Quenúbis e a criação do Homem na mitologia egípcia
A Mitologia Egípcia não é uma entidade simples, como já cá foi apontado anteriormente, pelo facto de existirem diversos mitos para explicar as mesmas coisas, como a criação do Homem. E, na verdade, eles até foram sofrendo mutações ao longo dos séculos, sendo por vezes até difícil saber o que está contido numa determinada representação. Veja-se este exemplo:
De uma forma descontextualizada, ou para quem perceber menos dos deuses e mitos do Antigo Egipto, é difícil compreender o que se passa aqui. Mas, passo a passo, é possível ir decifrando toda a cena. Do lado direito está um deus com cabeça de carneiro - Quenum, ou Quenúbis, que já cá vimos anteriormente, e que em algumas histórias surge como uma divindade da criação. Do lado esquerdo está uma deusa com o que parece ser uma cabeça de sapo - possivelmente Heqet/Heqat, divindade da fertilidade e vida. E no meio da imagem está o que parece ser um ser humano em ponto pequeno. Assim, associando-se os três elementos, o que quer tudo isto dizer?
É, na verdade, a criação do Homem na mitologia egípcia, um acto que é frequentemente associado ao deus Quenúbis, que em determinado altura parece ter sido considerado como uma das divindades mais antigas. Nesta representação essa criação é tornada ainda mais poética pela introdução de Heqet, com a simbologia já referida acima, i.e. a de fertilidade e vida. Assim, os dois deuses colaboram aqui, usando as lamas do Nilo para formar um novo ser vivo, a que posteriormente acabarão por dar o sopro da vida, a ka ou "alma", que acabará por se separar dele aquando da morte. Claro que a ideia não é nova, mas tem de dar que pensar - também no Antigo Testamento a divindade faz um acto muito semelhante a este, criando dois seres de uma qualquer lama e dando-lhes o sopro da vida. Se sabemos que os Judeus viveram muito tempo no Egipto, é até provável que tenham tomado conhecimento desta criação do Homem na mitologia egípcia durante a sua estadia por lá. Terá ela influenciado a sua religião, ou será este um caso em que duas ideias semelhantes se desenvolveram de forma concorrente? Hoje é difícil responder a isso de uma forma completamente segura, até porque a mesma ideia também foi utilizada em muitas outras culturas pelo mundo fora.
O que sabemos, no entanto, é que a possibilidade de criar figuras nas lamas de um rio parece ter fascinado a humanidade desde muito cedo na sua pré-história. Só aqueles que nunca o tenham feito em tempos de meninice desconhecerão uma espécie de apelo intemporal que existe em toda essa acção. E, portanto, faria igualmente sentido que os próprios deuses nos tivessem criado de uma forma como essa. E, entre os Egípcios da Antiguidade, uma ideia comum parece ter sido essa mesmo, a de que este Quenúbis, um deus com cabeça de bode, um dia pegou nas lamas do Nilo e com elas deu forma aos primeiros elementos da humanidade, tal como a deu a alguns dos muitos deuses do panteão local. E, assim, diziam eles, todos nós fomos criados.