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Mitologia em Português

02 de Agosto, 2021

A Passarola de Bartolomeu de Gusmão voava mesmo?

Quem foi o primeiro homem a voar em Portugal? A acreditar-se numa espécie de lenda nacional, terá sido Bartolomeu de Gusmão na sua Passarola, ainda em inícios do século XVIII, ou seja, mais de um século antes de João da Mata Camacho Pina de Gouveia. A uma primeira vista já não deveria ser possível ter-se a certeza de que ela funcionava mesmo - já lá iremos... - mas ainda hoje a sua imagem é famosa na cultura nacional e europeia, ao ponto de ser um elemento importante da trama da uma das obras de José Saramago, o Memorial do Convento. Mesmo assim, para quem ainda não a conhecer, reproduzimos aqui uma imagem da estranha máquina voadora, retirada especificamente do seu manuscrito original:

Bartolomeu de Gusmão e a Passarola

O que tem então de especial, esta representação original da agora-famosa máquina? Ela foi incluída num pedido de apoios que o autor fez ao rei de Portugal e que ainda existe nos nossos dias. Mas, se o conteúdo desse pedido, feito em Latim, provavelmente não terá muito interesse para o leitor comum, já a legenda desta imagem apresenta alguns aspectos curiosos. Ela explica em que consiste cada uma das partes da máquina - as tais letras A, B, C, D, [...] presentes ali na sua representação - e entre elas podem ser encontrados dois elementos particularmente importantes, que traduzimos do original latino:

E [na frente e traseira da máquina] - duas esferas que contêm o segredo da atracção (...)

F [na parte superior, acima do homem] - (...) fios com um grande número de bolas de âmbar (...) que pelo calor dos raios do sol irão atrair os tensores.

Ou seja, trocando por míudos, supostamente a Passarola de Bartolomeu de Gusmão mantinha-se no ar devido a alguns elementos físicos (apresentados com as letras restantes na legenda), bem como a duas esferas com uma substância completamente secreta - sobre a qual, muito naturalmente, nada conseguimos aqui dizer - e pela capacidade do sol em atrair a âmbar. E se isso nos pode parecer bastante estranho neste nosso século XXI, é porque a segunda dessas características assenta num conjunto de ideias que vêm de tempos da Antiguidade - relembre-se o mito de Faetonte e depressa se compreenderá essa suposta relação entre a âmbar e o elemento solar - mas que também foram sendo desmentidas ao longo dos séculos. De facto, tanto quanto se saiba hoje, não há qualquer propriedade "mágica" que os atraia!

 

Portanto, será que a Passarola de Bartolomeu de Gusmão voava mesmo? Visto que os dois grandes elementos que referimos acima eram considerados cruciais para o funcionamento da máquina... a não ser que a tal "substância secreta" fosse da mais pura magia (algo que, verdade se diga, não temos qualquer forma real de confirmar ou desmentir...),  é difícil que esta criação conseguisse mesmo elevar-se nos céus e voar "muitas vezes duzentas e mais léguas de caminho por dia", como a proposta feita ao rei prometia. Curiosamente, os argumentos do seu criador convenceram tanto o monarca como a sua corte, mostrando-nos que estas bases principais, estranhas para os nossos dias, ainda eram consideradas como da mais completa validade em inícios do século XVIII...

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