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Mitologia em Português

18 de Novembro, 2021

O Livro Vermelho de Mao Tse-Tung

Existem livros cuja importância cultural nas respectivas culturas é imensa, mas que ao mesmo tempo são quase esquecidos em outras. Já cá falámos, por exemplo, do Ramayana da Índia ou do Kebra Nagast, que muito poucos lêem em países lusófonos. O chamado Livro Vermelho (em virtude da cor da capa da sua edição mais famosa, já que o original lhe dá o nome de 毛主席语录), de Mao Tse-Tung, é uma dessas obras, de uma importância enorme em terras da China, mas que em Portugal conhecemos quase apenas como uma obra comunista e pouco mais. Por isso, de que fala mesmo este texto?

O Livro Vermelho de Mao Tse-Tung

Confesse-se, nunca pensámos lê-lo, até que um aluno chinês nos veio emprestar uma tradução inglesa da obra. Então, sentimos que tínhamos mesmo de ler este Livro Vermelho. Ele é, essencialmente - e como o título original, que pode ser visto acima, já indicava - uma compilação de citações de Mao Tse-Tung sobre diversos temas. São quase todas de conteúdo político, mas quem for ler a obra também poderá encontrar por lá ideias filosóficas que mereceriam ser mais exploradas num contexto ocidental. O que até nos trouxe um problema inesperado - quando fomos ler esta compilação, pensámos inicialmente em recolher apenas três ou quatro citações para apresentar aqui, mas acabámos por encontrar muitas mais, e até uma pequena lenda de origem chinesa. Por isso, aqui ficam alguns momentos da obra, que decidimos terminar com essa referência do autor a uma lenda local:

[1-] As classes lutam, algumas classes triunfam, enquanto que outras são eliminadas. Esta é a história da civilização há milhares de anos. Interpretar a História por este ponto de vista é materialismo histórico; estar em oposição dele é idealismo histórico.

 

[2-] Entre os Brancos dos Estados Unidos são apenas os círculos reaccionários no poder que oprimem os Negros. Não podem de nenhuma forma representar os trabalhadores, os agricultores, os intelectuais revolucionários, ou outras pessoas com conhecimento, de que fazem parte a maior parte das pessoas brancas.

 

[3-] Todos os reaccionários são tigres de papel. Na sua aparência, os reaccionários causam medo, mas na realidade não são tão poderosos. De um ponto de vista a longo prazo, não são os reaccionários mas as próprias pessoas que são poderosas.

 

[4-] A toda a gente deve ser dado o direito de falar, seja a pessoa quem for, desde que não seja hostil e não faça ataques maliciosos, e não importa que diga algo de errado. Os líderes de todos os níveis têm o dever de ouvir os outros.

 

[5-] Devemos ser modestos e prudentes, ter cuidado com a arrogância e a imprudência, e servir o povo com coração e alma...

 

[6-] De onde nascem as ideias correctas? Será que caem do céu? Não. Elas são inatas da mente? Não. Elas nascem apenas da prática social; elas vêm dos três tipos de prática social, da luta pela produção, da luta de classes e de experiências científicas.

 

[7-] Não conseguem resolver um problema? Bem, investiguem-no, nos seus factos presentes e na sua história passada! Quando tiverem investigado o problema de forma completa, saberão como o resolver. As conclusões nascem invariavelmente de uma investigação, não antes dela.

 

[8-] Existem um número de pessoas, e não são poucas, que são pouco responsáveis pelo seu trabalho, preferindo o fácil ao difícil, dando aos outros as cargas difíceis e escolhendo para si mesmos as fáceis. A cada momento pensam em si antes de pensar nos outros. Quando fazem algum pequeno contributo, incham-se com soberba e gabam-se constantemente, com medo que os outros não saibam o que eles fizeram. Não sentem compaixão face aos outros e são frios, indiferentes e apáticos.

 

[9, para os jovens -] O mundo é vosso, bem como nosso, mas em última análise ele é vosso. Vocês, jovens, repletos de vigor e vitalidade, estão na flor da vida, como o sol às oito e nove da manhã. A nossa esperança está em vocês. [...] O mundo pertence-vos. O futuro da China pertence-vos.

 

[10-] Existe uma história antiga chinesa chamada "O Idoso Louco que Removeu as Montanhas." Fala de um idoso que viveu no norte da China há muito, muito tempo, e que era apenas conhecido como o Idoso Louco da Montanha do Norte. A sua casa tinha uma porta para o lado do sol e fora dela estavam dois grandes picos, Taihang e Wangwu, que lhe obstruíam o caminho. Com grande determinação, levou os seus filhos a escavar essas montanhas com enxadas.
Outro homem de longa idade, conhecido como o Idoso Sábio, viu-os e disse-lhes de forma irónica, "Que absurdo fazerem isto! É impossível tão pouca gente conseguir escavar estas montanhas gigantescas."
O Idoso Louco respondeu "Quando eu morrer, os meus filhos irão continuar; quando eles morrerem, irão existir os meus netos; e depois os seus novos filhos e netos, até ao infinito. Tão altas quanto sejam, as montanhas não podem crescer mais e com cada pedaço que escavarmos ficarão mais pequenas. Porque não as conseguiremos afastar?"
Tendo refutado as ideias erradas do Idoso Sábio, ele continuou a escavar todos os dias, sem nunca mudar a sua ideia. Então deus ficou compadecido e enviou dois anjos, que afastaram as montanhas com as suas próprias costas*.

 

Se este Livro Vermelho de Mao Tse-Tung apresenta muitas outras citações do famoso político chinês, num total de mais de 300, talvez esta pequena lenda recordada pelo autor, a que ele faz seguir uma breve interpretação (que omitimos aqui), seja a sequência mais digna de nota no contexto deste espaço. Mas, de um modo mais geral, esta é uma obra política, mais do que filosófica ou mitológica, de uma importância significativa para quem quiser compreender alguns aspectos da cultura chinesa dos nossos dias.

Mas... Será que a devem ler? Debatemos esse ponto várias vezes, até nos apercebermos que se trata de uma obra que, entre nós, apenas apelará a quem tem interesse nas Ciências Políticas ou na cultura chinesa. Os restantes leitores até poderão encontrar nela algum interesse ocasional, aqui e ali, mas de um modo geral este Livro Vermelho terá provavelmente pouco apelo para os leitores lusófonos.

 

 

*- Como a obra que lemos estava em tradução inglesa, é portanto provável que esta última frase seja uma adaptação do texto original, referindo-se originalmente a uma qualquer divindade da China e respectivo séquito divino.

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