A história da mulher que casou com um demónio
São muitas as lendas de Portugal que datam da Idade Média. Entre elas conta-se esta pequena história da mulher que casou com um demónio, que se encontra atestada em pelo menos um manuscrito alcobacense do século XIV. Entre muitas outras histórias presentes nesse chamado Horto do Esposo encontra-se então uma curiosa e breve trama, que aqui resumimos de uma forma sucinta:
Contava-se então que um demónio, tendo tomado a forma de um homem, serviu um homem muito rico. Fê-lo durante anos, até que este seu patrão, feliz com os serviços que lhe tinham sido prestados, decidiu dar-lhe a sua própria filha em casamento. Assim, inconscientemente e sem saber o que realmente fazia, fez da filha uma mulher que casou com um demónio, e deu-lhe até um extenso dote.
Durante algum tempo esta mulher e o demónio que com ela casou foram felizes, mas à medida que o tempo foi passando ela tornou-se cada vez mais louca e "brava" (é isso que lhe é chamado, no original), desrespeitando completamente o marido, desobedecendo-lhe e sujeitando-o a todo o tipo de desgraças. Às tantas, o demónio lá se fartou e pediu ao sogro que o deixasse partir para a sua terra, com as seguintes palavras:
Disse-lhe o sogro - E onde é a tua terra?
E respondeu o demónio - Não te quero esconder a verdade. Digo-te que a minha terra é o Inferno, e nunca no Inferno senti tanta repugnância como no ano que passei com esta mulher brava que me deste. E mais me apraz estar no Inferno que morar com ela.
Depois, o demónio abandonou o corpo do homem que até então ocupara, mas a história não ficou por aí. O que acaba por ser interessante, no entanto, é toda esta ideia de uma mulher que casou com um demónio, mas que também tinha um carácter tão medonho que os próprios habitantes do Inferno não conseguiam tolerá-la. É uma ideia presente em muitos outros instantes do Horto do Esposo, essa do carácter estereotipadamente negativo das mulheres, que aqui é levado a um extremo, apresentando o caso de uma mulher que viola tanto os princípios da época - deixe-se claro que ela é chamada brava não num sentido positivo (e.g. forte ou valente), mas em sentido de rude, selvagem, ou tempestuosa - que nem os próprios diabos eram capazes de a aturar.
Assim sendo, e para quem tiver essa curiosidade, a moral de toda esta história, no contexto da época em que ela foi posta por escrito, é simples - mulheres, respeitem os vossos maridos, porque nem mesmo os piores seres que se supunha existirem, os demónios do profundo Inferno, conseguem tolerar uma mulher incapaz de fazer o que lhe compete. Eram outros tempos...