Sobre o mito de Quetzalcoatl
O mito de Quetzalcoatl transporta-nos imperativamente para um conjunto de crenças que durante muito tempo existiram na América do Sul. Na verdade, se este era o nome dado a uma divindade entre os Astecas, já entre os Maias ele era Kukulcan... mas sempre com um mesmo significado comum por detrás do seu nome, "serpente emplumada", até porque as fontes literárias nos dizem que esta figura era venerada num templo coberto de plumas dos mais diversos pássaros e - muitas vezes - até representada como uma espécie de cobra voadora e repleta de plumas.
Mas o que podemos contar sobre o mito de Quetzalcoatl? O grande problema em tentar recapitular a sua história é o facto de existirem muitas versões distintas dos mesmos episódios. Assim, resumimos aqui os três elementos mais importantes associados a este deus.
Segundo alguns esta divindade nasceu de uma mãe virgem. Como é que isso aconteceu, de uma forma mais precisa, varia bastante de uma versão para outra, mas para contar duas das mais curiosas, numa delas um deus aparece-lhe em sonhos e revela-lhe essa gravidez misteriosa; enquanto que numa outra, esta mesma jovem - a que alguns chamavam Chimalman - é atingida por uma seta atirada por um outro deus (que não o anterior...), suscitando-lhe uma gravidez completamente mística. Essas variações na trama devem-se não só ao facto de ela ter evoluído em culturas e contextos diferentes, mas também porque, em muitos casos, quase só nos chegaram através de relatos cristãos, que tinham, como é óbvio, todo o interesse em deturpar alguns elementos e modificar outros, com vista a promover ideias católicas (recorde-se, por exemplo, o caso do Popol Vuh).
Assim, este Quetzalcoatl era mesmo o deus... do quê? Mais uma vez, há diversas versões - uns diziam que ele era deus do vento, outros que tinha sido ele o fundador do calendário local. Aparece associado às Artes, Metalurgia, ao cacau, ao dia (enquanto complemento da noite, já essa associada ao seu irmão Xolotl), a rituais profundamente sangrentos, entre muitos outros elementos, que parecem variar mediante a cultura-fonte e as fontes literárias a que temos acesso.
Um terceiro elemento comum entre as culturas - e provavelmente o mais importante de todos os mitos e lendas associados a este Quetzalcoatl - é o facto de ele ter desaparecido (seja subindo aos céus, ou afastando-se num barco), mas ter prometido aos seus crentes que voltaria um dia. Nesse contexto, quando os Espanhóis atracaram na região foi-lhes demasiado fácil reaproveitar as crenças locais e dizer que Hernán Cortés era nem mais nem menos que a reencarnação do deus, agora retornado após séculos de espera. Portanto... seria como se, entre nós, alguém surgisse, dissesse que era Jesus Cristo reencarnado, e depois fizesse um conjunto de coisas que a nossa ciência não era mesmo capaz de explicar - não o tomariam por esse deus? É provável que sim, e que lhe prestássemos culto, como os Astecas veneraram, num primeiro momento, aqueles que desembarcaram nas suas costas, apresentando-se submissos e acabando por ser conquistados sem dificuldades de maior.
Sendo este último o elemento da sua história que mais popularizou esta divindade nas culturas ocidentais, talvez até seja essa a grande lição a retirar do seu mito, o perigo que pode advir de algumas crenças religiosas. Bastará pensar, por exemplo, nos casos de Jonestown ou de Heaven's Gate, com já alguns anos, em que um grande número de pessoas foram conduzidas às suas mortes pelo facto de acreditarem em "algo". Como os Astecas deveriam ter tido, também a nós se exige, cada vez mais e mais, alguma prudência em matérias de Religião...