São Nicolau e a origem do Pai Natal
É mais que certo que quem ler estas linhas já está farto de saber que o Pai Natal - ou Papai Noel, no Brasil - se baseou numa figura histórica hoje conhecida como São Nicolau. Por esta altura do ano a informação é repetida infinitamente em tudo quanto é revista, jornal, canal de televisão, etc. Mas o que raramente nos contam é de onde vem essa intersecção entre as duas figuras. Ou seja, acreditando-se que a figura que representa a nossa quadra natalícia é mesmo baseada num homem real que se crê que viveu nos séculos III e IV da nossa era, onde começa a acaba a semelhança entre ambos? Por exemplo, será que este homem dava presentes às crianças da sua região, como seria demasiado fácil supor?
Em busca de uma resposta, tentámos localizar as fontes históricas por detrás da vida de São Nicolau. Descobrimos, aqui e ali, breves referências à vida deste santo, nascido na cidade de Mira e que acabou por se tornar bispo dessa cidade. Uma referência completa à sua vida só surge já no início do século IX, quase 500 anos depois do seu falecimento, mas o notável é que essa biografia, que se suporia ficcional, contém diversos factos que os autores de séculos anteriores já referiam, levantando a possibilidade de que pelo menos parte dela tenha um fundo de verdade. E, entre esses factos repetidos ao longo dos séculos conta-se uma pequena história que poderá explicar a sua relação com o nosso Pai Natal. Podemos aqui resumi-la de uma forma breve.
São Nicolau sempre foi um homem muito bondoso. Numa dada altura deu por si a viver paredes-meias com um homem que já tinha sido muito rico mas, entretanto, tinha caído na pobreza. Face às dificuldades que vivia, decidiu então prostituir as suas três filhas, até porque não tinha qualquer forma de lhes conseguir dar o dote necessário na altura em que viviam, o que as impedia de casar. É difícil compreender, pelo texto, se ele chegou a consumar essa decisão.
Mas quando soube o que se passava com o seu vizinho, o futuro santo aproximou-se da casa durante a noite e atirou pela janela um saco de ouro. O pobre pai, vendo o ouro no dia seguinte, utilizou-o para casar a filha mais velha. Então, o santo repetiu a sua acção uma segunda vez, e o pobre pai utilizou o segundo saco de ouro para casar outra filha, mas começou a pensar nos estranhos eventos por que estava a passar. Então, decidiu esconder-se e aguardar por um novo "milagre"... e quando um terceiro saco de ouro lhe entrou pela janela, teve o cuidado de ver quem o tinha atirado, apanhando o santo a realizar o seu acto bondoso.
Não existe, nesta vida de São Nicolau ou nas fontes que lhe são anteriores, qualquer referência à dádiva de presentes a crianças, mas este episódio - puramente lendário, ou não... - parece ter-se tornado famoso ao longo dos séculos, ao ponto de até aparecer representado na arte do século XV da nossa era; na imagem abaixo, por exemplo, o santo pode ser visto à janela, a atirar pequenos sacos de ouro para cima de uma cama, enquanto três jovens podem ser vistas no interior (presume-se que o pai seja a figura parcialmente coberta no lado oposto da cama).
É provável que tenha sido esta dádiva dos pequenos sacos de ouro a grande inspiração por detrás da tradição, muito mais tardia, de que o homem por detrás do nosso Pai Natal dava presentes a todos os necessitados. A fonte literária que consultámos - que, repita-se, até é a mais antiga a contar uma vida completa deste santo - não diz isso, e este episódio é o único em toda a narrativa em que ele faz algo de semelhante. Contudo, nela existe igualmente uma referência, muitíssimo breve, ao facto de ele ajudar crianças órfãs; a associação da história recordada acima com esse facto poderá ter originado a falsa ideia de que ele os ajudava da mesma forma que outrora tinha ajudado as três jovens desta pequena história, o que não é preciso.
Será então correcto dizer que São Nicolau é a figura que inspirou o nosso Pai Natal, ou o Papai Noel no Brasil? Talvez seja muito mais preciso e correcto é dizer que um dos episódios da sua vida foi expandido e horizontalizado para inspirar essa figura na cultura ocidental, gerando sobre um episódio potencialmente real toda uma nova figura ficcional.