci, o [Marquês de] Rabicó, a Emília, a Narizinho, o Pedrinho, a Dona Benta, o Tio Barnabé, o Visconde de Sabugosa, e tantos outros...

 

Bem, mas, para terminar, acima referimos uma série de televisão do Sítio do Picapau Amarelo que deu em Portugal. Aqui fica o seu primeiro episódio, para quem a quiser recordar dos tempos de infância. Para quem gostar deste, os restantes episódios também podem ser vistos no mesmo canal do Youtube, de uma forma completamente gratuita!

(E não, frise-se que não recebemos um cêntimo por nada do que está escrito ou apresentado aqui)

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23 de Abril, 2021

A história da Lampreia de Ovos

Esta espécie de história da Lampreia de Ovos merece ser contada pelo facto de estar já quase totalmente perdida. Sim, claro que é comum ver-se este bolo nos supermercados e pastelarias do nosso país, mais frequentemente até na altura do Natal, mas de onde surgiu toda esta singular ideia de representar este estranho peixe numa versão dourada e feita com ovos?

A história da Lampreia de Ovos

Numa página "oficial" sobre doces tradicionais portugueses (que sempre seria mais fiável que um artigo da Wikipedia...), em relação à Lampreia de Portalegre - uma possível antecessora desta nova e mais famosa versão? - é dito que se "desconhece o que terá levado as freiras [de Santa Clara e/ou São Bernardo] a confeccionarem este bolo com uma forma tão pouco habitual e imitando um animal não existente na região de Portalegre." Por isso, de onde vem a ideia? Procurámos, procurámos, procurámos, e... acabámos por formular duas possíveis teorias que poderão ajudar a explicar uma possível história deste doce.

 

Quem for ao norte de Portugal, mais precisamente à fronteira estabelecida pelo rio Minho, perto de Melgaço poderá encontrar uma localidade espanhola chamada Arbo, que na sua bandeira e brasão até tem uma lampreia dourada, uma sintetização dos peixes e do ouro que, anteriormente, existiam muito na região. A mesma cor dourada do peixe, puramente lendária, também podia ser explicada por se acreditar que na região as feiticeiras - ou as Mouras Encantadas - adoptavam essa forma e, movendo-os pela notória procura pelo vil metal, afogavam os pescadores locais, numa lenda que está atestada em inícios do século XX, mas poderá até ser muito anterior.

Não sabemos se a Lampreia de Ovos original era feita de massa-pão (como a de Portalegre), ou já era também toda de gemas, mas faz algum sentido que esta segunda forma do doce descenda da primeira, não só pela simplificação da receita, como pelo facto de não se parecer, de todo e mesmo nos nossos dias, com o próprio peixe, como se o seu criador nunca tivesse visto o respectivo animal. Por isso, mediante a forma original do doce - que parece desconhecer-se hoje - esta ligação a Melgaço e/ou Arbo poderia ser provada ou negada.

 

Outra opção é que, tratando-se este de um doce raro, tivesse sido feito originalmente com o nome de "lampreia" por esse se tratar de um peixe cujo consumo, na altura e segundo conseguimos apurar, era associado às classes mais altas - novamente, isso ajudaria a explicar a diferença significativa entre o verdadeiro peixe e a forma representada no doce, já que o simbolismo teria mais significado do que a própria representação correcta do animal.

Uma Lampreia de Ovos do século XIX

Esta potencial história da Lampreia de Ovos é, assim, bastante circunstancial, mas há que frisar que a informação que se tem sobre o nascimento e evolução deste doce conventual é muito limitada. Se o animal é característico e famoso no norte do nosso país, não sabemos se ele originalmente já era feito de ovos (o que o poderia ligar a uma origem em Melgaço e Arbo, já sob a forma dourada), ou tinha mesmo a forma do peixe (o que poderia indicar que quem o fez até conhecia o animal, ou pretendia apenas dar esse nome ao seu doce). Assim, talvez esta acabe por ser uma daquelas histórias que se perdeu ao longo do tempo, como a da igualmente natalícia razão por detrás da fava do bolo-rei...

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23 de Abril, 2021

"101 Middle Eastern Tales", de Ulrich Marzolph

101 Middle Eastern Tales, and Their Impact on Western Oral Tradition, de Ulrich Marzolph, é um daqueles livros que normalmente não teria muito lugar nestas páginas, não fosse o facto de se te tratar provavelmente de um dos mais interessantes livros sobre histórias que já passaram pelas nossas mãos.

"101 Middle Eastern Tales", de Ulrich Marzolph

Se este 101 Middle Eastern Tales, de Ulrich Marzolph, se tratasse somente de um livro de histórias orientais, como essa primeira parte do título pode dar a entender (note-se que o subtítulo da obra é Their Impact on Western Oral Tradition), talvez até tivesse um interesse muito limitado, mas o que torna este texto tão interessante e digno de nota é mesmo o facto de ele contar as histórias por detrás de cada um desses 101 relatos, num total de mais de 900 páginas. Para se explicar como funciona, era como se, por exemplo, ao lerem as histórias da Pequena Sereia ou da Cinderela, os relatos das respectivas aventuras fossem depois seguidos por diversas páginas em que são explicadas as diversas versões da história, bem como toda a evolução que levou a que elas fossem conhecidas nos nossos dias na sua forma actual.

Se, por um lado, a maior parte das histórias presentes na obra não são assim tão conhecidas como as que referimos acima - de entre as presentes neste texto, é provável que a mais famosa até seja a dos 40 Ladrões - é de notar que algumas delas até são conhecidas da cultura popular portuguesa. Se já as conhecíamos - ver, por exemplo, a história dos três idosos - nunca sequer pensámos que elas tivessem um protótipo oriental, ou que fossem um elo numa cadeia que já se prolonga há séculos, como no caso daquela história que justifica a cara feia do Linguado.

 

Em suma, 101 Middle Eastern Tales, de Ulrich Marzolph, é uma obra não só interessante pela forma sintética como conta mais de uma centena de histórias, mas pelo que também traz ao tema de um ponto de vista mais académico, unindo nas mesmas páginas múltiplas informações relativas a cada uma delas. É um pouco dispendiosa, admita-se que sim, mas é muitíssimo interessante para aqueles que gostem de histórias europeias, e por isso até queiram perceber melhor de onde vêm elas.

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