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Mitologia em Português

03 de Maio, 2021

A lenda de São Cipriano

Hoje, contamos aqui a lenda de São Cipriano. Sim, já cá falámos do seu famoso livro, contando até alguns dos seus feitiços de amor e outros mais estranhos, mas quem é, na verdade, a figura por detrás de todas essas construções mágicas? Sim, poderíamos contar a sua história, como o fazemos habitualmente, mas hoje, em alternativa, decidimos tentar algo de diferente.

A lenda de São Cipriano

Em vez de contarmos nós esta lenda de São Cipriano, deixaremos que uma das edições da famosa obra, O Verdadeiro Livro de S. Cypriano, de autoria anónima e publicado em Portugal há quase 100 anos, o faça. Isto porque o seu primeiro capítulo contém a história do santo, de forma a justificar os seus poderes. Ele diz-nos então o seguinte:

Cipriano, o Feiticeiro, desde tenra idade, até aos 30 anos, teve pacto com o diabo e relações intimas com todos os espíritos infernais, nasceu em Antioquia, entre a Síria e a Arábia, pertencente ao governo da Fenícia. Seus pais idólatras e possuidores de grandes riquezas, vendo que a natureza o dotara com talentos necessários para granjear a estima dos homens, o destinaram ao serviço das falsas divindades, mandando-o estudar toda a ciência dos sacrifícios que se ofereciam aos ídolos; de maneira que ninguém como ele conhecia a fundo os profanos mistérios do gentilismo. Depois de ter feito 30 anos empreendeu uma viagem para ir ter com um religioso chamado Eusébio, que fora seu companheiro de colégio, e durante esse tempo o censurava por causa da sua vida errada, para ver se o afastava do abismo insondável em que o via. Mas Cipriano não quisera nunca atender ás suas rogativas, e antes o desprezava e metia a ridículo.

 

Porém, certo dia Eusébio tanto orou a Deus que as suas orações foram ouvidas no céu. A misericórdia divina dignou-se iluminar e converter esta infeliz vítima da astúcia de Satanás em uma criatura devotada à religião, servindo-se da sua divina graça para mostrar no coração de Cipriano este grande prodígio, pelo meio que vamos expor:

 

Achava-se em Antioquia uma donzela por nome Justina tão rica de haveres como de beleza, à qual seu pai Edeso e sua mãe Cledonia educaram primorosamente nas superstições do paganismo. Porém, Justina, dotada como era de um claro engenho, assim que ouviu pregações de Prailo, diácono de Antioquia, renunciou o gentilismo e abraçando a fé católica, converteu a pouco e pouco seus pais.

 

A ditosa Justina, depois de cristã, fez-se uma das mais perfeitas filhas de Jesus, consagrando-lhe a sua virtude e virgindade, para cujo efeito observava com o máximo cuidado a modéstia e o retiro. Mas, apesar disto, vendo-a um pobre mancebo de nome Aglaide, lhe conciliou tanto os agrados que a foi pedir em casamento a seus pais, no que eles concordaram, mas o não pôde efectuar o pretendente, por Justina se negar a dar o seu consenso. Foi, então, procurar Cipriano, o qual empregou todos os meios mais eficazes da sua arte diabólica para satisfazer ao empenho do amigo. De nada, porém serviram os feitiços de Cipriano.

 

Então, Cipriano, cheio de desesperação, ofereceu aos demónios muitos abomináveis sacrifícios, e eles lhe prometeram tudo o que pretendia, investindo Justina com grandes tentações e fantasmas; porém, ela fortalecida com os auxílios da graça que havia merecido com orações e rigorosas austeridades e com o patrocínio da Santíssima Virgem, sempre ficou vitoriosa. Agitado, Cipriano, pela inutilidade dos seus esforços, voltou-se para o demónio, que ali estava, e disse-lhe desta forma:

 

"Maldito e pérfido, já vejo a tua fraqueza, pois não podes vencer uma delicada donzela, tu que tanto brasonas do teu poder. Diz-me com que armas se defende aquela santa para tornar inúteis os teus esforços?"
Então o demónio, obrigado por uma divina virtude, confessou-lhe a verdade, dizendo que o Deus dos cristãos era o supremo Senhor do céu, da terra e dos infernos, e que nenhum demónio podia operar contra o sinal da Santa Cruz com que Justina se armava, de sorte que, por este sinal, logo que ele aparecia para tentar, era imediatamente obrigado a fugir.

 

Cipriano disse: "Pois se assim é, o Senhor tem mais poder do que tu, e se o sinal da Cruz te faz fugir, eu te esconjuro e aborreço em nome do Deus dos cristãos". E Cipriano pôs os braços em cruz, em sinal da Cruz de Cristo. O demónio irritado, apoderou-se de feiticeiro e lançou-o no inferno. Mas, dali a pouco, foi o diabo intimado por S. Gregório a apresentar Cipriano no seu antigo estado, o que o santo levou a efeito à força de orações.

 

Cipriano, daí em diante, foi-lhe difícil viver, porque o diabo estava sempre a aparecer-lhe para o tentar; porém Cipriano, punha logo os braços em Cruz e afugentava-o sempre. S. Gregório disse a Cipriano que se não salvaria enquanto se não desligasse de tudo a que se tinha ligado. Cipriano revestiu-se da graça de Deus e alugou uma pobre casa, com o fim de chamar ali todas as prestigiações do demónio. Passado pouco tempo foi Cipriano elevado pela graça de Deus ao reino dos justos.

Colocando então de uma forma breve esta lenda de São Cipriano, ele era originalmente um feiticeiro que obrava pelo poder do Diabo. Contudo, quando veio a entender que existia uma força mais poderosa que essa, a de Deus, converteu-se ao Cristianismo e tentou emendar os erros do passado. O que, no contexto da obra, explica o porquê de esta - na edição, ou forma, do O Verdadeiro Livro de S. Cypriano - conter apenas magias de protecção, destinadas a combater os malefícios mágicos do Diabo...

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03 de Maio, 2021

As principais povoações islâmicas de Portugal

Há alguns dias, enquanto procurávamos informação para a lenda de São Vicente, encontrámos um curioso mapa que data do século XII e mostra as povoações islâmicas de Portugal. Presume-se, naturalmente, que não mostre todas elas, mas o que contém é tão interessante que achámos que o deveríamos mostrar por cá. Ah, e para os menos atentos, este mapa está aqui com o Norte para baixo, apenas para facilitar a leitura dos nomes das povoações:

Povoações islâmicas de Portugal

Datado do século XII e da autoria de Muhammad al-Idrisi, mas reproduzido aqui numa cópia já do século XX (e com os nomes latinizados), este mapa mostra um Portugal que ainda quase não o era, delimitado a Norte por Sant Iakub (Santiago de Compostela) e outras duas povoações; e a Oeste por Salamanka, Al kantara, um rio (já lá iremos), e Cádis. Se a geografia aqui presente nem sempre é muito precisa, permite identificar várias localizações cujos nomes ainda são famosos nos nossos dias. Começando então pelo Norte, temos:

  • Minu, que possivelmente deu lugar ao nosso "Minho", mas cuja localização actual não conseguimos descobrir;
  • Mont Maior, a cidade de Montemor (próxima de Coimbra);
  • Kalimria e Koria [/Kuzala], para as localidades de Coimbra e Curia;
  • Asbuna, a cidade de Lisboa;
  • Santarín, a cidade hoje conhecida como Santarém;
  • Alkasr, moderno Alcácer do Sal;
  • Silb, certamente Silves;
  • Sant Maria, provavelmente as actual cidade de Lagos;
  • Martala, i.e. Mértola, próxima do rio Guadiana, o limite de Portugal a Este.

Face a este mapa, e à geografia que ele nos comunica das povoações islâmicas de Portugal, é curioso poder perceber que algumas grandes cidades dos nossos dias ainda não existiam nessa altura, enquanto que outras foram perdendo progressivamente a importância que tiveram em outros tempos. Ainda assim, foi interessante podermos perceber quais as povoações mais notáveis no tempo da Reconquista Cristã, num conjunto de pequenas curiosidades que achámos que tínhamos mesmo de deixar por cá!

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