"O Oriente", de José Agostinho de Macedo
O Oriente, de José Agostinho de Macedo, é um poema épico escrito em inícios do século XIX sobre os descobrimentos de Vasco da Gama. Face ao tema, qualquer leitor português poderia perguntar-se "Mas... não é esse o tema dos Lusíadas de Luís de Camões?", o que seria uma excelente questão. Na verdade, o grande herói do épico de Camões é o povo português, enquanto que o famoso descobridor pode ser considerado uma das suas personagens principais.
Face a essa pequena, mas também significativa discrepância, José Agostinho de Macedo parece ter sentido que Vasco da Gama merecia ser homenageado numa obra em que tivesse um papel mais principal, um épico sobre as suas conquistas e descobertas marítimas. Como tal, este poeta começa por mostrar algo que certamente irá intrigar um leitor do seu épico - ele mostra que o génio de Camões não o é assim tanto, mas que esse famoso poeta nacional, que tendemos a ver como o grande rei dos nossos autores de poesia, na verdade retirou muitos dos seus episódios e dos seus versos de autores que o precederam. O que tem, necessariamente, de levantar uma questão - terá sido Camões um plagiador? Ou, como se define o plágio no reino da poesia? Bastará copiar-se um verso, um episódio? É uma questão demasiado complicada para ser resolvida num mero punhado de linhas, mas mereceu ser mencionada aqui porque parece ter sido essa a grande razão por detrás da escrita deste outro poema com um tema tão semelhante ao dos Lusíadas, que este novo autor tanto critica na introdução da sua obra.
Voltemos, portanto, a O Oriente de José Agostinho de Macedo. É um poema épico em 12 cantos, que segue Vasco da Gama desde a sua partida de Lisboa até à chegada e conquista das terras da Índia. Pelo caminho, este herói e os seus navegantes passam por terras bem reais, e têm até algumas aventuras verosímeis, até que lhes surgem as acções do grande opositor do poema - o Diabo, que pretende afastar os Portugueses do Oriente, de forma a que os povos que vivem nessas terras continuem as suas práticas pagãs. Ele tenta, sem sucesso e por várias vezes, impedir a chegada à Índia e a disseminação do Cristianismo no Oriente, mas Vasco da Gama vai tendo o apoio e inspiração de diversas figuras místicas, das quais a mais notável nos pareceu ser o espírito do Infante Dom Henrique... okay, se não existe um épico que celebre os seus feitos (como pensámos um dia), pelo menos ele surge, aqui, como o grande inspirador e predecessor deste novo herói, o que acaba por ser um pormenor muito interessante e digno de nota.
Porém, ao mesmo tempo, essa referência à aparição do Infante Dom Henrique também nos conduz ao grande problema deste poema épico - ele tem, aqui e ali, alguns momentos interessantes, significativos e aprazíveis numa obra com o pano de fundo dos Descobrimentos Portugueses, mas eles são raros. A leitura da obra nem sempre desperta curiosidade, mas alguns dos seus momentos até podem fazer o leitor pensar algo como "esta sequência até é interessante". E talvez seja essa a melhor forma de conhecer este poema; não através da sua leitura completa, do início ao fim, mas apresentando-se a possíveis leitores apenas alguns dos seus momentos mais significativos, e.g. o notável episódio que já referimos acima, entre alguns outros, como esta primeira estância do primeiro canto de O Oriente, com que decidimos terminar as linhas de hoje:
Canto a sublime empresa, e o Lusitano,
Que, toda rodeando a Africa ardente,
A fúria assoberbou do vasto Oceano,
E abriu as portas do vedado Oriente;
Com mais valor que é dado a peito humano,
As bases foi lançar do Império ingente,
Que fez, crescendo em paz, crescendo em guerra,
Os portugueses imortais na Terra.