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Mitologia em Português

31 de Março, 2022

Sobre o esquecido Frei João da Barroca

Frei João da Barroca foi uma de aquelas figuras notáveis da história portuguesa que, feliz ou infelizmente, o tempo foi apagando. Quase nada se sabe sobre ele nos nossos dias, mas aparece mencionado em fontes literárias do século XIV como um famoso "emparedado" da cidade de Lisboa, juntamente com Margarida Annes e Maria Esteves... e talvez seja importante começar a história de hoje por esse ponto - o que é um "emparedado"?

A lenda de Frei João da Barroca

Talvez a ideia pareça completamente louca nos nossos dias de hoje, mas na Idade Média existiam pessoas que, movidas pelo seu fervor religioso, se decidiam encerrar no interior de um qualquer local e nunca mais sair (e nem poderiam tentar, porque em muitos casos até lhes era construída uma parede em redor, lembrando o triste Ugolino), dedicando toda a sua vida a Deus. Depois, numa espécie de Big Brother - o concurso, esclareça-se - de outros tempos, quem passasse por lá dava-lhes, provavelmente por admiração face a tão estranha ideia - comida e/ou bebida por intermédio de uma pequena abertura, como a da imagem acima, que jamais possibilitava a saída do local, mas somente a entrada do alimento necessário à vida humana.

 

Sabemos então que em meados do século XIV existiam pelo menos três pessoas assim encerradas em Lisboa, mas já pouco se parece saber sobre a vida de cada uma delas, com excepção de que tinham a sua fama na época. E, de entre essas três, cujos nomes já mencionámos acima, contava-se então este Frei João da Barroca - "barroca", talvez por viver fechado numa espécie de cova, ou porque a zona era então conhecida como "Barrocal"? - que se parece ter tornado a mais famosa. Sobre ele, o que sabemos é quase um completo misto de lenda e realidade, vago como o nevoeiro - supostamente nasceu em Castela, foi parar a Jerusalém, viveu emparedado por lá, até que uma visão divina o convidou a meter-se num barco (desconhece-se como saiu desse primeiro emparedamento...). Chegado a Lisboa, emparedou-se novamente - num local próximo do agora-desaparecido "Convento de São Francisco da Cidade" - e com os anos foi ganhando fama de santo.

 

E tudo isto pode parecer muito fascinante a alguns leitores, mas que importância tem então este Frei João da Barroca na história de Portugal? Quando o homem que se viria a tornar o rei João I de Portugal matou o Conde Andeiro, em finais de 1383, o futuro-monarca tinha algumas dúvidas sobre o que fazer, em particular se deveria manter-se no país ou fugir para o estrangeiro. Conta-se então que foi falar com este famoso "emparedado" e que foi ele que o convenceu a manter-se no país, profetizando-lhe um bom futuro com ideias como estas:

Não só ele seria regedor, e senhor deste reino, e seus filhos depois de sua morte, mas que havia também de ser terror da África, conquistando a cidade de Ceuta, apontando-lhe o modo e traça com que havia de render o castelo de Lisboa, que mais dificultava essa empresa.

 

Portanto, sem as acções desta figura - entre outras da mesma época, como aquele Nuno Álvares Pereira da lendária espada e de Aljubarrota - é certamente possível que o nosso país se tivesse tornado uma província de Espanha...

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27 de Março, 2022

Exposição do Mundo Português (1940), o que resta hoje?

Falamos hoje da Exposição do Mundo Português, de 1940, em virtude de uma controvérsia que teve lugar há alguns meses. Na altura, pretendia-se remover alguns brasões florais que tinham sido colocados no tempo da exposição, símbolos de muitas das ex-colónias, a que uns se opuseram e outros apoiaram. Os brasões, feliz ou infelizmente, lá acabaram por ser removidos, o que representa mais uma perda simbólica do património histórico nacional, mas... então, o que nos resta desses tempos? Se muitos dos pavilhões, que hoje teriam mais de 80 anos, foram demolidos pouco depois do término da exposição, o que ainda pode ser visto na zona lisboeta de Belém?

Mapa da Exposição do Mundo Português de 1940

Na imagem acima pode ser visto um mapa oficial da Exposição do Mundo Português de 1940, em que assinalámos a amarelo o que ainda existe dessa altura e que pode ser dividido em seis locais distintos. Quais são eles?

No canto superior direito está a chamada "Secção Colonial", em que podiam ser feitas visitas alusivas às agora-chamadas ex-colónias. Naturalmente que as exposições originais já não estão no local, mas naquele que é agora chamado o "Jardim Botânico Tropical" ainda podem ser encontrados, aqui e ali, edifícios e alguns resquícios desse tempo. Abaixo deste existia o "Bairro Comercial", sendo possível que algumas das lojas no local, em particular na Rua Vieira Portuense, ainda sejam dessa altura. Do lado esquerdo desses dois locais está, como não poderia deixar de ser, o Mosteiro dos Jerónimos, a que já cá fizemos diversas alusões anteriormente, em particular na sua ligação aos famosos Pastéis de Belém.

Depois, na parte inferior, pode ser visto o agora-chamado "Museu de Arte Popular", seguido pelo "Restaurante do Espelho de Água" (que era uma Cervejaria Portugália da última vez que lá fomos...) e o "Padrão das Descobertas", que é, obviamente, hoje o Padrão dos Descobrimentos.

 

Além destas estruturas "maiores", nesta zona baixa de Belém também existem diversas "pequenas" recordações desses tempos da Exposição do Mundo Português de 1940, como os próprios jardins ou a Praça do Império, mas não eram contemplados com uma referência específica no mapa mostrado acima, sendo essencialmente uma forma de embelezar todo o espaço para os visitantes. O que poderá suscitar uma questão por agora completamente impossível de responder - que recantos dos tempos da Expo 98 também um dia chegarão a essa mesma idade de 80 anos? É, talvez mais que tudo, esperar para ver, mas já cá não estaremos para comentar esse outro tema...

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24 de Março, 2022

Na verdade, quem foi Jim Crow?

Existem muitas histórias que são famosas nos respectivos países de origem mas quase desconhecidas em outros, e o caso de Jim Crow parece ser uma delas. E, de facto, quando assistimos a uma participação numa conferência por parte de um professor americano, há algumas semanas, ele estranhou que os Europeus desconhecessem o significado das chamadas "Jim Crow laws", como se o conceito fosse imprescindível e conhecido por todo o mundo, numa espécie de egocentrismo muito comum na cultura americana. Portanto, para quem não for americano, quem foi esta figura?

Quem foi Jim Crow?

Não conseguimos descobrir se um verdadeiro Jim Crow já existiu, uma personagem completamente real por detrás de toda a ideia, mas fomos lendo duas teorias, segundo as quais a figura ou se baseou na performance de um escravo deficiente encontrado por Thomas D. Rice durante as suas viagens do início do século XIX, ou foi composta por esse criador de uma forma satírica, gozando com um conjunto de características que nessa altura eram associadas aos escravos americanos, e que foram incorporadas numa canção mutável ao longo desse mesmo século.

Agora, por definição uma "canção mutável" é difícil de reproduzir aqui, mas as suas diversas versões parecem ter alguns elementos em comum. Primeiro, a canção e dança eram interpretadas, tradicionalmente, por um branco em blackface, ou seja, com a cara pintada de negro, como pode ser visto no vídeo acima. Segundo, estas canções, apesar da divergência de versos, eram frequentemente críticas da população negra. E, em terceiro lugar, tinham sempre em comum um mesmo refrão, que também pode ser ouvido no vídeo:

Weel about and turn about and do jis so,
Eb'ry time I weel about I jump Jim Crow.

Essa constância de refrão parece ser característica da época - recorde-se o caso da canção sobre Maria Cachucha, também ela com versos distintos mas um refrão sempre comum. E se assim se explica a fama do nome, porquê este (?), e porque veio ele a dar a designação a leis segregacionistas aparecidas posteriormente? Mais uma vez, essa informação parece estar envolvida em alguma neblina histórica, mas poderá ter nascido de uma prática local de chamar crow - "corvo" - aos escravos negros, e mais tarde da grande popularidade da própria canção, que representava - como já foi dito - os escravos negros de uma forma significativamente pejorativa.

 

Assim se tenta explicar a origem das chamadas "leis de Jim Crow", e da personagem cultural que lhes deu o nome, mas... será que, hoje, é legítimo o uso da chamada blackface? Para escrever estas linhas tivemos de ver dezenas de vídeos do Youtube, e um elemento curioso é que nas reconstruções da dança feitas nos nossos dias de hoje se evita sempre essa característica, agora considerada racista... quando, em alternativa, se deveria era pensar que ela era, culturalmente, uma parte significativa da representação original, que não deve ser julgada pelos padrões actuais. Não dizemos que seja correcto, mas sim que se a canção original tinha essa característica essencial, não é completamente justo representá-la hoje sem ela, a bem da precisão histórica - caso contrário, seria como tentar representar Luís de Camões em filme sem a sua famosa pala, o que nos pareceria muito estranho...

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24 de Março, 2022

"The Myth of German Villainy" de Benton L. Bradberry

Esta obra, The Myth of German Villainy, de Benton L. Bradberry, chegou-nos recentemente às mãos, como mais uma entre tantas outras que se tentou proibir em determinados mercados. A obra, em si mesma, não parece ter nada de muito errado, salvo algumas referências ocasionais à conspiração judaica mundial. Pelo contrário, algumas das suas páginas até lançam todo um conjunto de questões que são bastante desconfortáveis para quem conhecer as histórias das duas guerras mundiais.

The Myth of German Villainy, de Benton L. Bradberry

O autor começa toda este The Myth of German Villainy ainda em tempos da Primeira Guerra Mundial, que usa como uma espécie de prefácio para a Segunda, e vai lançando, aqui e ali, todo um conjunto de informações que não podem deixar de fascinar. Se, por exemplo, durante esse primeiro conflito se dizia que os Alemães eram tão maus que até andavam a cortar as mãos de crianças para elas não poderem vir a pegar em armas... como é que depois não se conseguiu encontrar uma única criança sem mãos? Em retrospectiva parece fácil admitir-se que era tudo uma enorme mentira, mas então que limites tem a propaganda política em tempos de guerra? Vale tudo?

 

Ao longo da obra, Benton L. Bradberry vai então mostrando que se calhar aquilo que sabemos, ou que pensamos saber, não é bem assim. Frise-se que ele nunca nega o Holocausto, contrariamente ao que acontece em outras obras, diz é que por detrás de tudo isso existe um conjunto de informações que, muito convenientemente, nunca nos são ditas. Por exemplo, o livro está repleta de citações europeias e americanas que representam Adolf Hitler como um estadista fantástico, um homem que levantou a Alemanha das cinzas, apenas para o representarem, umas poucas linhas mais à frente, como alguém que pode e dever ser difamado a qualquer custo, chegando-se ao absurdo de se dizer que ele é impotente, hermafrodita, viola crianças, etc. E isso, queiramos ou não, levanta um conjunto de problemas - o que fazer de Hitler e do Nazismo depois da guerra?

 

Conforme o autor deste The Myth of German Villainy demonstra, existiu então uma necessidade contínua de perpetuar um conjunto de informações (falsas) construídas nessa altura, que ainda hoje aparecem em filmes, fazendo sempre desses Alemães não só os maus da fita, mas uns que são construídos de uma forma tão completamente irrealista que faria corar o que se atribuía aos Pagãos em outros tempos. Isto, ao mesmíssimo tempo que se prolonga outro tipo de mitos mais convenientes, como o dos Judeus como completos santinhos que nunca nada fizeram para merecer o tratamento abominável dos Alemães. E isso funciona, claro, até que alguém com mais cabeça se aperceba que existem, aqui e ali, falhas em toda a trama... se, por exemplo e como se diz muito hoje, morreram 6000000 de Judeus nos campos de concentração, como é que esse valor já andava a ser reportado, de forma completamente impossível, antes da Segunda Guerra Mundial?

 

Livros como este The Myth of German Villainy são perigosos, muito perigosos, porque podem levar as pessoas a questionar que, se calhar, aquilo que lhes é repetido demasiadas vezes até poderá nem ser verdade. E, como tal, livros como este merecem ser lidos para que se evite esse problema, para que se possa compreender que se tudo tem pelo menos dois lados, talvez nos devêssemos informar sobre ambos...

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23 de Março, 2022

"Golpe do baú", origem e significado

A expressão golpe do baú é digna de nota em virtude da sua origem e significados, que foram sofrendo alterações ao longo do tempo. Assim, ela tem dois grandes polos de sentidos - um primeiro, mais antigo, em que a ligação entre a expressão e o acto era quase óbvia; e um segundo, mais recente, em que, por razões culturais, a ligação anterior se foi perdendo mas parte do significado se manteve até aos nossos dias de hoje. Nesse contexto, para explicar o significado que a frase tem nos nossos dias é imprescindível apurar a sua origem histórica, como faremos abaixo.

Qual a origem e significado de 'dar o golpe do baú'?

Em outros tempos, possivelmente até já na Antiguidade - como pode demonstrar a lenda de São Nicolau - era característico que antes de um casamento o noivo recebesse uma espécie de dote por parte da noiva e respectiva família. Essa espécie de oferta, directamente monetária ou já de bens, era destinada a ajudar a mudança da figura feminina para uma nova casa, onde podia, muitas vezes, ser vista mais como um incómodo e prejuízo monetário do que como uma verdadeira adição à família. Nesse seguimento, muitas vezes era comum que o tal dote fosse guardado numa arca ou baú, para estar bem seguro num tempo em que ainda não existiam instituições bancárias... e isto levou, progressivamente, à ideia de que algumas pessoas menos bem intencionadas pudessem vir a casar exclusivamente para tomarem para si parte das posses da família da noiva.

 

A ideia foi-se mantendo ao longo dos séculos - continua a aparecer em diversos romances medievais, e mantém-se em obras mais recentes - mas progressivamente lá acabou por se ir perdendo ou modificando, sobrevivendo nos nossos dias em um punhado de tradições, como a do pai da noiva, tradicionalmente, pagar a cerimónia do casamento. Mas, se o agora-proverbial golpe do baú deixou de ser tão literal, manteve-se a sua ideia subjacente, em particular quando existe uma grande diferença de estatuto entre os dois noivos, seja - como originalmente - em termos de dinheiro, de beleza ou de idades, dando uma espécie de sugestão de que duas pessoas apenas se ligaram por laços de matrimónio a bem do vil metal, o que levou à expressão anglófona de gold digger, i.e. alguém que apenas casou com o objectivo de "sacar" o ouro, as posses materiais, da suposta alma gémea.

 

Portanto, a expressão que se refere a "dar o golpe do baú" é, hoje, uma alusão a esta última parte da evolução da ideia original, dando mesmo a entender que duas pessoas apenas casaram em virtude do proveito desigual - seja masculino ou feminino, apesar do sentido original, que tornava quase impossível às mulheres realizarem este golpe - que essa união traz a uma delas, i.e. a menos rica, mais nova ou mais bonita. Existe, de facto, um certo sexismo na expressão, mas é uma boa forma das más línguas justificarem algumas simpatias entre duas pessoas que, à partida, pareçam ter muito pouco em comum...

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21 de Março, 2022

A lenda de São Torpes

A lenda de São Torpes merece ser contada aqui em virtude do facto de esta figura santa ser relativamente famosa em terras de Portugal. Contudo, se o santo não nasceu nem viveu no nosso país, como é ele associado a terras portuguesas? É isso que iremos explicar hoje.

Sobre a lenda de São Torpes

Conta-se que Caius Silvius Torpetius viveu no primeiro século da nossa era em Pisa, na Itália, mais precisamente no tempo do imperador Nero, aquele grande destruidor de Cristãos. Converteu-se ao Cristianismo pelos ensinamentos de São Paulo, admitiu a sua fé frente ao próprio monarca da altura e foi condenado a múltiplas torturas, que variam mediante a fonte literária consultada. Contudo, o que elas concordam é no destino final deste homem - a sua cabeça foi-lhe cortada e ele foi atirado ao mar, num barco juntamente com um cão e um galo (que se supõe que devessem comer o corpo do falecido).

 

Aqui termina a vida de São Torpes, propriamente dita. A sua cabeça foi depois encontrada em Pisa, e como aconteceu no caso de São Vicente este pequeno barco tinha de ir parar a algum lado. São-lhe atribuídos vários destinos, mas entre os mais notáveis para estas linhas contam-se a bela cidade de Saint-Tropez, em França, a que ele deu o nome; e uma praia na zona de Sines, em Portugal, a que o santo também emprestou o nome, e na qual - segundo a lenda local - a localização do corpo do mártir foi revelada em sonhos a uma mulher da região, que ficaria conhecida como Santa Celerina (e sobre a qual pouco ou nada mais se sabe). Não há qualquer registo do que aconteceu aos dois animais que o acompanhavam.

 

Contudo, toda esta lenda associada à Praia de São Torpes deve ser vista com enorme cepticismo. Se se acredita que este santo viveu no primeiro século da nossa era, não só os primeiros relatos da sua vida surgem quase mil anos depois, como estão repletos de anacronismos, de informação falsa e de elementos claramente copiados de outras histórias de santidade e de martírios - numa versão portuguesa do século XVII, por exemplo, o santo até ultrapassa cinco sequências de tortura distintas, cada uma delas copiada de famosos martírios da Antiguidade, antes de lhe ser finalmente cortada a cabeça... e, como tal, é muito provável que esta seja uma história ficcional, ou pelo menos uma em que o potencial cerne da verdade se foi perdendo ao longo dos séculos e é hoje impossível de traçar.

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17 de Março, 2022

A Lenda do Menino dos Olhos Grandes

Na cidade algarvia de Olhão, mais precisamente num local que tem o nome de Largo do Carolas, pode ser encontrada uma estranha estátua cuja imagem reproduzimos um pouco mais abaixo. Ao viajante comum esta poderá parecer uma representação intrigante, mas para os habitantes locais - e quase somente para eles, daí termos decidido falar desta pequena história nas linhas de hoje - é sobejamente conhecida esta referência a uma lenda do Menino dos Olhos Grandes.

A lenda do Menino dos Olhos Grandes

Quem era este menino, ou mesmo o que lhe aconteceu, provavelmente permanecerá um mistério até ao final dos tempos, mas diz esta espécie de lenda que numa data desconhecida de inícios do século XX, e sempre durante a noite, podia ser visto na cidade de Olhão uma criança muito estranha. Uns diziam que estava sempre a chorar, outros que tinha uma pequena cesta consigo, ainda outros acrescentavam mais um ponto aos estranhos eventos, mas, de um modo geral, todos concordavam em três grandes características - ele tinha olhos grandes (e daí, muito naturalmente, o nome pelo qual ficou conhecido!), era magicamente muito pesado, e nunca dizia uma única palavra. É apenas essa a sua "história", repita-se que não se sabe de onde veio nem para onde foi, mas por alguma razão difícil de precisar as populações locais nunca o esqueceram, passando os relatos dessa estranha ocorrência por via oral, de pais para filhos, até aos nossos dias de hoje.

 

Mas porquê, tamanha importância associada a uma história tão estranha, breve e incompleta? Terá sido por este Menino dos Olhos Grandes (quase) partilhar o seu nome com o da cidade? É até possível que sim, mas sempre ouvimos dizer que o nome de Olhão se deve ao facto de terem existido muitos "olhos de água", ou seja, pequenas nascentes, na região. O facto do menino também ter "olhões", i.e. olhos de um tamanho maior do que é habitual, parece ser mera coincidência e nada mais. Mistérios...

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14 de Março, 2022

A lenda da Espada de Dom Sebastião

A lenda de que aqui falamos hoje, a da Espada de Dom Sebastião, vem da Madeira e inclui-se num contexto lendário de que já cá falámos anteriormente. Em suma, em outros tempos e até mais ou menos os inícios do século XIX abundavam as lendas que ligavam o famoso monarca de Portugal a toda a espécie de espaços místicos, lendários e misteriosos. Muitas delas foram sendo esquecidas, outras podem ser vistas em manuscritos esquecidos da BNP (talvez um dia sejam digitalizadas!), mas hoje decidimos cá contar mais uma.

Locais desta lenda da espada de Dom Sebastião

Entre muitas outras lendas sobre estes temas, contava-se então, sobre esta possível espada de Dom Sebastião em terras da Madeira, que o monarca tinha passado pelo local quando se dirigia para a Ilha Encoberta e decidiu que já não precisava do seu equipamento guerreiro. Então, descansando por alguns minutos nesta outra ilha, pegou na sua espada a atirou-a para algum lado - uns dizem que foi para a Penha d'Águia, outros para a Ponta do Garajau. Em ambos os casos, os locais são de difícil acesso e, como tal, dificilmente alguém que ouvisse esta história seria capaz de recuperar a espada do rei desse possível local. Assim, como a Excalibur do Rei Artur, ela perdurava apenas na imaginação dos habitantes da ilha, onde esta história acabou por nos chegar, já numa forma escrita, em inícios do século XX.

 

É provável que, na sua forma original (e que certamente antecida o século XIX), esta lenda da Espada de Dom Sebastião contasse com mais elementos, como uma possível razão para o atracamento no local, ou a proposta de alguma recompensa para quem conseguisse recuperar a arma do monarca, mas ao longo do tempo tudo isso parece ter sido esquecido. Hoje, apenas se lembra, e até de uma forma muito ténue, que a espada do rei desaparecido pode estar escondida algures nesta bela ilha, à espera de quem verdadeiramente a quiser encontrar...

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10 de Março, 2022

A lenda de Nossa Senhora de Sacaparte

O muito incomum nome de Nossa Senhora de Sacaparte está hoje quase esquecido. Talvez quase até tanto como está o convento que um dia tomou o seu nome, na freguesia de Alfaiates, município do Sabugal. O original datava (provavelmente) do século XIV, depois foi reconstruído no século XVIII, mas hoje está assim, como mostrado abaixo, quase tão olvidado como a pequena lenda que lhe deu esse nome:

Nossa Senhora da Sacaparte, a lenda e o convento

Mas, então, de onde vem esse estranho nome de "Sacaparte"? A lenda refere que, num tempo agora já esquecido, mas provavelmente anterior ao reinado de Dom Dinis, os Castelhanos tentaram invadir Portugal e chegaram ao local próximo de onde existe este convento. O combate entre os dois exércitos foi relativamente rápido, mas depressa se aproximava a noite. Face ao enorme frio que se antevia na região, um dos combatentes nacionais evocou Nossa Senhora e disse "Virgem, saca-nos a boa parte" (ou seja, algo como "deixa-nos ficar com o que nos pertence"). Assim foi pedido à mãe de Cristo e assim se cumpriu - os Castelhanos retiraram-se para as suas terras e os Portugueses mantiveram este pedaço de território como seu, honrando a santa no local em que lhes prestou ajuda.

 

Se as lendas de combates entre Portugueses e Castelhanos abundam em Portugal - recordem-se, por exemplo, histórias como as do Castelo de Faria ou de Aljubarrota - esta é um pouco diferente, por tentar explicar o nome de um local. Claro que esta é uma explicação muito ténue, pouco satisfatória até ao povo, mas se existia alguma outra origem para o nome desta Nossa Senhora de Sacaparte, o tempo parece tê-la feito esquecer. Só assim se compreende que em dada altura o nome tenha mesmo sofrido uma pequena alteração para Sacraparte, i.e. parte sagrada, de explicação muito mais natural e fácil de entender, mas sem uma lenda associada (ou, pelo menos, alguma que tenhamos conseguido descobrir).

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07 de Março, 2022

Sumano, um deus esquecido dos Romanos...

Seria muitíssimo interessante contarmos aqui o mito de Sumano, como também contámos muitos outros ao longo dos anos, mas neste caso isso não é de todo possível. Poderá parecer estranho, mas convém esclarecer que nem os Romanos, há cerca de 2000 anos atrás, sabiam sobre ele muito mais do que nós, numa espécie de mistério que já antecedia significativamente o início da nossa era.

O mito de Sumano

Assim, dizem as (poucas) fontes literárias que ainda temos que Sumano foi, em tempos já há muito esquecidos, um antigo deus associado às trovoadas nocturnas, tal como Júpiter, aquele Zeus dos Romanos, estava então associado àquelas que tomavam lugar durante o dia. Depois, acrescentam outros, quando foram construídos templos a essas duas divindades, o da segunda era tão mais belo que o da primeira que isso levou ao esquecimento progressivo do seu companheiro, até que ele se tornou nada mais do que um ténue nome do passado.

 

A história ficaria por aqui, sem muito mais para se dizer, não fosse uma antiga sugestão de que o nome de Sumano, no seu original latino Summanus, vinha de Summus Manium, i.e. "o maior dos Manes", dando a supor que este mesmo deus possa ter tido uma enorme importância em tempos remotos. Mas, se assim o foi, o que lhe aconteceu? Será que foi absorvido por Plutão, deus do submundo, de quem um dos títulos até é Summus Manium, como alguns sacrifícios fazem supor? Ou será que as suas funções foram associadas às de Júpiter, contribuindo para a popularidade posterior deste monarca do Olimpo? Não sabemos, nem podemos vir a sabê-lo actualmente - até Ovídio se referia a esta figura divina como quisquis is est, i.e. "seja ele quem for", mostrando que a sua verdadeira identidade já era desconhecida nos primeiros anos da nossa era. E, para nós, passados tantos outros séculos desde esse apogeu da literatura latina da Antiguidade, o mistério ainda se adensou mais, fazendo de este antigo deus pouco mais que um mero nome...

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