A lenda da Padeira de Aljubarrota
A lenda da Padeira de Aljubarrota é uma de aquelas que toda a gente em Portugal - e provavelmente até no Brasil - conhece pelo menos em nome, fazendo parte integrante da Mitologia Portuguesa. Na sua forma mais simples, diz-nos que na Batalha de Aljubarrota, em 1386, que opôs Portugueses a Castelhanos, os combatentes locais se mostraram tão bravos face aos invasores que até uma padeira local, de nome Brites de Almeida, se juntou ao combate e acabou por matar, à cacetada, sete invasores que se tinham escondido no interior do seu forno. Mas terá sido verdade?
Nunca encontrámos provas concretas da sua existência real, mas ao longo dos séculos foram adicionados novos episódios a toda esta lenda. De facto, à medida que o tempo foi passando até foi criado toda uma história por detrás de Brites de Almeida, que enriqueceu esta versão simples de trama. Por exemplo, se prestarem muita atenção à imagem acima, irão notar que ela tem seis dedos em cada mão, que é um elemento que provém dessa versão expandida da tradição, e que nos chegou por obras como Auto Novo e Curioso da Forneira de Aljubarrota, de Diogo da Costa (século XVIII). E então, o que é acrescentado a toda a história?
Segundo essa versão expandida da lenda da Padeira de Aljubarrota, ela nasceu no Algarve e os seus pais faleceram quando ela ainda era muito nova. Brava desde tenra idade, assustava os seus colegas, estudou esgrima, e até matou em combate um cavaleiro que ousou pedi-la em casamento*. Foi raptada por Mouros, levada para África e obrigada a fazer tarefas femininas, que tanto odiava. Escapou, matando os seus captores, e voltou a Portugal. Ajudou um homem que tinha sido raptado por ladrões, derrotando-os a todos, e às tantas lá deu por si na vila de Aljubarrota, em que uma padeira idosa lhe deu trabalho. Aquando da famosa batalha, os Castelhanos estavam a passar fome e tentar roubar o pão que estava a ser cozido no interior do famoso forno, levando a que esta famosa figura os matasse. E, finalmente e sem que seja dada demasiada ênfase a esse famoso episódio, por volta dos 40 anos ela casou com um Agricultor local e tiveram uma filha, que parece ter ficado conhecida sob o nome de "Velha de Diu"**.
Como é fácil constatar, esta versão tardia de toda a história é pura ficção (como é a suposta pá que um dia foi mostrada a José Hermano Saraiva!), até porque contém todos os elementos característicos da literatura de aventuras da sua época, como um rapto por estrangeiros, elementos fantásticos, ou uma figura heróica (quase) invencível. É uma trama que nasceu de uma necessidade de explicar o carácter muito único da sua figura principal, dizendo aos leitores que ela não era uma mulher vulgar, mas sim uma cujo carácter guerreiro, e força, vinha de uma tenra idade. E não é de coisas como essas que nascem as lendas? De uma expansão de uma possível verdade primordial, cujos contornos reais se foram esquecendo ao longo dos séculos?!
Não sabemos, admita-se, se esta Padeira de Aljubarrota até existiu mesmo, ou se terá tido aquela mesma função na batalha que a tradição lhe atribui, mas o que podemos ter a certeza é que ela é uma das mais famosas heroínas da história de Portugal, cuja fama, como já referido anteriormente, nos chegou até mesmo aos dias de hoje. E, para o resumo desta lenda de hoje, isso basta-nos.
*- Um elemento curioso de toda esta história é o facto de ser enfatizado que ele não se apaixonou pela potencial beleza de Brites de Almeida, cuja fealdade até é bem descrita na trama, mas sim pela sua força e carácter guerreiro.
**- Outra figura lendária da história da lusofonia, que o texto diz ter pelejado contra cem muçulmanos apenas com uma lança. A tradição atribui esses eventos a uma Isabel Fernandes, que viveu em Diu por volta do ano de 1546, espaçando em mais de século e meio as duas batalhas. Como tal, é naturalmente impossível que ela fosse filha real de Brites de Almeida, sendo provável que o autor se refira a ela somente como uma filha da famosa Padeira de Aljubarrota num sentido puramente metafórico.