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Mitologia em Português

22 de Agosto, 2021

A lenda de Guesto Ansures (e a Canção do Figueiral)

A acreditar-se nesta lenda de Guesto Ansures (ou Ansur), ele terá sido possivelmente um dos mais poderosos cavaleiros que já viveram em terras de Portugal. E confesse-se que não o dizemos de ânimo leve, mas como a sua história provará; já lá iremos, por agora aqui fica uma cantiga que dizem ter sido escrita pelo herói, mas que é quase certamente apócrifa (até podem ouvi-la carregando na imagem), e que costuma tomar o nome de Canção do Figueiral *:

A lenda de Guesto Ansures

Agora, relembre-se a lenda deste homem a quem também chamaram Guesto Ansur. Conta-se que nos século VIII e IX da nossa era um monarca árabe de Córdova instituiu o chamado "tributo das cem donzelas", em que as cem jovens mais belas dos seus domínios lhe deveriam ser entregues todos os anos**. A estranha tradição continuou durante anos, até que calhou a vez de uma tal Sancha (ou Mécia, mediante a versão). Quando estava a ser levada para Córdova, juntamente com cinco outras donzelas das redondezas, pararam próximas de um figueiral. Tristes com o seu destino, todas as seis choraram, até que um cavaleiro misterioso se aproximou.

Quando Sancha/Mécia lhe contou o que se passava, ele prometeu defendê-las contra todos os males deste mundo - depois, combateu contra os muitos Mouros que as tentaram levar (na versão mais estranha que encontrámos o seu número era de 1000000!), vencendo-os com a sua espada, e quando esta se partiu, ele arrancou um ramo de uma figueira e continuou o seu combate, até que não restaram mais opositores. E então, cumprida a sua promessa, escoltou as seis damas de volta aos locais em que viviam antes, e o pai de Sancha/Mécia naturalmente que concedeu a honra do casamento com a filha ao salvador, cujo nome era Guesto Ansures!

 

Diz-se que o local em que Guesto Ansures encontrou as seis damas tomou depois o nome de Figueiredo das Donas - perto de Vouzela, em Portugal - em honra de toda esta ocorrência, mas pouco mais se sabe sobre a vida deste nobre cavaleiro, com excepção dos factos de (possivelmente) ter escrito aquela canção reproduzida ali em cima e ter tido um filho, que se poderá ter chamado Guestes Ansur[es?]. Contudo, e muito infelizmente, o chamado "tributo das cem donzelas" parece ter continuado por mais tempo (uma espécie de sequela desta lenda até teve a intervenção de Sant'Iago), pelo que se ele salvou seis mulheres com as suas acções honrosas, pelo menos as 94 restantes foram entregues em Córdova, como era habitual. Mas isso já são outras histórias, e o que nos interessa aqui hoje é mesmo a aventura deste poderoso cavaleiro e a forma como ele salvou algumas damas de um destino que lhes parecia muito assustador...

 

 

*- Para quem quiser uma tradução desta Canção do Figueiral, existe uma da autoria de Antero de Quental. Ela diz o seguinte:

No figueiral figueiredo,
Lá no figueiral entrei;
Seis donzelas encontrara,
Seis donzelas encontrei;
Para elas caminhara,
Para elas caminhei;
Chorando a todas achara,
A todas chorando achei;
Logo ali lhes perguntara,
Logo ali lhes perguntei;
Quem foi que ousou maltratá-las,
Tratá-las de tão má lei?

No figueiral figueiredo,
Lá no figueiral entrei;
Uma de elas respondera:
"Cavaleiro, não o sei...
Mal haja, mal haja a terra
Que tem mau e fraco rei,
Que se eu as armas vestira,
Por minha fé, que não sei,
Se homem ousara levar-me,
Levar-me de tão má lei...
Com Deus ide cavaleiro,
Ide com Deus, que não sei
Se onde me falais agora
Nunca mais vos falarei".

No figueiral figueiredo,
Lá no figueiral entrei;
Eu então lhe replicara:
"Por minha fé, não irei;
Antes olhos de essa cara
Bem caros os comprarei;
A longas terras distantes
Só por seguir-vos me irei;
Por caminhos desvairados
Atrás de vós andarei;
Línguas moiras de aravias
Por vós eu as falarei;
Moiros se me aparecerem
A todos os matarei."

No figueiral figueiredo,
Lá no figueiral entrei;
Nisto o mouro que as guardara,
Perto de ali encontrei;
Se ele bem me ameaçara,
Eu melhor o ameacei;
Um tronco seco esgalhara,
Um tronco seco esgalhei;
Com ele a todos matara,
A todos desbaratei;
As donzelas libertara,
Todas sim as libertei;
Aquela que me falara
Com ela me casarei.
No figueiral figueiredo,
Lá no figueiral entrei.

**- A lenda não preserva informação relativa ao porquê de ele as querer, ou mesmo como esse critério de beleza era determinado. Mistérios da vida...

 

P.S.- Uma pequena lenda nacional diz ainda que a esposa deste cavaleiro, após a sua morte, fundou o Convento de Arouca. Não conseguimos encontrar muito mais informação sobre essa espécie de "sequela" desta história, mas achámos que uma breve nota sobre ela também deveria ser dada aqui.

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