A lenda de São Lourenço
A estranha lenda de São Lourenço de Huesca termina o nosso tema desta semana, tendo sido precedida pelas histórias de São Cassiano de Ímola e Santa Eulália. Confesse-se, nesse sentido, que deixámos propositamente para último lugar aquela que é provavelmente a mais esquisita de todas as três.
Sobre o homem que viria a ficar conhecido como São Lourenço, conta-se então que no ano 258 o Papa Sisto II foi martirizado. Dias depois, foi-lhe pedido que entregasse todas as riquezas que tinha na sua igreja. Pedindo três dias para o conseguir fazer, reuniu todos os pobres e enfermos que conseguiu encontrar e levou-os ao Imperador, dizendo, metaforicamente, que eles eram as grandes riquezas do Cristianismo. Naturalmente zangado, o grande chefe dos Romanos condenou este homem à morte, fazendo-o ser cozinhado numa espécie de grelha. E claro que a ideia é estranha, mas - e fazendo nossas as palavras de uma colega - "provavelmente os legionários estavam a assar outra coisa qualquer, e então decidiram reaproveitar a grelha para a tortura". Não há registo de que o santo tenha sido comido por alguém, mas a história diz-nos que numa dada altura, com uma óbvia intenção de gozo, ele disse algumas palavras como "a parte de baixo já está bem assada, podem virar-me ao contrário!"
Em momentos como estes torna-se difícil acreditar na veracidade de todo este martírio, talvez até ainda mais do que nos dois outros casos que aqui contámos esta semana. Não havia, tanto quanto foi possível apurar, qualquer lei do tempo dos Romanos que permitisse condenar alguém à morte numa mesma grelha em que se assava um porco, como se do próprio animal até se tratasse, e se a intenção do autor, ao contar histórias como estas, era a de pintar os Pagãos como seres completamente bárbaros e dispostos a tudo para causar dor nos seus opositores, neste caso específico ele parece ter excedido demasiado os limites de aquilo em que o leitor poderia vir a acreditar. Mesmo num contexto de pura fé é difícil acreditar-se que este episódio final da lenda de São Lourenço tenha efectivamente tomado lugar; pode fazer rir, sem dúvida, mas de um ponto de vista imparcial é demasiado inacreditável que os Romanos tenham mesmo assado um crente do Cristianismo*... ainda assim, pelo menos este santo é fácil de reconhecer nos altares das igrejas dos nossos dias, em virtude do incomum instrumento culinário que tende a acompanhá-lo!
Já a opção de acreditar, ou não, em todas estas três histórias que aqui contámos esta semana, deixamo-la aos próprios leitores, porque, como é fácil constatar pelos casos de Santa Ninfa ou de São Guinefort, as vidas de alguns santos são indubitavelmente mais dignas de crédito do que outras!
*- Curiosamente, algumas versões dizem que São Vicente também foi torturado numa espécie de grelha quente, mas ela parece aí ser apresentada como um simples instrumento de tortura, em vez de uma forma real de matar alguém, como aconteceu no caso aqui em questão, o de São Lourenço.