Nesta altura do ano é sempre apropriado falar-se do mito de Saturno e do antigo festival da Saturnália. Isto porque é muito comum referir-se, por estes dias, que a data do nosso Natal, bem como alguns elementos da própria celebração, provêm de um festival romano chamado "Saturnália"... mas será isso mesmo verdade, ou pura fantasia?
Em busca de uma resposta, comecemos por recordar aqui o mito de Saturno, que não é, no seu cerne, senão o do Cronos grego com um novo nome. Tal como referimos há já uns meses:
Cronos (...) era um dos titãs. Resumidamente, foi ele que destronou Urano, tendo cortado com uma foice os genitais do próprio pai (sim, este é um daqueles mitos gregos mais chocantes e grotescos), acção de que nasceu a deusa Afrodite. Depois, ascendendo ao trono do Olimpo, reinou com um punho de ferro. Mas tinha medo de ser destronado por um filho, como ele próprio tinha feito ao seu pai, e então quando lhe nasciam filhos e filhas, ele engolia-os. Fê-lo repetidas vezes, até que lá nasceu Zeus, cuja mãe substituiu por uma pedra. O futuro deus da trovoada foi então amamentado e criado por uma cabra, e mais tarde logo e destronou este Cronos, com pelo menos uma fonte literária a nos dizer que também ele castrou aquele que o gerou, antes de ascender ao trono do Olimpo.
Este é o mito de Saturno, ou Cronos, tal como ele era conhecido entre os Gregos da Antiguidade, e que pode ser encontrado em obras tão famosas como a Teogonia de Hesíodo, mas também em vasos gregos como o mostrado abaixo, em que esta figura divina parece prestes a aceitar Zeus/Júpiter ou uma pedra:
Contudo, quando os Romanos pegaram nesta figura de Cronos e fizeram dele o seu Saturno, também lhe parecem ter adicionado pelo menos uma nova aventura, a que já cá fizemos uma alusão anteriormente:
O vencido [i.e. Saturno] fugiu para Itália, onde veio a conhecer o deus Jano, entre outras aventuras muito pouco conhecidas.
Feita então esta breve introdução, pergunte-se agora o que foi a Saturnália...
Este festival parece ter-se baseado num evento grego de nome Kronia, numa evidente relação com o nome da mesma figura divina entre os Antigos Gregos, e era uma celebração que tomava lugar durante vários dias e celebrava a antiga Idade de Ouro, que se cria que este titã tinha trazido ao mundo antes de ser derrubado pelo seu filho. Infelizmente, as fontes literárias que nos chegaram não nos contam como eram todas as festividades que tomavam lugar, mas sabemos, pelo menos, que incluíam alguns jogos e debates, uma troca de prendas, a eleição de um rei da festa (como ainda temos no "nosso" Carnaval), e - talvez o elemento mais famoso - uma inversão temporária de papéis, em que ou passavam a ser os "donos" a servir a comida aos seus escravos, ou comiam todos em conjunto e numa mesma mesa, numa simbólica igualdade.
Face a estas características, é claro que o festival era muito popular, pelo que os Cristãos poderão ter tido alguma dificuldade em acabar com ele. Seria, portanto, de supor que até foi, eventualmente, ocupado pelo "nosso" Natal, mas... ao contrário do que muitos artigos de revistas e jornais dão a entender, isso não aconteceu bem assim. Na chamada Cronografia de 354, este festival inicia-se a 17 de Dezembro - e sabemos, por outras fontes, que parece ter-se prolongado até dia 23 - enquanto que o dia 25, em si, aparece associado a Sol Invictus e ao nascimento de Cristo em Belém, na Judeia. Dois eventos, uma só data, atestados sem dúvidas no ano de 354 d.C. ... mas sem que nunca seja explicado qual a relação entre eles (se é que existia...), ou o porquê de ter sido essa a data definida para o importante evento cristão. Teorias até existem muitas, mas certezas há poucas ou nenhumas!
Neste seguimento, faz sentido acreditar que o nosso Natal copiou alguns elementos de festivais dos Romanos - nomeadamente os da Saturnália e do dia de Sol Invictus - mas não sabemos em que medida é que esses festivais anteriores influenciaram o nosso. E desconhecemos isso porque não temos, hoje, qualquer fonte literária credível que explique como foi definida a suposta data do nascimento de Jesus Cristo, ou que nos informe até que altura se foram prolongando os vários festejos que os Romanos tradicionalmente associavam ao nome de Saturno. Em ambos os casos, poderão tratar-se de puras coincidências, ou de uma tentativa cristã de associar novos festejos a datas que já eram populares... e quem quiser dizer mais que isso ou mente, ou fá-lo sem conhecimento de causa!