A lenda do Pajem ou Cavaleiro Henrique
Contar a lenda do Pajem ou Cavaleiro Henrique implica, antes de tudo o resto, explicar um potencial problema que a envolve. Se foram muitas as figuras nacionais e estrangeiras envolvidas na conquista de Lisboa por Afonso Henriques, de que Martim Moniz será provavelmente a mais famosa nos nossos dias, algumas delas estão hoje envolvidas em algum mistério, numa espécie de espaço misterioso entre a pura lenda e a história factual. Entre elas conta-se o caso de um homem que ficou conhecido sob o nome de "Henrique", que veio de Bona (na Alemanha), e que poderá ter sido um cavaleiro ou um pajem... Teófilo Braga dá-lhe o nome de "Pajem Henrique" na breve referência que lhe fez em O Povo Portuguez nos seus Costumes, Crenças e Tradições, mas na verdade pouco sabemos sobre os seus feitos. Portanto, conte-se aqui a parte lendária da sua história.
Este Henrique, qualquer que tenha sido a sua posição original no conflito, morreu em combate aquando da conquista de Lisboa. Posteriormente, quando as relíquias de São Vicente foram trazidas para a cidade, ele foi sepultado na Igreja de São Vicente de Fora. E é nesse momento que a sua lenda começa, por lhe serem atribuídos três milagres. No primeiro deles, curou dois surdos-mudos que guardavam a sua campa, tendo-lhes aparecido com vestes de peregrino e uma palmeira (um elemento importante, por razões que já veremos), afiançando assim a sua condição de mártir no reino dos céus. No segundo, quando um dos seus pajens faleceu, esta figura apareceu nos sonhos do pároco local e pediu-lhe repetidamente que enterrasse o falecido a seu lado. Já o terceiro milagre, o mais importante de todos eles, merece um comentário maior.
Neste contexto, quem for à Igreja de São Vicente de Fora poderá aí encontrar um ossário deste herói, em que está gravado o seguinte texto, com algumas abreviaturas que aqui expandimos:
OSSOS DO CAVALEIRO HENRIQUE ALEMÃO, QUE MORREU AJUDANDO A TOMAR ESTA CIDADE AOS MOUROS, EM CUJA SEPULTURA NASCEU UMA PALMA, QUE DE UM CACHO DA PALMA SE VALIAM MUITOS ENFERMOS E SARAVAM. O CACHO ESTÁ NO SANTUÁRIO DESTE MOSTEIRO.
Se o texto não é totalmente claro para os nossos dias, ele essencialmente dá a entender que nasceu uma palmeira onde estava o túmulo deste cavaleiro e que as suas folhas tinham propriedades miraculosas, curando aqueles que delas se faziam valer. Presume-se que a árvore em questão já não exista, até porque passou quase um milénio, mas a sua influência ainda pode ser vista na capital portuguesa - segundo alguns, a lisboeta "Rua da Palma" deve o seu nome seja ao facto de aí ter existido uma palmeira, que descendia desta, seja por aí acamparem aqueles que vinham prestar devoção à figura falecida no cerco de Lisboa.
Agora, conforme já referido acima é difícil saber onde termina a história real e começa a ficção nesta lenda do Pajem ou Cavaleiro Henrique, mas a sua figura está claramente ligada a uma palmeira que então existia na cidade. Não é caso único - relembre-se, por exemplo, a palmeira de Cascais - mas tanto o facto do mártir aparecer aos devotos com essa planta, como lhe serem associadas curas por meio da mesma, dá a perceber que esse elemento da trama era muito antigo, já do século XII. Mas qual era a relação entre ambos? Porquê uma palmeira, em detrimento de uma qualquer outra planta? Será apenas porque nasceu uma próxima da sepultura, sem que isso tenha alguma coisa de miraculoso, ou porque ela já existia no local e depois foi associada ao herói? As fontes que consultámos nada dizem sobre isso... apenas afirmam esta sua ligação à palmeira, cujo significado original se parece ter perdido ao longo dos séculos - pelo menos uma fonte diz que ela era tão procurada que acabou por ser progressivamente destruída, visto que cada visitante tentava levar uma parte da planta para si. Assim, resta apenas a memória do que nos dizem ter acontecido em outros tempos...