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Mitologia em Português

13 de Outubro, 2021

Sobre o mil em algarismo romano

Se já cá falámos de alguns algarismos romanos, nomeadamente o debate entre IV e IIII, hoje contamos uma história bem menos vulgar, a do mil em algarismo romano. Sim, ele escreve-se "M", como é provável que todos os leitores já saibam, mas se os números - sejam eles os dos Romanos ou Árabes - nasceram pela necessidade de se contabilizar algo, em que circunstâncias é que os seus criadores necessitavam de contar até um número tão elevado? Até convidamos possíveis leitores a pensarem nisso - quando foi a última vez que contaram até mil?!

O mil em algarismo romano

De facto, o mil, enquanto número, é raramente atingível nas nossas vidas diárias, excepto quando algum brincalhão, com óbvio gozo, nos insta a contarmos até esse número. Assim, o que aconteceu entre os Romanos é que eles raramente parecem ter sentido a necessidade de o utilizar, excepto para contabilizarem distâncias longas. Se hoje dizemos que este ou aquele local estão a X Km de distância, no tempo dos Romanos miliários como o acima também indicavam distâncias, mas faziam-no com base em "M. P.", que não significa mais do que "mil passos" dos legionários que contaram essa distância. Okay, não era propriamente uma ciência muito exacta, haviam algumas distâncias de mil passos muito maiores que outras, mas a ideia funcionava e cumpria o seu objectivo.

 

Além disso, essa contagem das distâncias em "M. P." teve uma consequência adicional, que foi o de se passar a chamar M, para mille, ao próprio número. Assim o usamos, assim obtemos o nosso mil em algarismo romano, mas nem sempre funcionou assim - antes desse tempo, o mesmo número também podia ser representado como o um ("I") com um traço perpendicular por cima, como que a dizer "um multiplicado por mil". Ou seja, se alguém quisesse representar um número como "2021", poderia fazê-lo como MMXXI ou IIXXI, mas neste último caso os dois primeiros algarismos teriam de ter um traço contínuo horizontal sobre a sua posição, para indicar a sua multiplicação por mil; neste caso específico nem seria muito difícil distingui-los sem esse elemento, mas caso contrário os números 2 e 1001 poderiam ter uma representação semelhante como "II", o que seria muito pouco claro para quem os fosse ler...

 

Portanto, o mil em algarismo romano é hoje representado como "M", numa designação que surgiu dos "mil passos" que os legionários romanos contavam nas muitas distâncias que percorriam, mas nem sempre assim o foi...

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13 de Outubro, 2021

A lenda de Santa Iria

A lenda de Santa Iria é uma digna representante de um conjunto de histórias nacionais de santidade que foram sendo alteradas ao longo dos séculos. Bastará, por exemplo, pegar em duas edições distintas de Flos sanctorum (ou "Flor dos Santos", em tradução portuguesa) cuja publicação esteja significativamente afastada no tempo e depressa poderá ser visto que, aqui e ali, vão surgindo diferenças na história de determinadas figuras. De um modo muito geral, essas alterações foram feitas para remover momentos problemáticos da trama, como aparições demoníacas, milagres um tanto ou quanto mais estranhos e potenciais críticas à Igreja. Assim, se vamos falar da lenda desta santa, decidimos fazê-lo em dois momentos, para que aqui se possa perceber melhor como histórias como estas foram sendo alteradas ao longo dos séculos.

A lenda de Santa Iria

Irene ou Iria de Tomar, a mulher que mais tarde viria a ficar conhecida com o nome de Santa Iria, era uma jovem muito bonita que viveu no tempo dos Romanos. Quando um nobre local, um tal Britaldo, a viu, ficou extremamente apaixonado por ela e decidiu tomá-la para si. Mas ela dedicou a sua virgindade a Deus e, como tal, disse a este nobre que não o poderia amar. Com um coração compreensivo, muito incomum neste tipo de histórias, ele aceitou este "não" e apenas pediu à jovem que não viesse a amar outro homem. Ela, como é natural, aceitou esse pedido e dedicou a sua vida à religião cristã... até que, uns anos mais tarde, surgiu um rumor de que ela tinha traído a sua promessa, e então Britaldo mandou matá-la; um dos seus criados cumpriu este desejo do seu patrão, deitando depois o corpo dela a um rio próximo - o Nabão, Zêzere ou Tejo - até que ele foi recuperado e levado para um igreja.

 

A uma primeira vista, toda esta lenda de Santa Iria, que até pode ser lida em muitos outros sites, não tem nada de errado. Contudo, quem for ler versões mais antigas da história acaba por se deparar com um episódio adicional, relativo ao tal rumor da traição da jovem - ele diz que um tal Remígio, um monge e mestre religioso desta jovem, numa dada altura e por influência directa do Diabo se apaixonou por ela. Incapaz de consumar a sua paixão, ele deu então à sua encarregada uma erva mágica que causava sintomas semelhantes a uma gravidez*. Assim, por razões que não conseguia compreender, a jovem apareceu como que grávida, o que acabou por levar à sua morte.

 

A razão por detrás da remoção deste episódio da lenda de Santa Iria é então evidente - contém a intervenção (física) do Diabo, a presença de uma erva mágica, uma gravidez que não o era, e até uma personagem, o tal Remígio, que de monge e religioso só parecia ter o nome. Assim, removendo da história toda esta ocorrência, ocultando-a por detrás de um rumor muito vago, se conseguiu proteger a futura santa, enquanto que se transformou Britaldo numa figura muito mais malvada e invejosa do que originalmente o era. E assim se compreende como uma história, com a remoção de um só episódio significativo, se torna bastante diferente, como no caso da madrasta da Cinderela, que pela remoção de um prefácio da história se tornou muito malvada...

 

 

*- Sobre esta "erva mágica", ela aparece em vários romances da Idade Média e até se acreditava, nessa altura, que as mulheres mais pobres a tomavam frequentemente, de forma a parecerem grávidas e, como tal, receberem mais esmolas.

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