A história de Glycon, o fantoche divino
Possa Glycon ser considerado um mito ou uma lenda, ele é sem dúvida uma das mais estranhas divindades que nos chegou dos primeiros séculos da nossa era. E é-o, talvez mais que tudo, porque - segundo Luciano da Samósata, na sua obra Alexandre, ou o Falso Profeta - ele era pouco mais do que uma espécie de fantoche. Mas estamos a adiantar-nos, talvez seja melhor começar por recordar a sua breve história.
Por volta de meados do segundo século da nossa era apareceu um profeta na cidade grega de Abonútico. Ele revelou aos habitantes locais que uma nova reencarnação do deus Esculápio iria nascer no local. Passado algum tempo esse viajante, de nome Alexandre, fez nascer de um ovo uma estranha criatura a que se chamou Glycon. À medida que os dias se foram seguindo ela foi crescendo e sofreu uma transformação... não sabemos, agora, se se tratava apenas e somente de um fantoche, ou de uma serpente real com uma espécie de máscara em cima da sua cabeça, que lhe dava uma face quase humana e algum cabelo - mas sabemos é que existiu!
Em qualquer dos casos, por razões agora difíceis de compreender este Glycon tornou-se uma divindade famosa na sua época, dando tantas profecias - supõe-se que concretizadas - que começou a ser representado em moedas, e diz-se que até o Imperador Marco Aurélio chegou a recorrer aos seus serviços. E depois de receber muita atenção durante anos - e muitas contribuições monetárias, claro está - desapareceu misteriosamente, de uma forma quase tão secreta como quando chegou ao nosso mundo. Assim, o pouco que sabemos sobre esta divindade chegou-nos por via de Luciano, que se parece opor bastante ao culto, mas não tivesse sido ele e nós nada saberíamos sobre este Alexandre de Abonútico e a sua estranha divindade.
Tudo isto levanta uma grande questão - será que as pessoas realmente acreditavam em Glycon, ou apenas o viam com uma espécie de brincadeira, como quando nos dias de hoje pregamos a ideia do Pai Natal às crianças? Ou seria ele somente um esquema maluco, como os de tantas seitas religiosas dos nossos dias? Não é fácil compreendê-lo, até porque só temos acesso a uma única opinião sobre toda a questão (e ela parece ser negativa). No entanto, o grande facto é que durante pelo menos um século as pessoas acreditaram nesta espécie de divindade, possivelmente a mais estranha de todas as que nos chegaram do Império Romano, e isso dá muito que pensar...